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A imagem acima não é uma montagem nem dramatização. É uma imagem real da noite no entorno da estação de Guia de Pacobaíba, marco zero e estação ferroviária da Estrada de Ferro Mauá, a primeira ferrovia do país. No último domingo dia 24 de setembro os membros da AFTR Rodrigo Sampaio e Jana Rocha foram ao local e constataram o mau estado em que se encontra. Nesta matéria especial você saberá todos os detalhes sobre esse que deveria ser um dos mais respeitados monumentos ao progresso do país, um patrimônio histórico datado da segunda metade do século XIX, mas que apesar de muita conversa e projetos de entidades governamentais, apenas as seguintes ações são postas em prática: MENTIRAS, PROMESSAS E DESRESPEITO AO PATRIMÔNIO.
O "responsável" pela preservação e manutenção da ferrovia é o IPHAN. Mas vocês verão no texto que as aspas fazem todo o sentido ...

Estação Guia de Pacobaíba, sem data conhecida.
Fonte: Estações Ferroviárias do Brasil
Estação original, imagem do século XIX
Fonte: reprodução
   

A Estrada de Ferro Mauá foi inaugurada em 1854, através do empreendedorismo de Irineu Evangelista de Souza, o Barão e Visconde de Mauá. Segundo algumas fontes, a estação atual de Guia de Pacobaíba, ponto inicial da ferrovia, teria sido construída em 1896, quando foram feitas reformas em toda a estrutura do "Porto de Mauá", como era conhecido o local na época. Aliás, Mauá era o nome original da estação, alterado para Guia de Pacobaíba em 1945. Segundo outras fontes, o prédio atual da estação é o mesmo da inauguração em 1854, mas teve a estrutura alterada, visto que o prédio original possuía dois pavimentos. De qualquer forma, não tira o valor histórico que o local possui, tanto a estação como o mobiliário e equipamentos ao redor, além de toda a extensão por onde a ferrovia passava. Sim, passava, pois desde 1962 ela não funciona mais, quando foi desativado o trecho entre Bongaba (cruzamento com a ligação Saracuruna x Visconde de Itaboraí) e Guia de Pacobaíba. Em 1982 foi desativado o trecho entre Bongaba e Piabetá, restando hoje apenas o trecho entre Piabetá e Vila Inhomirim, antiga Raiz da Serra, onde os trens da Supervia circulam transportando passageiros.
Se não tem trem circulando na linha, como está hoje a primeira ferrovia do Brasil ? É de se imaginar o que tenha ocorrido com a ferrovia em um país como o nosso, e esta é a atual situação: furto de trilhos e dormentes, invasão da faixa de domínio (área de segurança por onde a ferrovia passa) e até construção de casas sobre o trecho onde a linha passava. País sem memória é um país sem futuro ...

Estação em 2011: com pichações ofuscando a recente pintura
Foto: Eduardo P.Moreira
Casa do agente em 2011: ocupada por uma empresa, relativamente estava sendo bem conservada
Foto: Eduardo P.Moreira
   

Entidades preservacionistas e Associações Ferroviárias lutam pela recuperação da pioneira ferrovia há décadas. Também há décadas, em 1954 na ocasião do primeiro centenário, toda a ferrovia foi declarada MONUMENTO HISTÓRICO NACIONAL, cabendo a responsabilidade de conservação ao antigo Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto do Patrimônio e Artístico Nacional (IPHAN). Na prática, nada e coisa nenhuma é o mesmo. Um prédio ou imóvel no Brasil ao ser tombado pelo patrimônio histórico, como normalmente é dito, quase que soa como uma condenação.


Decreto publicado no Diário Oficial de 30 de abril de 1954, declarando a EF Mauá em seus 14,5kms PATRIMÔNIO NACIONAL, a ser conservada pelo antigo SPHAN, atual IPHAN.
Fonte: Antonio Pastori (AFPF)

Se for um mobiliário ferroviário então, é praticamente certo que isso correrá, virará ruínas. E é isso o que está aos poucos ocorrendo com a estação de Guia de Pacobaíba e diversas outras estações e prédios históricos e ferroviários pelo estado do Rio de Janeiro. Tombado virou sinônimo de abandonado. Apesar de todo ano serem realizadas celebrações e festas no dia 30 de abril, data em que foi inaugurada e que tornou-se por isso mesmo o dia do ferroviário, nada de concreto além disso é feito. E assim a cada dia que passa a história vai se perdendo, vai se arruinando, vai desaparecendo ...
Celebração do dia do ferroviário e da Baixada Fluminense em 30 de abril de 2010.
Todos os anos festividades saõ realizadas, reformas do espaço são feitas (mas nem sempre), e nada mais além disso e de promessas ditas mas não cumpridas.
Fotos: Fabio Torres/Oadi Salles/Guilherme Salles
 

