Com parte das informações do Jornal O Globo
Artigo publicado em 05/05/2023 às 11:55
Última atualização em 26/04/2023 às 04:39
LINHA 388: A VIAGEM
Recentemente, em matéria publicada pelo Jornal “O Globo”, ganhou destaque o suplício que muitos usuários de transporte público passam para se deslocar entre suas residências e o trabalho, no trajeto feito de ônibus entre o bairro de Santa Cruz, na zona oeste, e o Centro do município do Rio de Janeiro.
O artigo discorre sobre o itinerário mais longo dos ônibus urbanos da cidade do Rio de Janeiro, a linha 388, que percorre 140 km desde o conjunto Cesarão, em Santa Cruz, até a Igreja da Candelária, no Centro. Passageiros, como Iraci Cardeal, uma cuidadora de idosos de 58 anos, relatam que a viagem pode durar até quatro horas, ilustrando a situação precária do transporte público na cidade.

O Rio ocupa o quarto lugar em maior deslocamento diário entre as cem metrópoles estudadas no Relatório Global sobre Transporte Público, divulgado pela plataforma Moovit, perdendo apenas para Istambul, Cidade do México e Bogotá. A pesquisa revelou ainda que os cariocas gastam em média 67 minutos por deslocamento, mas para os usuários da linha 388, que enfrentam muito mais tempo dentro dos ônibus, são necessários cuidados especiais, como se preparar para o longo trajeto sem ar-condicionado, fazer jejum para adiar a ida ao banheiro e chegar com antecedência para garantir um lugar sentado.
JORNALISTAS FLAGRAM E VIVENCIAM PROBLEMAS
A equipe jornalística embarcou em uma dessas viagens, que deixou o ponto final em Santa Cruz às 6h30 e chegou ao Centro às 9h47, isso porque não houve muita retenção no trânsito. No entanto, os passageiros, como Carla Fernando, de 24 anos, que mora em Santa Cruz e trabalha no Centro, ressaltam que a viagem é exaustiva e demorada, normalmente chegando a 4 horas de duração corroborando a informação citada anteriormente, afetando a qualidade de vida e a produtividade no trabalho de todos os usuários dessa linha.

Além disso, o veículo em que a equipe do jornal embarcou apresentou diversas deficiências, como balaústres soltos, botões de desembarque faltando, bancos rasgados e ar-condicionado inoperante, além de pichações e um buraco no chão, o que revela a precariedade do serviço oferecido aos usuários.
PROFISSIONAIS TAMBÉM SOFREM
E se para os passageiros o sufoco é enorme, para quem conduz os veículos a situação não é melhor. Motoristas que trabalham na linha urbana mais longa da cidade enfrentam diversas dificuldades, incluindo excesso de horas extras que podem chegar a mais de 12 horas de trabalho por dia e falta de banheiro. Um motorista entrevistado, que preferiu não se identificar, afirmou que trabalhou por mais de 11 horas seguidas em um dia da semana. A psicóloga Bruna Corradini ressalta que o tempo de deslocamento pode ter um impacto negativo na saúde mental dos motoristas, que precisam estar atentos ao trânsito, preocupados com a violência urbana e pensando nas demais atividades que precisam realizar.

De acordo com dados da Secretaria Municipal de Transportes (SMTR), a linha 388 é a mais longa da cidade, com cerca de 140 quilômetros de ida e volta. Logo atrás dela, estão outras linhas que percorrem grandes distâncias, como a LECD 46 (Sepetiba – Coelho Neto), que roda 112 quilômetros; a Integrada 8 (Rio Sul – Piabas) e a 361 (Recreio – Castelo), que percorrem 109 quilômetros cada uma; e a 397 (Campo Grande – Candelária), que faz 104 quilômetros. Esses dados evidenciam que muitos motoristas enfrentam grandes desafios diariamente para realizar seus trabalhos.
COMO A SITUAÇÃO PODERIA MUDAR?
Vários aspectos urgem em serem ajustados para que viagens como as citadas na reportagem sejam algo do passado. A maioria das pessoas que se deslocam diariamente por muitos quilômetros e horas dentro de ônibus desconfortáveis, enfrentando congestionamentos e diversos outros incômodos, são trabalhadoras ou estudantes que, por falta de oportunidades próximas de suas residências, não tem outra alternativa. Uma primeira mudança seria o incentivo e impulsionamento de oportunidades de emprego e estudo nas regiões mais distantes do Centro da Cidade, como alguns bairros da zona oeste e norte do Rio de Janeiro, por exemplo. Mas mesmo que esta opção não seja factível a curto prazo, outro fator poderia ajudar a resolver boa parte desta questão.

