Abaixo transcrevemos uma matéria postada no site “Clube dos Aventureiros”, falando sobre uma caminhada no trecho entre Angra dos Reis e Lídice.
A ferrovia que liga(va) os dois locais era a Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), mais tarde Rede Mineira de Viação (RMV). Praticamente todo o percurso da caminhada descrita pelo site foi feito pelos trilhos da ferrovia.
Pouco depois que tivemos conhecimento deste texto, e o replicamos junto das imagens no fórum de debates da AFTR em abril de 2012, o site com a matéria saiu do ar. Sendo assim publicamos abaixo esse verdadeiro resgate de informações e registros históricos, de um trecho que atualmente encontra-se até mesmo sem trilhos, em várias partes.
Fonte: Clube dos Aventureiros
Entre as turbulentas metrópoles de São Paulo e do Rio de Janeiro, a Rio-Santos, revela bem mais que uma seqüência de praias e ilhas cobiçadas. Antes da serra se encontrar com o mar adentrando na região montanhosa entre Angra dos Reis e Lídice, encontraremos uma antiga linha férrea que ascende a serra lentamente em um longo ziguezague cruzando rios cristalinos e cachoeiras refrescantes em meio a exuberante Mata Atlântica. É nesse maravilhoso cenário que encontramos uma memorável e longa travessia, toda feita em cima de antigos trilhos, de quase 50 quilômetros ligando o recortado litoral de Angra dos Reis com o bucólico vilarejo de Lídice no alto da serra. Nesse lindo caminho seremos desafiados a transpor mais de uma dezena de estreitos túneis cuidadosamente esculpidos na rocha, e também a cruzar por muitas pontes, algumas bem altas e feitas apenas por dormentes, onde em cada passo é preciso prender a respiração, e também por majestosas pontes sustentadas por grandes pilares em formato de arco e tudo isso emoldurado por um luxuriante verde da densa mata.
Nessa travessia passaremos por lindos locais, um dois mais bonitos é Cachoeira da Fenda que é uma pequena queda d´água que escorre em uma perfeita fenda em um lindo paredão salpicado por muitas bromélias, desembocando praticamente em cima dos trilhos nos proporcionando um ótimo frescor quando nos molhamos nas suas refrescantes águas. Essa é só uma das muitas cachoeiras dessa travessia, pois a linha férrea cruza por muitas, algumas de fácil acesso como a da própria Fenda e também a do Chuveirinho, e outras com um acesso um pouco mais complicado como a cachoeira da décima terceira ponte onde também encontramos um ótimo poço para um banho. Outro ponto forte dessa travessia são os amplos visuais, pois passaremos por muitos mirantes, alguns virados para o litoral, com destaque para o mirante da Pedra do Frade e outros virados para os lindos paredões da serra que estamos ascendendo.
Essa ferrovia foi construída originalmente pela empresa ferroviária mineira chamada de “Estrada de Ferro Oeste de Minas”, com esse projeto da EFOM pretendia ligar o sul de Goiás a Angra dos Reis, passando por Barra Mansa. A estação de Lídice que originalmente era chamada de Capivary foi inaugurada em 1910, tendo sido ponta de linha até a inauguração da estação de Alto da Serra (1921), onze anos mais tarde. Depois teve seu nome alterado para Vila Parado, e somente nos anos 1940 passou a ter a denominação atual. A estação Jussaral que por sua vez foi inaugurada em 1925, tendo sido também ponta de linha até a inauguração da estação terminal em Angra dos Reis, três anos depois.
O tráfego de passageiros descendo e subindo a serra foi extinto entre 1979 e 1980, e somente em março de 1992 foi inaugurado um trem turístico ligando a escarpada serra ao recortado litoral, ou seja, da estação de Lídice até Angra dos Reis – o chamado Trem da Mata Atlântica que possuía todos os seus carros pintados de verde. Enquanto a RFFSA era a dona da linha, até 1996, eles funcionaram, mas com a entrada da concessionária FCA, eles foram desativados e a estrada de ferro passou a ter exclusivamente a circulação de trens de carga. Em dezembro de 2002, as fortes chuvas destruíram boa parte da cidade de Angra dos Reis e danificaram a linha, que ficou interrompida. Os cargueiros tiveram seu tráfego parado até o ano de 2005, quando a linha reparada voltou a funcionar, mas foi interrompida novamente com as chuvas no verão de 2010, permanecendo assim até hoje.
Altitude Máxima: 655 m (décimo quinto túnel).
Nível: Caminhada Pesada.