Meses atrás eram realizadas na sede do IPHAN no Centro do Rio de Janeiro, reuniões mensais integrantes de um fórum ferroviário, uma boa oportunidade de se reinvindicar melhorias e mudanças na gestão de patrimônio ferroviário e histórico no estado. Representantes de entidades e associações preservacionistas se reuniam com representantes governamentais, do IPHAN e outras "autoridades" para debates, sugestões e trocas de ideias. Em determinada época ocorreram mudanças de data, o que causou um certo esvaziamento das reuniões, de acordo com o dito pelo órgão. Eu mesmo não pude participar mais das reuniões devido a essa mudança, mas segundo representantes civis, o quórum ainda se mantinha significativo. Um dos membros que sempre participava dessas reuniões era o saudosíssimo Luis Octávio, fundador e por muitas vezes diretor e presidente da Associação Fluminense de Preservação Ferroviária (AFPF, parceira da AFTR). A reativação e preservação da Estrada de Ferro Mauá sempre foi questão de honra para o Luís Octávio, inclusive na TV ele já figurou declarando que "quando essa ferrovia reativar, já poderia partir. A missão estaria cumprida". Infelizmente o Mestre Luís Octávio partiu em abril de 2017, sem ver o sonho concretizado.


Luís Octávio durante as gravações do programa Globo Repórter na estação de Guia de Pacobaíba.
Foto reprodução extraída do blog TREM DA SERRA DO RIO DE JANEIRO

Por um período não ocorreram mais reuniões no IPHAN, fato que sempre cobrávamos, pois era um interessante canal de comunicação e troca de ideias. Por outro lado alguns, como eu, viam também nisso uma possibilidade de coleta de dados fornecidas pelas instituições preservacionistas e ZERO de ações e conhecimento pelo citado órgão. O tempo foi passando e de repente ficamos sabendo que o fórum foi interrompido e cancelado. Motivo: falta de presença nas reuniões. Não entendemos nem vimos sentido. Pleiteamos uma reunião para conversarmos sobre esses e outros assuntos, mas o diálogo era dificil, não se tinha respostas. Até que em uma segunda-feira, dia 12 de junho, recebemos uma mensagem comunicando que uma data estaria disponível para nos reunirmos: 14 de junho de 2017, uma quarta-feira às 14:00h. Véspera de feriado de Corpus Christi, à tarde, super providencial para eles e muito complicado para nós. Ou seja, uma tática nefasta que motivaria baixa frequência na reunião, e que poderia dar motivos para o IPHAN dizer que não haveria interessados no assunto, não motivando tais reuniões existirem. Nos articulamos e conseguimos nos fazer presentes, em um número aproximadamente de 15 pessoas, realtivamente pouco mas que de certa forma surpreendeu os organizadores.

Ouça um trecho da reunião no IPHAN clicando no player acima
 
Nessa reunião também ficamos sabendo que o órgão havia "desvalorado" (ou seja, retirado ou não reconhecido o valor histórico) dezenas de bens da ferrovia. Além disso, declararam que "não querem saber de ferrovia", ficarão responsáveis apenas pelo pequeno espaço compreendido entre o píer arruinado e enferrujado de Guia de Pacobaíba e a estrada principal, englobando a estação, a casa do agente, a caixa d'água e algumas peças históricas nesses arredores. Pois bem, reduziram as suas responsabilidades, mas por menores que sejam, nem assim fazem o "dever de casa". Além do citado órgão que não merece nem ser mencionado novamente aqui, também não podemos ser parciais e não apontar que a culpa também é de outras partes que deveriam ser responsáveis pela manutenção e preservação do patrimônio. Veremos abaixo as imagens (clique nas imagens menores para amplia-las):

Placa irônica: "Artigo 17: As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas ..."
Esta placa encontra-se há anos nas proximidades de Guia de Pacobaíba.
Foto acima e todas abaixo: Jana Rocha e Rodrigo Sampaio
Estação Guia de Pacobaíba, pichada Base sendo atacada por formigas Colônias de formigas infestam o local, problema antigo Telhado faltando telhas, risco de queda photo_2017-09-24_15-30-20 Lateral depredada Porta depredada Fachada depredada Fachada mal conservada Trabalhos religiosos contribuindo para a sujeira no local Plataforma trincada Casa do Agente sem manutenção Casa do Agente sem manutenção Réplica da Baroneza, depredada Réplica da Baroneza, depredada Réplica da Baroneza depredada Um pequeno trolley, mal conservado Espaço de convivência sem proteção aos visitantes Espaço não aproveitado ao redor Espaço não aproveitado ao redor Costa erodida O cais arruinado, nunca mantido Estrutura do cais ruindo Estrutura do cais ruindo Estrutura do cais ruindo Antigo girador, aterrado Faixa de domínio invadida visual lightbox downloadby VisualLightBox.com v5.7

