Tempo de leitura: 11 minutos

Por Mozart Rosa
Por Eduardo (‘Dado’)

Projetos inadequados e suas aplicações equivocadas 4: O Metrô de Macaé

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Antes de darmos prosseguimento a essa série falando sobre projetos equivocados ou inadequados, cabe fazermos uma introdução, com algumas informações importantes: a AFTR não tem a pretensão de vitimizar, inocentar ou justificar ações de nenhum político envolvido em projetos fracassados da área de mobilidade. Seja esse fracasso oriundo do desvio de verba, incompetência na elaboração, ou na conclusão do projeto.

: : Não existem santos na política : :

O que a AFTR pretende é trazer para os holofotes todos os responsáveis que participaram e apoiaram tais projetos e muitas vezes os idealizaram. Além disso estes mesmos profissionais muitas vezes tiveram responsabilidade considerável pelo fracasso dos projetos. Artigos anteriores dessa serie têm mostrado isso.

Passagem de Nível em Macaé, com sinalização deficiente e praticamente inexistente,
às vésperas da improvável inauguração do Metrô na cidade.
Foto: Eduardo (‘Dado’)

Quem não sabe como as coisas funcionam dentro do serviço público não sabe que existe toda uma estrutura de apoio, formada por técnicos pretensamente qualificados, que possibilita que as coisas aconteçam. Mas quando as coisas dão errado e o nome do político envolvido fica na berlinda, essa turma copartícipe do equívoco desaparece. Projetos não surgem a partir de uma cartinha para o Papai Noel, eles precisam que técnicos os elaborem, mesmo que a pedido de um político despreparado. E como normalmente as pessoas usam a própria régua para medir os outros, a tendência é que esse político se cerque de gente despreparada como ele.

Visão geral do trecho de operação planejado para o Metrô de Macaé
Traçado feito por Eduardo (‘Dado’) baseado no Google Earth

Existe aí outro lado da questão a ser abordado: prefeituras pequenas não costumam ter um corpo técnico qualificado para o setor de mobilidade. Não se encontram pessoas assim caindo em árvores, daí os prefeitos procuram auxílio externo e é aí que mora o perigo. O Governo Estadual, como já visto, não tem ou tem pouca gente qualificada no setor, e usa o serviço de consultorias. E então as coisas que não deveriam ocorrer começam a acontecer. Existem técnicos capacitados ? Sim, mas infelizmente diversos fatores levam à contratação de equipes que por vezes acabam desvirtuando a realidade.

Leiam e entendam.

Seguimos dando continuidade aos textos anteriores que já mostraram bastante como as coisas funcionam.

Foto feita da subida do Morro de Sant’Anna com a vista da estação ferroviária de Macaé e o VLT estacionado junto à plataforma.
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

O que aconteceu?

Para entender o que houve primeiro contaremos uma história: a Estrada de Ferro Sorocabana (em São Paulo) possuía uma linha que adentrava ao município de Santos cortando-o pela metade construída no início do século. Na década de 60 a Sorocabana resolve construir um novo acesso ao Porto de Santos que deixou essa linha sem uso. Por volta de 2012 a EMTU, empresa estatal paulista responsável por projetos de mobilidade correspondente à nossa Central Logística (pelo menos na função, não nos atos) resolve construir um VLT usando esse traçado.

Para isso:

  • Foi feito um estudo de demanda;
  • Um estudo da forma de bilhetagem;
  • Um estudo para reforma e reuso de estações bem como de construção de novas estações;
  • Um ETVE Estudo de viabilidade técnico econômica;
  • Um projeto conceitual;
  • Um projeto executivo;
  • Um plano viário para definir como ficariam as interações físicas dos veículos e do VLT, que no caso de Santos ficou a cargo da prefeitura;
  • Desenvolvimento de manuais de operação, para treinamento de equipes de operação, de bilhetagem e de manutenção.