Duração: 2 dias (Ida).
Distância: 46.5 km (travessia).
Administração: INEA-RJ
Bioma: Floresta Atlântica
Carta Topográfica: Mangaratiba
Atração: Paisagem, banho de rio, cachoeira e aspéctos históricos.
Essa travessia pode ser feita nos dois sentidos, e como a subida é bem suave o desnível não interfere muito. Normalmente ela é feita subindo, mas tem muita gente que prefere fazê-la descendo, já que as maiorias das atrações estão mais perto do Alto da Serra, ou seja, no segundo dia da travessia de quem está subindo. O acampamento normalmente é feito na estação Jussaral, mas esse não é o meio do caminho, ou seja, o dia seguinte de quem começa de Angra vai ser bem mais puxado, mas na minha opinião é o melhor lugar para fazê-lo pois existem boas áreas para armar a barraca, possui água por perto e ainda tem uma bancada dentro de uma construção que serve para improvisarmos a cozinha do acampamento. Existem algumas outras áreas onde se é possível acampar após a estação, mas são bem poucas e são bem irregulares.
Saindo da Rodoviária, atravessamos a avenida principal e seguimos para a Av. Luigi de Amêndola passando ao lado do Hotel Acrópole. Seguimos essa avenida até o final, onde encontramos uma boa padaria para tomar nosso café da manhã. Após o café reforçado seguimos até o final da rua Prefeito Fausto Soares Moreira, que é praticamente a continuação da Av. Luigi de Amêndola, e fica a esquerda da padaria. No final da rua dobramos a direita e seguimos até quase o final onde viramos para a esquerda e depois a direita subindo uma inclinada ladeira que faz uma curva para esquerda. No final dessa ladeira já chegaremos na linha do trem, um pouquinho antes do primeiro túnel. Nesse local existe um pequeno cortiço em frente a linha férrea, seja educado e cordial.
Eu particularmente prefiro pegar a linha do trem nesse ponto, pois temos a comodidade de antes passar na padaria e ainda pegamos a linha férrea antes do primeiro túnel. Podemos pegar também a linha em um acesso que existe na BR101, mas normalmente quem pega nesse ponto, ou veio de carona, ou de carro próprio, mas esse acesso é após o primeiro túnel.
Nesse ponto começaremos a andar sobre a linha férrea, pulando de dormente para dormente e bem no comecinho a tendência é de ficarmos felizes, pois estamos fazendo essa travessia, dentre das muitas coisas, para andar sobre eles, mas esse sentimento vai mudar rápido e radicalmente, pois andar pulando de dormente para dormente é muito cansativo e para piorar não é possível encadear uma passada, pois não existe um padrão de distância entre eles, sem contar que se eles estiverem molhados é um escorregão na certa. Um ponto positivo de andar sobre os trilhos é que o desnível é muito suave, cerca de 10 graus, praticamente você não sente que está subindo e é por esse motivo que vamos ter que vencer um desnível de apenas 500 metros desde o litoral de Angra até Lídice em cerca de 50 quilômetros de distância.
Seguindo para a direita na linha do trem, em poucos minutos já chegaremos no primeiro túnel dessa travessia, esse túnel tem 182 metros de comprimento e é hora de pegar a lanterna, pois os túneis de mais de 100 metros se faz necessário o seu uso. Esse túnel, por está perto da cidade, é cheio de lixo e também é bastante úmido com os dormentes bem escorregadios, é preciso ter cuidado. Após sair do túnel passaremos em mais um ponto com alguns barracos a nossa esquerda e também por um acesso para a BR101 a nossa direita. Com 15 minutos após o primeiro túnel chegaremos na nossa primeira ponte, essa ponte é de concreto e passa por cima da BR101. Se você vier de carro, pode estacionar o carro perto desse ponto, e se vier de carona peça para saltar quando passar sobre essa ponte, pois desse ponto se tem um acesso bem fácil para os trilhos.
Logo após cruzar a nossa primeira ponte já sairemos do centro urbano de Angra, começando a andar em um descampado sempre sobre os trilhos, pulando de dormente para dormente. Em 15 minutos após a primeira ponte teremos o primeiro visual dessa travessia, nesse ponto é possível ver boa parte da cidade de Angra. Com mais 10 minutos de pernada chegaremos na segunda ponte dessa travessia, essa ponte possui um corrimão de ferro pintado de amarelo e fica bem em frente a uma pequena, mas bonita cachoeira. Bom lugar para tirar algumas fotos.
