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Por Mozart Rosa

Tempo de leitura: 11 minutos

Uma das grandes lendas ditas por quem defende o transporte ferroviário de passageiros é que ele tenha sido sabotado por empresários de ônibus. Salvo exceções, já explicamos inúmeras vezes que o transporte ferroviário regional de passageiros acabou principalmente por ser deficitário, infelizmente é simples assim, acreditem.

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Trem Série 400 Fase II em serviço normal, apesar dos danos e aparência. Fonte: Trens Fluminenses

As chances são enormes de que pessoas defensoras do setor, e que defendam a volta do trem de passageiros, não tenham lido os balanços da RFFSA da época, são documentos que mostram isso de forma nítida e, portanto ao não lerem e não conhecerem, não entendem os motivos reais desse desestimulo ao uso dos trens para transporte regional de passageiros.

 

Qual o motivo desse prejuízo?

 

Para entender tudo isso devemos lembrar também do decreto 58.341 de 03 de maio de 1966, que determina a erradicação de ferrovias e ramais antieconômicos, e sua programação, assinado pelo presidente da época: Castelo Branco.

Além disso, voltando mais na história, devemos lembrar também que quando Irineu Evangelista de Souza construiu a Estrada de Ferro Mauá em 1854, esta deu início às suas atividades como uma ferrovia mista transportando cargas e passageiros, sendo bastante lucrativa, como uma short-line da época.

 

Qual o motivo desse lucro?

 

Sendo assim, baseados em fatos e não em lendas, vamos explicar e relembrar o que já foi dito aqui no site em várias ocasiões: o porquê do setor não deslanchar.

Acompanhem abaixo o texto completo, ou navegue pelo índice a seguir.

Desejamos a todos uma boa leitura!

 

 

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1) Uso de máquinas com elevada potência

Todo aquele que defende para o transporte de passageiros, atualmente, o uso de máquinas a diesel como as usadas pela RFFSA, tende a fracassar em seu projeto, por conta do consumo elevado de diesel dessas locomotivas. As antigas locomotivas a vapor adotadas no Brasil, por conta da ausência ou uso não compensatório de carvão mineral, eram alimentadas por madeira, com um custo de combustível muito baixo. Vem daí o lucro das empresas que operavam máquinas a vapor no transporte de passageiros, isso, além da liberdade tarifaria.

Locomotiva potente da MRS, que normalmente traciona dezenas de vagões pesados de carga, fazendo um teste com o Trem-Barrinha. Fonte: Trem da Serra do Rio de Janeiro

Ao mudar para tração a diesel, já na gestão da RFFSA, optou-se por padronizar a frota em locomotivas adequadas À tração de comboios de minérios e grandes cargas. Portanto, eram locomotivas de grande potência, e consequentes grandes motores, da ordem de 1200 HP ou mais. As potencias das locomotivas a vapor eram da ordem de 350 HP. Isso inviabilizou o transporte de passageiros que, por exigência de Vargas, já operava em déficit com tarifas congeladas, episódio não contado e desconhecido pela maioria. Isso inclusive ajudou a dizimar o sistema de bondes no Brasil: o congelamento das tarifas. A participação de Vargas na destruição de nosso sistema ferroviário é episódio desconhecido pela maioria, a ser explicado de forma minuciosa em outra ocasião.Posteriormente o Coronel Weber, que foi presidente da RFFSA, foi um dos que procurou acabar com o transporte de passageiros como forma de diminuir os prejuízos.

Foto: divulgação Marcopolo

Uma das melhores e praticamente única forma de se retomar o transporte de passageiros ferroviário no Brasil é usando os VLTs a diesel produzidos pela Marcopolo e pela Bom Sinal, com motores diesel de 440 HP de potência e cilindros montados em linha, adequados a este tipo de transporte.