VLT de Santos
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2018

Foi feito um enorme projeto dividido em 3 partes beneficiando além de Santos outros municípios da Baixada Santista. O resultado final foi a implantação de um sistema funcional cuja fase 1 já implantada, transporta hoje em torno de 90.000 passageiros por dia, e cuja fase 2  não se iniciou em 2018 em função da lei eleitoral que impediu o início das obras na gestão do governador Geraldo Alckmin. O atual governador João Doria, alegando questões orçamentárias, ainda não liberou recursos para início das obras. Mas o projeto já está pronto, o sistema atualmente concluído e em uso é extremamente funcional, atendendo muito bem a população local.

VLT de Santos
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2018

O VLT de Santos tem uma operação diferenciada do VLT Carioca: enquanto o nosso tem baixa velocidade média e seu objetivo é integrar modais, atendendo pequenos deslocamentos pelo centro da cidade; em Santos o VLT funciona como transporte de massa, tendo inclusive veículos maiores que os do VLT Carioca.

: : Um não é melhor que o outro, são propostas diferentes : :

E o que aconteceu em Macaé? Nada ! O metrô de Macaé se resumiu a compra de 2 VLTs a Diesel da Bom Sinal e que nunca operaram. (Nada contra a Bom Sinal: são equipamentos de qualidade que poderiam bem servir a cidade). Não foi feito mais nada, bem diferente do que foi feito em Santos, perceberam? Demanda, ETVE, Projeto executivo, termos de referência … NADA. Tudo se limitou a um teste de linha na única vez em que um dos veículos funcionou.

Outdoor próximo a estação ferroviária de Macaé
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

Quem gerenciou esse projeto por contrato com a prefeitura de Macaé, que na ocasião não tinha corpo técnico qualificado para a tarefa, foi a CENTRAL Logística. A empresa estadual de planejamento logístico que o atual governo manteve em seu portfólio de empresas sem depurar os seus quadros, quadros esses compostos de egressos da RFFSA ou CBTU. Talvez isso explique muita coisa: do grupo egresso da RFFSA aqueles com visão empresarial foram aproveitados pelo mercado e muitos estão aí até hoje, alguns com cargos elevados em empresas do setor ferroviário. Os outros, sem uma visão nesse sentido, estão ainda ativos no serviço público fazendo coisas como o Metrô de Macaé.

Cruzamento de várias vias rodoviárias com a ferrovia, no local conhecido por Cancela Preta.
Intervenções profundas eram necessárias nesse trecho para aumentar a segurança, mas nada foi feito até hoje
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

Até que ponto o prefeito teve responsabilidade nisso não sabemos, mas aparentemente foi ludibriado em algum sentido. Em Macaé, junto à população local, as versões para o fracasso são diversas. Cada um tem a sua, mas objetivamente ninguém conhece a real história. Basta procurar os documentos citados por nós, que nenhum será encontrado.

Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

Entretanto a maioria das informações acima pode ser corroborada pelos próprios moradores de Macaé.

  • Alguém na ocasião viu alguma obra na linha?
  • Alguém na ocasião viu alguma obra em alguma estação?
  • Alguém na ocasião soube de algum processo de contratação e de treinamento de funcionários?

Já postamos aqui. Ferrovia não é assunto para amadores, e lamentavelmente é o que mais tem, querendo participar do setor.

Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

Segue abaixo uma pequena narrativa do atual presidente da AFTR, durante o período pré-inauguração do projeto, que como todos sabem acabou não ocorrendo:

Durante vários meses entre 2010 e 2013 estive pela região Norte-Fluminense do estado do Rio de Janeiro visitando familiares e também participando de cursos voltados à área Offshore. Como a maior parte da minha família paterna reside na cidade de Quissamã, Macaé e Carapebus eram sempre locais de passagem ou baldeação nas minhas viagens. E assim fiquei bastante empolgado quando soube do projeto “Metrô de Macaé”, com o uso de VLTs de fabricação nacional, que são eficientes e inclusive utilizados em algumas cidades do Nordeste.