Os trilhos as poucos vão subindo bem suave a bela encosta da serra que vai adentrando pouco a pouco em um bonito vale verde, desse ponto, a nossa esquerda, teremos amplos visuais desse vale que começa no fim da parte urbana de Angra e termina nos grandes paredões da Serra D´Água. A linha do trem segue serpenteando esse vale adentro para transpor esses paredões em um série de túneis e pontes até chegar ao alto da serra, e de lá segue praticamente no plano e em linha reta até Lídice.
Cruzaremos mais uma ponte que possui os dormentes meio afastados um do outro, gastos e escorregados, ou seja, cada passo um frio na barriga, mas ainda bem que a terceira ponte é bem pequena. Continuamos seguindo o trilho por mais 5 quilômetros e passaremos por uma placa escrito o número 11, que é o décimo primeiro quilometro da ferrovia, mas como não começamos bem no seu início até esse ponto nós andamos aproximadamente 9 quilômetros, ou seja, 2 a menos que a contagem oficial da linha férrea. Da segunda ponte até essa placa é um pouco menos de 1 hora e 20 minutos de caminhada, sempre tendo ao nosso lado esquerdo os fundos da cidade de Angra emoldurada por escarpadas montanhas.
Com um pouco mais de 1.5 quilômetros chegaremos no segundo túnel dessa travessia. Esse túnel possui 136 metros de comprimento fazendo uma curva para a esquerda, e é datado do ano de 1927. Logo após a saída do segundo túnel chegaremos em um dos pontos fortes dessa travessia, talvez o local mais bonito de todo caminho, chegaremos na ponte dos Arcos, que é um linda ponte em curva que possui seus pilares em formato de arcos, lindo local para parar, admirar e tirar muitas fotos. Logo após o término da ponte chegaremos ao terceiro túnel com 120 metros de comprimento que é totalmente escavado no rocha sem nenhum acabamento aparente. Na saída desse túnel passaremos por uma mini cachoeira que escorre das paredes escavadas da montanha para acomodar cuidadosamente linha do trem, local ideal se refrescar molhando um pouco a cabeça.
Com mais 40 minutos chegaremos no quarto túnel, um pouco menor que os demais com 74 metros, mas esse é totalmente acabado. Depois de mais 20 minutos passaremos por uma placa de 15 quilômetros e logo depois pela quinta ponte e por mais um friozinho na barriga! Ainda bem que essa ponte também não é muito longa. A partir desse ponto fica bem mais evidente a falta de manutenção com a linha, pois a vegetação está tomando de volta o que um dia já foi seu – destaque para as florzinhas maria-sem-vergonha que atualmente estão enfeitando os trilhos – com isso em muitos pontos existe apenas uma fina trilha no meio dos trilhos para andarmos nos equilibrados.
Com aproximadamente 50 minutos a mais chegaremos na sexta ponte que fica bem em frente a uma pequena cachoeira, poucos minutos depois, pela sétima e logo após pela oitava ponte que é uma longa e alta ponde feita só de dormentes bem em frente a uma cachoeira que possui um bom poço para tomarmos um banho gelado. O acesso a essa cachoeira fica um pouco antes do início da ponte em uma quebrada para a esquerda. Esse banho é praticamente obrigatório nessa travessia.
25 minutos após a última ponte passaremos em seqüência por dois túneis pequenos, o túnel de número 5 que é o menor com seus 51 metros e pelo túnel de número 6 ligeiramente maior que o anterior com seus 63 metros de comprimento. Provavelmente nesse ponto já deva ser o meio da tarde e com cerca de 18 quilômetros já caminhados, mas a estação Jussaral – que é local do acampamento – está a apenas 2 quilômetros desse ponto.
Com menos de 20 minutos a mais de caminhada passaremos por uma caixa de metal ao lado da linha e com mais 20 minutos finalmente chegaremos na local do nosso acampamento: a abandonada Estação de Jussaral. Essa estação foi inaugurada em 1925, tendo sido ponta de linha até a inauguração da estação de Angra dos Reis, terminal da linha, três anos depois, e possui algumas construções que estão totalmente em ruínas e normalmente armamos nossas barracas na calçada em frente a essas ruínas, pois é um local plano e relativamente alto. Bem no começo da calçada tem uma ruína que coincidentemente era a cozinha da estação, com uma grande bancada de concreto, local ideal para cozinhar nossa janta e reunir os amigos para uma boa prosa. A 100 metros antes da estação existe uma água a direita da linha que dá suporte ao acampamento. Existem mais duas trilhas que terminam em Jussaral, e é por isso que normalmente você vê alguém passando por lá, e são trilhas bem mais curtas. A primeira começa no bairro da Banqueta (BR101 a 4km do trevo de entrada da cidade de Angra) e tem uma duração media de 1h:30 min. e a segunda começa no bairro do Pontal (BR101 distante aproximadamente 9km do centro de Angra) e é um pouco mais longa que a primeira com uma duração média de 2h:30 min. para chegar nessa estação.