Santa Cruz, bairro exemplificado na matéria, possui uma estação e terminal ferroviário, dos trens que vem da estação Dom Pedro II/Central do Brasil, cruzando bairros como Paciência, Campo Grande, Bangu, e vários outros da zona oeste e norte. Em um modelo ideal de deslocamento e atendimento por transporte público, os ônibus deveriam funcionar como alimentadores dos sistemas de alta capacidade, no caso os trens da Supervia e do Metrô. Entretanto e historicamente isso não ocorre, e podemos citar o caso do BRT: em breve será inaugurado pela prefeitura o corredor TransBrasil, com ônibus articulados percorrendo a Avenida Brasil entre os bairros de Deodoro e São Cristóvão. Esta obra está atrasada há anos, mas parece que “agora vai”, e curiosamente parece ser um meio de transporte “concorrente” dos trens e metrô, já que praticamente não haverá integração física com estes modais sobre trilhos, algo que é padrão e ocorre em outras cidades do país, como em São Paulo-SP por exemplo.

Apesar de corredores de ônibus não serem sistemas de grande capacidade, o relativo baixo custo (aquele típico “barato que sai caro”) e curto tempo de implantação, apesar do grande atraso neste caso do TransBrasil, são os principais incentivadores a se adotar este sistema. Por outro lado, os sistemas de grande capacidade (trens e metrô) podem levam mais tempo e custar mais para serem implantados, mas possibilitam maior quantidade de passageiros transportados, menor custo de manutenção a médio e longo prazo do que os ônibus, dentre muitas outras vantagens.

Enquanto essa mentalidade não muda, mostrando que é muito mais vantajoso para todos o investimento em sistemas ferroviários e metroviários, os passageiros dos ônibus e habitantes do Rio de Janeiro, em geral, continuarão a sofrer com a piora na qualidade de vida, prejuízos materiais e econômicos, maior poluição e muitos outros efeitos colaterais que a adoção em massa de transporte sobre pneus acarreta.
NÃO APENAS OS TRENS SÃO A SOLUÇÃO
Contudo, e mesmo sendo uma solução para diversas situações, não só os trens e o metrô conseguiriam atualmente resolver diversos problemas no deslocamento entre bairros e regiões da cidade, e mesmo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Sem falar das ofertas de trabalho e estudo que deveriam ser incentivadas e oferecidas em diversas regiões mais distantes dos polos regionais do Estado, como dito anteriormente neste artigo, os próprios meios de transportes sobre trilhos poderiam oferecer mais e melhores condições de deslocamento, mas sofrem com problemas internos e externos.

Trens da Supervia, principalmente, poderiam ser uma opção que conduzisse os passageiros entre os extremos de várias de suas linhas em pouco mais de uma hora! Todavia sofrem paralisações e interrupções no tráfego com frequência, além de não ter intervalos reduzidos. Furto de materiais e equipamentos de sinalização, violência e insegurança pública, travessias irregulares nos trilhos e diversos outros fatores tem prejudicado o funcionamento dos trens da concessionária. O metrô não sofre tantas interferências como os trens, seja por ter via segregada e isolada por muros ou túneis, quanto por não atravessar diretamente regiões que possuam questões de insegurança pública. Mas infelizmente o metrô não fica 100% ileso: troca de tiros em algumas regiões (situações em que raramente o serviço é paralisado, mas já ocorreu) e casos de acesso indevido, segundo a terminologia corrente, tem ocorrido com mais frequência do que há anos atrás. Mesmo assim o sistema tenta manter o bom funcionamento e regularidade da operação, com frota operante que reúne composições com menos de 20 anos e outras com mais de 40.