VLT na estação Ribeira em Natal-RN
Foto: Wikipedia

Cada vez que eu me deslocava da capital do estado para Macaé ou Quissamã eu aproveitava para passar pela estação e registrar detalhes, tanto da via como da estação e, posteriormente, dos veículos estacionados. Admirava a pintura e a própria construção do veículo, robusto e aparentemente bem feito. Só que o tempo foi passando, passando e era só isso que eu via de diferente na cidade. As Passagens de Nível (PNs) continuavam mal sinalizadas e mal conservadas, a via estava mantida apenas no sentido de mato removido e alguns dormentes renovados, nenhuma estação construída e a própria estação de Macaé não sendo preparada para receber passageiros e o tráfego de veículos, a estrutura necessária estava totalmente deficiente, ou seja, não existia !

PN em Macaé
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

Eu estava muito desconfiado de tudo, mas via a todo momento promessas e mais promessas de que o projeto estava a todo vapor. Deram uma data para inauguração: 29 de julho de 2012. Aguardei ansiosamente pela data e, na semana anterior, decidi telefonar para algum órgão da prefeitura a fim de obter informações, antes de eu comprar a passagem de ônibus no dia marcado para a inauguração. Me foi informado que nada aconteceria, o projeto havia sido interrompido.
O que aconteceu ?
Porque nada ocorreu ?
Quem foi o (ir)responsável por isso ?

Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

A meu ver a elaboração do projeto foi totalmente equivocada. Errada mesmo. Foram comprados dois veículos, duas composições, mas não foi pensado nem feito nada em relação a linha, aos trilhos, a toda estrutura para receber os veículos, para que eles operassem. Pior que isso seria comprar os VLTs e não ter sequer trilhos. O prefeito adotou uma ideia de maneira errada, procurou especialistas (palavra hoje vista de maneira pejorativa) que pouco ou nada fizeram de correto, confiou o projeto às pessoas erradas e não procurou uma solução para o problema, preferindo deixar que o próximo administrador resolvesse. Um prejuízo e transtorno para a coletividade.
Mais ou menos no mesmo período o sistema de transporte coletivo (por ônibus) foi racionalizado e unificado na cidade, com redução da tarifa, sendo esta subsidiada pela prefeitura.
Porque isso não foi feito em relação ao sistema sobre trilhos
?

 

Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

Porque o empresariado não foi procurado para operar os VLTs ? Porque no Plano Logístico do município ficou acertado que os transportes sobre trilhos seriam operados e administrados exclusivamente pelo poder público ? Não defendo cegamente os empresários, apesar de saber que é bem difícil administrar uma empresa no país, mas sei  também que, assim como a classe política, tem muita coisa errada e pessoas indignas no meio empresarial, onde obviamente o objetivo principal é o lucro, já que é o objetivo, razão de ser e a sobrevivência dos mesmos, mas às vezes este lucro é buscado a qualquer custo. Entretanto, com o poder público falido quase que como um lugar comum no Brasil, porque não se tentar essa opção ao invés de depender apenas do Governo ?

Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

Hoje todas as vezes que passo pelas rodovias que ligam a região metropolitana à região Norte-Fluminense vendo os trilhos abandonados, silenciosos e inoperantes ao lado do asfalto, fico sem entender a visão (ou a falta de visão) em relação a isso”.

Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

: : Os veículos ainda estão estacionados junto a estação de Macaé, sem destino : :

 

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Agradecemos a leitura. Até a próxima !

(A opinião constante deste artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo, necessariamente ou totalmente, a posição e opinião da Associação)

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

3 thoughts on “Projetos inadequados e suas aplicações equivocadas 4 – Metrô de Macaé

  1. Vamos usar as palavras de forma correta. “Avaliação sobre a demanda de uso do trecho”. Isso foi feito pela prefeitura de Macaé e é algo simples de ser feito, os outros estudos necessários que deveriam ficar a cargo da Central Logística é que não foram feitos a contento. O projeto é viável e deve ser retomado, mas com um nível de profissionalismo e competência que não acreditamos existir na Central Logística.

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