Após uma noite de descanso reconfortante a caminhada recomeça e em poucos minutos já podemos apreciar o primeiro mirante do dia com uma linda vista para a cidade e para a baia de Angra, em seguida já entraremos no sétimo túnel com 66 metros e logo depois passaremos por um outro mirante. Após 15 minutos a mais de caminhada passaremos por uma torre de alta tensão e adentraremos no oitavo túnel com 89 metros de comprimento. Logo após túnel a linha férrea faz uma curva forte para a direita, fazendo um cotovelo, mas seguindo sempre subindo levemente a encosta da serra, adentrado ao vale que segue em direção a Lídice. Assim que cruzarmos o túnel passaremos pelo mirante do Frade, que é um dois mirantes mais bonitos dessa travessia. Desse ponto podemos apreciar a Pedra do Frade bem na nossa frente com a baia e ilhas de Angra bem aos seus pés, e tudo emoldurando por uma linda mata verde esmeralda, realmente um show!
A pernada continua e 15 minutos depois do mirante passaremos pela nona ponte e com mais 10 pela placa de 25 quilômetros. A partir desse ponto a paisagem muda um pouco e os horizontes se expandem mostrando a beleza dessa serra com seus paredões e picos de granito coberto com uma densa mata atlântica. Passaremos em poucos minutos por um escorregamento de encosta ocorrido em janeiro de 2010 exatamente na mesma época ocorreu a tragédia das chuvas na cidade de Angra e na Ilha Grande, e é desde essa época que o trem não circula por esses trilhos.
1 quilômetro após o escorregamento chegaremos ao nono túnel (62m) e logo depois na décima ponte, sendo que ela é a segunda ponte em arco da travessia, realmente um déjà vu da primeira. Um ótimo lugar para um lanche reforçado e com certeza para tirar muitas fotos. Para enfeitar um pouco mais a moldura da ponte, nesse local podemos apreciar um lindo paredão de granito, que é por onde passa o nono túnel e uma pequena cachoeira visível bem no meio da ponte, realmente um lugar memorável.
Seguindo, sempre, pelos trilhos em mais 15 minutos chegaremos na décima primeira ponte, onde teremos um mirante no seu final apontado para o Pico do Frade e para a Baia de Angra. Poucos minutos depois passaremos pelo décimo túnel (54 metros) e sairemos em uma encosta que foi preciso escavar a pedra para poder encaixar o perfeitamente os trilhos. Com mais uma hora de caminhada passaremos pelo décimo primeiro (113.30 metros), pelo décimo segundo túnel (120 metros) e pela décima segunda ponte que fica encravada em um bonito vale de onde é possível ver o contorno e os lindos paredões da serra.
Com mais 5 minutos, desde a última ponte, passaremos pela placa de 31 quilômetros e com mais 10 pela décima terceira ponte, que é uma longa ponte que passa por cima de uma cachoeira, onde é possível descer para refrescar um pouco nas gélidas águas dessa queda. Aproveite também para tirar muitas fotos desse lindo local e para tirar a tradicional foto mostrando só a cabeça do pessoal entre os trilhos, é só descer o trilho para ficar em pé em cima do pilar de sustentação da ponte, mas se você tiver vertigem não faça isso, pois essa ponte também é bem alta passando sobre o leito rochoso do rio.
Continuando a caminhada logo em seguida passaremos pela décima quarta ponte, que é bem parecida com a anterior só que um pouco menor, e com um pouco menos de 10 minutos passaremos por um lindo paredão vertical de granito todo salpicado por bromélias e um minuto depois pela décima quinta ponte que cruza por cima de uma pequena queda d´água. Com mais 15 minutos chegaremos em um dois local mais bonitos de toda travessia, chegaremos a Cachoeira da Fenda, que é uma linha d´água que escorre de um enorme e alto paredão dentro de uma fenda perfeita desembocando praticamente em cima dos trilhos o que facilita muito o acesso para nos refrescarmos um pouco, principalmente nos dias de maior calor! Realmente esse é um local memorável dessa travessia.
