Tempo de leitura: 13 minutos

Por Mozart Rosa
Por Eduardo (‘Dado’)

Projetos AFTR 2: A Ferrovia Centro-Sul Fluminense
Exemplo prático de uma Short-Line no Brasil

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Antes de começarmos, se você não leu, clique aqui neste link e conheça uma alternativa AFTR a um dos projetos elaborados de maneira equivocada por uma equipe de técnicos estrangeiros e preferidos por “especialistas” do meio de mobilidade do estado do Rio de Janeiro.
Hoje você conhece o nosso segundo projeto, dentre muitos, a ser divulgado: a Ferrovia Centro-Sul Fluminense.
Desejamos a todos uma boa leitura.


Sempre que nos referimos a projetos ferroviários é recorrente em textos da AFTR a expressão “tecnicamente perfeitos e economicamente viáveis”. Essa frase se aplica a qualquer projeto, mas no setor de mobilidade tem significado ímpar dada a absurda quantidade de projetos no setor que fracassam. Sempre dizemos também que ferrovia é um negócio, e dificilmente alguém que nunca empreendeu na vida conseguirá formatar corretamente um projeto que atenda essas características por nós sempre defendidas.

Viaduto Paulo de Frontin, a maior obra de arte e engenharia da Estrada de Ferro Melhoramentos do Brazil
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2013

Antes de iniciarmos a apresentação do projeto vamos contar um pouco sobre a história do trecho: a Estrada de Ferro Melhoramentos do Brazil foi uma ferrovia em bitola métrica que tinha sua estação inicial (posteriormente Alfredo Maia) próximo à Estação Leopoldina (Barão de Mauá). Ela seguia pela Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro e por municípios da Baixada Fluminense, subindo a Serra do Couto a partir de Japeri e alcançando a localidade de Entre Rios, atual cidade de Três Rios, passando por Miguel Pereira, Paty do Alferes etc.

A Estrada de Ferro Melhoramentos atravessa(va) diversos municípios do Rio de Janeiro e tem um destaque estratégico pela possibilidade de centralizar o tráfego oriundo de Minas Gerais em direção ao litoral e ao Porto do Rio e de Itaguaí, por exemplo.
Foto: Eduardo (‘Dado’) em imagem do Google Earth.

Na década de 1960 os trens da EF Leopoldina passaram também a utilizar parte do trecho desta ferrovia em substituição ao trecho da Serra da Estrela, onde chegavam à Petrópolis. Os trens seguiam então pela linha do atual ramal de Gramacho/Saracuruna e entravam em uma linha entre as localidades de São Bento (Duque de Caxias) e Ambaí (Nova Iguaçu), chegando a Japeri e subindo a serra pelos trilhos da EF Melhoramentos, já conhecida por Linha Auxiliar desde o começo do século XX.

Na imagem acima as linhas na cor preta são as ferrovias atualmente em funcionamento.
O traçado em destaque é a extinta Ligação São Bento x Ambaí
Foto: Eduardo (‘Dado’) em imagem do Google Earth

A título de curiosidade, e apesar de ter sido extinto há décadas, esse trecho São Bento x Ambaí até poucos anos atrás era considerado trafegável por técnicos de órgãos estaduais, que não sabiam da sua paralisação, erradicação e urbanização. Sim, o trecho foi todo urbanizado, habitado e conta inclusive com ruas pavimentadas. Vejam nossas postagens sobre “Projetos Inadequados e suas aplicações equivocadas” para entender um pouco dos motivos disso, de como (não) funciona o Estado.

Chegando então a Três Rios essa ferrovia se conectava a várias outras linhas que adentravam o estado de Minas Gerais, uma delas chegando até o município de Cataguases. Existia também um ramal entre Governador Portela e Santa Rita do Jacutinga em Minas Gerais, passando por Valença e Vassouras.

O grande pátio da estação de Três Rios, em ano não identificado
Foto: acervo pessoal de Benício Guimarães ® AENFER/AFPF

Essa ferrovia era a única ligação em bitola métrica com o estado de Minas Gerais. Infelizmente alguns “gênios” responsáveis pelo setor aparentemente se esqueceram disso e sem qualquer visão de longo prazo permitiram que a ferrovia acabasse. Posteriormente a VLI logística, concessionária responsável pelo trecho e com o transporte focado em graneis, não viu na ferrovia perspectivas para o seu negócio e simplesmente a abandonou. Se o foco fosse outro a ferrovia poderia ter continuado a funcionar de forma lucrativa.