Entretanto a propaganda feita pelos governos paulistas nos últimos anos para reativação de trens ligando São Paulo a Santos e São Paulo a Campinas é de certa forma ilusória, pois sempre aparecem composições baseadas nos modelos de composição operados pela RFFSA, aquelas locomotivas enormes, isso é inviável, e curiosamente aparece apenas em campanha eleitoral.

Reunião sobre o Trem Intercidades, na cidade de Artur Nogueira-SP. Fonte: O Regional

Vamos entender o seguinte: TODO projeto de transporte de passageiro regional por trilhos que preveja o uso de máquinas a diesel com potência elevada está fadado ao fracasso.

 

Por conta disso o custo das passagens para o serviço ser viável não é possível

 

Tendo o leitor a possibilidade de comprar um veículo para ser Uber o que o leitor preferiria, um MOBI da Fiat ou um Opala seis cilindros? Ambos vão transportar o mesmo número de passageiros, tem suas virtudes, mas o MOBI ou outro carro correlato terá um consumo bem menor, e, portanto um custo de operação também menor, certo?

 

2) Eletrificação de linhas

Estamos vivendo em um mundo onde se vê muito de fantasia e ilusão. A questão climática é uma delas, salvo algumas condições, muitas vezes os argumentos são exagerados. Por exemplo: o uso de combustível fóssil vai destruir a camada de Ozônio, portanto se faz necessário eletrificar linhas ferroviárias.

Quem defende essas bandeiras normalmente nunca na vida operou um sistema ferroviário. No caso da tração a diesel ou elétrica, um trem cargueiro movido a diesel, um combustível fóssil, consome e polui muito menos que a mesma quantidade de caminhões que seria necessária para transportar a mesma quantidade de carga. Consequentemente um veículo ferroviário de passageiros, movido a diesel, consome muito menos do que a mesma quantidade de ônibus necessária para transportar a mesma quantidade de passageiros. Simples assim. Mesmo que haja ainda a poluição, ela é muito menor do que se transportasse sobre pneus, sendo assim, o transporte sobre trilhos é mais ecologicamente benéfico.

Fonte: ViaTrolebus

Eletrificar uma ferrovia pode funcionar de maneira mas satisfatória na Europa, onde existe enorme respeito às leis e defesa da propriedade. Infelizmente temos que ser realistas, e nem precisamos argumentar muito, basta ver as notícias diariamente: no Rio de Janeiro a Supervia, concessionária de transporte ferroviário metropolitano, tem o serviço constantemente paralisado por furto de cabos, portanto eletrificar uma ferrovia por aqui não seria viável, apesar de ser interessante. Se na região metropolitana, com acesso fácil de forças policias, isso não está funcionando a contento e citamos acima a Supervia como exemplo, imaginemos em locais ermos, afastados dos grandes centros, por onde os trens regionais passariam.

 

3) Alargamento de bitolas:

Temos especificamente em países como Japão e Escócia trens em bitola métrica trafegando a 100 km por hora. Isso por si só já justifica a pergunta: qual a necessidade de alargar bitolas?

O episódio da Guerra das Bitolas no Brasil, não devidamente estudado, gerou enorme prejuízo ao país. Em São Paulo um determinado governador promoveu o alargamento de bitolas de linhas da FEPASA, de forma desnecessária e custosa, e até hoje tem quem defenda isso, a ponto de termos lido em uma tese de mestrado que “O Brasil se tornou refém da bitola métrica”. Como assim?

 

4) Afastamento do Empresários do Setor Rodoviário:

Temos aí mais um motivo para o fracasso de ações no setor: onde estão tais empresários? Quem vai pagar a conta da implantação dos Trens de Passageiros? Quem vai operar? Empresário de ônibus sabe transportar gente, em ônibus, em trem, em disco voador, onde seja possível.