Investimentos no sistema de transporte sobre trilhos são primordiais e necessários: a expansão da linha ferroviária entre Santa Cruz e Itaguaí, a conclusão da estação Gávea do Metrô – Linha 4, a melhoria nos sistemas de bitola métrica para Vila Inhomirim e Magé/Guapimirim, a expansão do VLT e até mesmo do Bonde de Santa Teresa são algumas das medidas que ajudariam a solucionar parte das questões envolvidas. Mas é preciso mais, é necessária uma ação conjunta entre entes federativos das diversas esferas, tanto na área de transporte como em outras secretarias. Dialogando e coordenando as ações entre todas, possibilitará que os projetos possam vir a sair do campo dos sonhos e ideias: uma época em que o deslocamento feito da maneira mais eficiente, rápida e confortável ligando as diversas regiões e bairros da cidade e do seu entorno, trazendo benefícios para a população em geral, seja e se torne uma realidade.
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Foto de capa: Youtube Busólogo do RJ
O teor deste texto pode ou não, parcialmente ou totalmente, expressar a opinião da instituição, sendo de responsabilidade do autor
Esse ponto do transbordo é crucial, pensar o sistema de forma racionalizada é fundamental para o funcionamento da metrópole. Como vc menciona, SP tem uma lógica totalmente integrada. A metrópole conta com 33 terminais – a maioria com infraestrutura adequada para a baldeação – alguns até sendo concedidos para a iniciativa privada. Em Salvador, o metrô recebe quase que a mesma quantidade de passageiros do que o Rio por conta das diversas linhas de ônibus que alimentam o sistema. Em Recife, apesar da péssima qualidade do metrô, que ainda é federal, a lógica de integração é a mesma – com vários terminais espalhados pela metrópole. Curitiba, BH além de diversas cidades médias do país fazem bem esse papel. Aqui no Rio, baldeação virou tabu entre os governos e a população – muito pela concorrência entre linhas e modais. Preferem horas de congestionamento porque ainda fantasiam que vão trocar de ônibus na chuva, como exemplo. Em sua segunda gestão, Paes até tentou racionalizar algumas linhas que passam pela ZS, mas sem a menor infraestrutura, em que muitas das vezes os ônibus param fora da baia e do ponto. Mas uma integração de maneira adequada, com segurança e conforto, é comprovada que se ganha agilidade. O BRT do Rio até conta com bons exemplos de integração ônibus-BRT, mas falta essa lógica na esfera metropolitana. Já a Transbrasil, que como vc comenta já nasce sem a menor integração entre os modais (apenas com ônibus), vai ainda estourar a fluidez da metrópole ao remover 02 faixas de cada sentido da Av. Brasil. Por outro lado, já que é para baldear, vão fazer uma integração forçada onde dezenas de ônibus vão jorrar passageiros no VLT, pondo fim a sua qualidade. Ou seja, falta bom senso e planejamento. Pior ainda na esfera estadual, onde somos representados por um secretário que desconhece o assunto – ao invés de assumir a responsabilidade pela falta de fiscalização nos trens que era, culpa a Supervia que já faz papel do estado. Ou ainda promete uma malha futura sem o menor estudo técnico ou de viabilidade – copiando ainda de grupo de discussões urbanas. Além de vários exemplos em que a prefeitura da capital assume o papel do estado com a Guarda Municipal, já que segurança nos transportes não é prioridade alguma para o governo. Vamos torcer para que a baldeação de fato se consolide com qualidade e, mesmo que tardiamente, se insira no imaginário do carioca.