: : Hoje esses trechos estão paralisados e abandonados : :


Mas como transformar a linha, erradicada em vários pontos, em uma Short-Line lucrativa e reativar todo o trecho? Aí entra mais um projeto e solução AFTR: A Ferrovia Centro-Sul Fluminense

A AFTR vê a ferrovia como um negócio, um negócio indutor de progresso e desenvolvimento para a região por onde ela passa. Sendo assim apresentamos uma série de propostas para o retorno dessa ferrovia, sempre considerando ser um negócio tecnicamente perfeito e economicamente viável. Abaixo apresentamos propostas em bases modernas para a reconstrução dessa ferrovia, inclusive com novos traçados em alguns trechos.

Mapa esquemático mostrando o traçado do projeto Ferrovia Centro-Sul Fluminense
Arte: Eduardo (‘Dado’)

Como é uma ferrovia em um primeiro momento limitada ao Estado do Rio de Janeiro, seria uma concessão estadual ligando Japeri a Três Rios e com um Ramal ligando Governador Portela a Valença. Futuramente poderá alcançar a região Sul de Minas Gerais.

Raro postal mostrando um trem da EF Melhoramentos na altura de Francisco Fragoso, em Miguel Pereira.
Este trecho seguia em direção a Governador Portela, e daí podendo alcançar Vassouras, Valença, Três Rios e Minas Gerais
Foto: acervo pessoal de Benício Guimarães ® AENFER/AFPF

Fazendo uma análise básica da população da região por onde passa a ferrovia os dados apresentados não estimulariam um evento dessa magnitude.

Município População
Miguel Pereira 24.642
Paraíba do Sul 41.084
Paty do Alferes 26.359
Três Rios 77.432
Valença 71.843
Vassouras 34.410
Total 275.770

Contudo apresentaremos a seguir algumas considerações as quais acreditamos tornar o projeto viável.

1ª Consideração: Transporte de carga de maior valor agregado.

A construção de Armazéns em Japeri suprirá essa ferrovia de produtos manufaturados para atender as cidades do estado do Rio de Janeiro por onde a ferrovia passa. Também poderá atender as cidades de Minas Gerais por onde passam ferrovias hoje abandonadas e que se conectariam à Ferrovia Centro Sul Fluminense, em Três Rios, e vice-versa, mudando todo o conceito de logística da região.

Pátio da estação de Japeri no ano de 1926
Fonte: Livro Baixada Fluminense – Memória Fotográfica

Reafirmando: Esse atendimento da ferrovia, não fica limitado às cidades do Rio de Janeiro, mas abrange cidades da Zona da Mata Mineira, região com 2 milhões de habitantes segundo informações de 2010 do IBGE. Isso poderia incentivar e viabilizar a reconstrução de ramais extintos em Minas Gerais, como nas cidades de Ubá, Carangola, entre outras, que com o conceito da Ferrovia Centro-Sul Fluminense se tornariam viáveis.

Em relação a segurança devemos lembrar que é muito mais seguro transportar produtos de elevado valor agregado por ferrovia do que por caminhões. Remédios, Bebidas, Laticínios, Material de construção… TUDO o que hoje sobe a serra de caminhão pode subir com maior segurança e rapidez pela ferrovia.

Na sinuosa e perigosa RJ-125 o tráfego de veículos subindo e descendo a serra é constante. Não é incomum nos depararmos com essa cena, onde veículos de grande porte podem colidir frontalmente a qualquer momento.
Esta imagem foi extraída de um vídeo que foi gravado, pelo presidente da AFTR de dentro do ônibus, durante a subida da serra com destino a uma expedição realizada em 2015. Na ocasião o caminhão-tanque descia em alta velocidade, “cantando pneu”, e o motorista do ônibus desviou a tempo.
Fotograma: Eduardo (‘Dado’), de vídeo gravado em 2015 (veja aqui)

Para esse tipo de carga o uso de composições com locomotivas de baixa potência, como citado anteriormente nos projetos da AFTR, torna o negócio atrativo.

2ª Consideração: Ligação com o estado de Minas Gerais.

Em vários de nossos artigos, e em uma série especifica, abordamos a Guerra das Bitolas e o quanto essa guerra prejudicou as ferrovias no estado de Minas Gerais. Abordamos também em outra série de artigos o Estilo Leopoldina de Ser e o quanto o uso de locomotivas de menor potência transportando cargas de maior valor agregado poderia ser um filão lucrativo para as Short-Line. Se você não viu, não perca, leia:

O Estilo Leopoldina de ser – Parte 01

O Estilo Leopoldina de ser – Parte 02

Porto de Itaguaí, um dos principais polos de exportação de Minério do país.
Fonte: Prefeitura de Itaguaí

A recuperação dessa ferrovia com, eventualmente, a construção de um ramal em paralelo ao da MRS chegando ao porto de Itaguaí pode ser ponto de escoamento para produção de produtos oriundos de Minas Gerais, como produtos manufaturados e graneis.