A ANP Trilhos, em um recente manifesto, nem os menciona

 

5) A Guerra das Bitolas:

Não se comenta nada sobre esse episódio, é como se nunca tivesse acontecido, mas as linhas da E.F. Leopoldina não recebiam investimentos por conta desse episódio, que também deve ser contado de forma detalhada em outra ocasião. A E.F. Príncipe do Grão-Pará, para Petrópolis, mesmo gerando lucro, foi extinta por não receber investimentos: basta ver que não existem fotos dessa ferrovia com locomotivas a diesel, apenas locomotivas a vapor e isso em plena década de 1960, quando a RFFSA já tinha padronizado suas locomotivas para diesel. O mesmo ocorreu com a E.F. Cantagalo, em que um determinado secretário de estado do Rio de Janeiro disse que foi extinta pela ausência de transporte de café oriunda da região, sendo desmentido pelo Sr. Ruy Barreto, antigo diretor da Associação Comercial do Rio de Janeiro e que fez a vida exportando café do sul de Minas pelo porto do Rio, transportando-o inclusive pela E.F. Cantagalo.

EF Cantagalo

Quem trabalhou ou viajou pela E.F. Leopoldina ao final da década de 1970, na linha ligando Campos ao Rio de Janeiro, pode atestar a situação precária em que essa linha funcionava, com vagões sujos, com vidros e bancos quebrados. Ali não existia investimento em manutenção. Isso também aconteceu na ligação Itaboraí a São Gonçalo e Niterói, um investimento qualquer que fosse não faria essa linha ser extinta como foi.

 

6) O Legado de Getúlio Vargas:

Uma das piores coisas que Getúlio Vargas nos legou foi sua paixão pelo estatismo como forma de exercício de poder, sua visão fascista de mundo, tudo pelo, e para o estado. Isso culminou com a criação da RFFSA e seu monopólio… o quanto de atraso isso legou ao setor.

Fonte: ALESP

Lembremos que no período da ditadura de Getúlio Vargas, as instituições mais capilares do Brasil eram a Igreja Católica, o Exército e as Ferrovias. No caso das ferrovias alcançavam mais de 870 municípios do Brasil. Mantê-las sob o domínio do Estado passou a ser uma política de governo.

Fonte: Sobre Trilhos (UOL)

Diversas empresas ferroviárias que estavam em situação ruim e foram devolvidas ao Estado, que poderiam ser novamente entregues ao empresariado, não o foram. Isso resultou na criação da RFFSA e do monopólio.

Trem na atualmente extinta linha entre Visconde de Itaboraí e Niterói. Fonte: Coleção Benício Guimarães/Acervo Trem de Dados e AF Trilhos do Rio

Tivemos inclusive casos de empresários dispostos a investir no setor e que não puderam por conta desse nefasto monopólio da RFFSA.

 

7) Brasil não tem a realidade Europeia ou Americana:

Um grande problema enfrentado para a implantação de trens regionais de passageiros no Brasil é querer importar soluções adotadas em países europeus ou nos Estados Unidos. Se alguém viaja para o exterior e quer aqui implantar soluções que viu naqueles países, normalmente está fadado ao fracasso. Criemos nossas próprias soluções, essa atitude de importar ideias tem atrapalhado e muito o reerguimento desse segmento do setor.

Ao impedir que empresas devolvidas ao estado fossem novamente transferidas ao empresariado, e ao criar a RFFSA e seu monopólio, tanto Getúlio Vargas como Juscelino Kubistchek conseguiram estagnar as ferrovias, impedindo o Brasil de desenvolver tecnologia e pulverizar e modernizar o setor. Esse é o problema que muitos preferem não ver

Temos aqui as soluções, ideias vindas de fora e implantadas na íntegra ou sem adaptação nunca funcionam.

Temos, portanto, sete bons motivos a serem estudados em profundidade, caso não o sejam estamos condenando o setor e quaisquer iniciativas que visem reativá-lo ao fracasso.

Precisamos entender a história, para não repetir os erros cometidos no passado.

E não está se fazendo isso…

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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