Como se vê, o espaço tem muito potencial como atrativo turístico e de lazer. Pessoas têm se reunido aos fins de semana para confraternizar com familiares e amigos, seja através de um churrasco, seja através de um piquenique, atividades mais comuns. Além disso, um grande terreno, anteriormente ocupado por uma empresa do meio off-shore, permanece abandonado, com mato crescendo, quando poderia se tornar um espaço de convivência, com recursos que pudessem tornar a presença dos visitantes mais agradável. Projetos existem, falta boa vontade para executa-los. Na estação a conservação é pior, com parte do telhado já perdida e caindo, pichações de facções criminosas nas paredes, partes da estrutura depredada e infestações de formigas no terreno e na base da estação. O problema das formigas é crônico, visto que é muito frequente na região. Mas a burocracia Brasileira também é um problema, talvez mais crônico que as citadas formigas: durante vários meses essa questão foi relacionada como reinvindicação nas reuniões do IPHAN, mas ninguém se mexia para resolver. Quando muito, diziam que uma licitação teria sido aberta, e os órgãos responsáveis comunicados. Mas como nada era resolvido, sendo aparentemente um problema simples, o Luís Octávio tratou de tentar solucionar: comprou pacotes de formicidas e aplicou nos focos. Problema resolvido temporariamente, mas agora novamente dependemos do órgão e da maldita burocracia para solucionar a questão.
A casa do Agente encontra-se em mau estado, a impressão é que nunca recebeu manutenção após a retirada da empresa que ocupava o terreno ao lado, e que de certa forma a mantinha. O espaço em frente, onde era o pátio ferroviário, hoje é ocupado por uma réplica da Baroneza, locomotiva que circulou na EF Mauá e que hoje a original encontra-se no Museu do Trem do Engenho de Dentro. Infelizmente, trabalhos religiosos também tem sido realizados no local, contribuindo com a sujeira que permanece por não possuir o local uma coleta de lixo regular. A própria réplica da locomotiva foi vandalizada, com rabiscos e arranhões na sua estrutura. Um pequeno trolley está largado nos trilhos, que nem ao menos mantem-se alinhados sobe os dormentes. O cais de Guia de Pacobaíba permanece arruinado e enferrujado, mas agora a sua estrutura de pedra, junto à costa, está ruindo também, o que contribui para uma total ruína do entorno marítimo. Todas as lâmpadas da estação foram furtadas ou não funcionam, impossibilitando o uso do espaço durante a noite. Tudo isso, aliado à invasão da faixa de domínio da ferrovia histórica, atrapalha cada vez mais a preservação do espaço.
 


Nota-se que há um considerável movimento de visitantes ao local nos fins de semana. E que poderia ser muito maior e melhor se houvesse estrutura disponível ao frequentadores do espaço. Se houvesse um complexo turístico instalado, com infraestrutura, espaço de convivência, memorial, museu, etc haveria arrecadação para o IPHAN, para o município via ISS e para o estado via ICMS. Falta de visão, planejamento, competência ou boa vontade ? Com a palavra, quem deveria fazer algo ...

 
Apesar de muitos poderem ser responsabilizados, como o IPHAN pela deficiência na iluminação, limpeza e conservação do espaço (já que a prefeitura de Magé teve sua responsabilidade retirada do local, mantendo-se nos arredores fora do complexo de Guia de Pacobaíba), os vândalos, uma pequena parte da população que não descarta o lixo de maneira adequada ou não ajuda a manter o espaço, dentre outros, o culpado maior nisso tudo é o próprio IPHAN. Se assumem a responsabilidade de manter o ambiente, que propiciem no mínimo um espaço agradável, seguro e de convivência para a coletividade. Porque nada nunca é feito ? Fica aqui o nosso recado, alertando ainda para duas coisas: estamos de olho. E se nada for feito o quanto antes, a situação só vai piorar, em todos os sentidos ...
Texto: Eduardo P.Moreira
Nossos agradecimentos aos colaboradores pelos registros e relatos cedidos.

Veja também a matéria especial de setembro de 2017 sobre a Estação Barão de Mauá, clicando aqui.