Algo obviamente a ser negociado, tendo em vista a MRS ser dona da faixa de domínio.

3ª Consideração: Transporte de Graneis.

A região da zona da mata mineira tem em Cataguazes, no Distrito de Barão de Camargo, uma mina de bauxita.

Foto: Projeto Colabora

Considerando o peso específico da bauxita em torno de 2,5 e do Minério de ferro em torno de 7,0 provavelmente não seriam necessárias que linhas nessa ferrovia tenham como as da MRS capacidade de carga de 30 toneladas por eixo, ou seja, teria um custo de construção próximo a R$500.000,00 por km, bem menor que o custo de construção de linhas para transporte de graneis, como o minério de ferro.

4ª Consideração: Transporte de lixo.

        Se existe um setor em que o Brasil ainda está parado sem nenhuma evolução significativa é o de tratamento de resíduos sólidos. Enquanto países como Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e Japão (que a equipe da AFTR conheça, na Europa devem existir outros) transformam seu lixo em energia elétrica queimando-o e reciclando-o adequadamente, no Brasil ainda estamos na fase do lixão – mesmo com todos os riscos que isso acarreta – ou de aterros sanitários controlados.

Trem da CSX Transportation transportando lixo em Trenton, New Jersey (EUA)
Fonte: Youtube

Podemos como exemplo citar o lixo domiciliar recolhido no município do Rio de Janeiro que é transferido para centrais e despachado para o aterro sanitário em Seropédica, fazendo um passeio diário de mais de 80 Km de ida e volta. Multiplicado pelo número de caminhões vemos o custo diário disso, mas para nada, para enterrar o lixo em um aterro Sanitário, não gerando nenhum tipo de benefício ou retorno para a população.

Essa situação se repete nos municípios a serem servidos pela Ferrovia Centro-Sul Fluminense.

Aterro Sanitário de Seropédica
Foto: Brasil Mineral

A construção, nos municípios atendidos pela ferrovia, de terminais de recepção de lixo com seu posterior transporte para usinas de geração de energia elétrica, possibilita incentivar a construção de linhas em local próximo a uma dessas usinas de uma fábrica de processamento de Bauxita, onde a energia elétrica tem grande participação no custo de produção do alumínio, aumentando ainda mais a utilização da ferrovia.

Abaixo um vídeo da empresa Espanhola Eco hispânica, disposta a investir no Brasil na construção dessas usinas, precisando apenas de legislação que garanta seu investimento.

Observem o ciclo:

  • Transporte de lixo para usinas de geração de energia elétrica
  • Transporte de bauxita para fabricas que vão transformar a bauxita em lingotes de alumínio
  • Transporte do lingote de alumínio para empresas onde será processado.

Alguém conseguem mensurar a quantidade de empregos gerados e de investimentos de que estamos falando? E não apenas isso, mas também o uso pleno da ferrovia ! Apenas com a recuperação de forma planejada de uma ferrovia atualmente abandonada e sucateada?

A antiga Valesul Alumínio em Santa Cruz no Município do Rio de Janeiro paralisou suas atividades devido ao custo estratosférico de energia elétrica, que no Rio de Janeiro é o maior do Brasil. Essa usina de energia elétrica produzida a partir do lixo pode viabilizar a construção próximo a ela de uma série de indústrias!

O que impede um governo sério de incentivar a construção de uma empresa como essa de processamento de bauxita, próximo a uma empresa termoelétrica com energia gerada a partir do lixo?

5ª Consideração: Cabos de Fibra Ótica.

No início do século as ferrovias ganhavam dinheiro entre outras formas com a cessão de sua faixa de domínio para a passagem de postes e cabos telegráficos.

Nessa nova Ferrovia, no subsolo da sua faixa de domínio, poderia ser instalados cabos de fibra ótica, cabos telefônicos, cabos de TV e outros cabos de comunicação, o que melhoraria bastante o acesso à Internet e aos canais de voz e comunicação das localidades por onde ela passará.

Foto: HNA

Não perca a segunda parte desse artigo onde estamos apresentando mais que um projeto, mas uma solução que atende diversos aspectos do estado do Rio de Janeiro, como mobilidade, economia, empregos e muito mais !

 

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Agradecemos a leitura. Até a próxima !

(A opinião constante deste artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo, necessariamente ou totalmente, a posição e opinião da Associação)
– Agradecimentos a Thiago Costa, que indicou uma correção na legenda da foto do trem subindo a serra em Conrado Niemeyer –

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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