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Por Eduardo (‘Dado’)

Até a segunda metade do século XIX o bairro de Copacabana era um local habitado e frequentado apenas por pescadores, caçadores, aventureiros e a partir da década de 1870, por funcionários responsáveis pela instalação e manutenção do cabo telegráfico de comunicação entre o Brasil e a Europa. Essa foi mais uma obra de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, que recebeu o título de Visconde na ocasião da inauguração do cabo submarino: 22 de junho de 1874.

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Praia de Copacabana (atual Posto 6) próximo às instalações do Cabo Submarino, e casas de pescadores em 1906.
Fonte: IMS – Marc Ferrez

Até então a localidade de Copacabana era pouco frequentada e habitada, com acesso bastante difícil. Para se chegar ao bairro vindo do Centro da Côrte havia  apenas três opções: a atual Ladeira do Leme, praticamente uma trilha sobre o morro; o caminho carroçável de Villa Rica, na atual Ladeira dos Tabajaras, acesso igualmente complicado pelo relevo; e pelo Arpoador, tendo que navegar ou contornar o Morro dos Cabritos e a Lagoa Rodrigo de Freitas, ainda sem os aterros, até chegar ao atual Posto 6 por uma picada no meio da mata.

Copacabana, já com considerável quantidade de habitações, vista da Ladeira do Leme em 1907.
Fonte: IMS – Coleção Pedro Correia do Lago

Em determinada ocasião correu a notícia, verdadeira ou não, que algumas baleias teriam encalhado nos mares de Sacopenapan (toda a região entre a Lagoa Rodrigo de Freitas e Copacabana se chamava assim). Foi organizada uma verdadeira expedição, inclusive com o Imperador Dom Pedro II, para ver o evento. Os participantes ficaram no local três dias e três noites, em volta de conversas e piqueniques, encantados com a beleza da região.

Arpoador e Copacabana em 1900
Fonte: IMS – Vianna, José Baptista Barreira

Era óbvio que o local era bastante atrativo e que eram necessários meios de se chegar com mais facilidade. Com o desenvolvimento iminente do bairro e cada vez mais pessoas frequentando a região, começaram a se estudar linhas de Bonde para permitir a ligação de Copacabana ao Centro da Capital. A primeira iniciativa ocorreu em 1874 quando foi concedido o direito de estender uma linha até Copacabana ao Conde de Lages e Francisco Teixeira de Magalhães. O percurso sairia da Rua do Ourives esquina com a Rua do Ouvidor até a Rua São José e seguiria ao seu destino incluindo a construção de dois ou três túneis. Em Copacabana os concessionários deveriam construir um estabelecimento balneário, uma escola de ensino primário e secundário, um jardim zoológico e um hospital destinado a Santa Casa de Misericórdia. Entretanto, e afoitamente, a empresa contratada para as obras (Empresa Copacabana) começou a assentar os trilhos desrespeitando o privilégio da “Botanical Garden Rail Road Co.” . A mesma entrou com uma ação judicial mas de nada adiantou. A “Empresa Copacabana” continuou com as obras, chegando ao ponto de ser necessário auxílio policial em altas horas da noite para a execução das obras assentando e cruzando os trilhos com as da “Botanical Garden” nos arredores da Glória. Mas todo o ímpeto fez-se inútil, as obras foram interrompidas por falta de recursos, caducando a concessão em 1880.

Obras de construção do túnel de Copacabana
Fonte: Brasiliana Fotográfica

Em 1884 o governo recebeu proposta de José Joaquim de Carvalho Bastos para a construção de uma linha que alcançasse as Praias da Saudade (extinta) e de Copacabana. Entretanto pouco depois houve a desistência desse projeto. Dois anos depois surgiu a proposta de se estender uma ferrovia partindo do fim das linhas da Cia.Jardim Botânico, em Botafogo, passando por Copacabana pelo litoral até alcançar Angra dos Reis. Tal projeto anularia qualquer proposta de se alcançar a localidade através dos bondes. Após um período conflituoso entre as intenções de se construir uma ferrovia e uma linha de bondes (que na prática também é ferrovia 😉) a própria Cia.Jardim Botânico sugeriu a construção de uma ferrovia que transferisse os corpos sepultados no cemitério São João Batista para outro a ser instalado em Jacarepaguá, afrontando a proposta de ferrovia para Angra e oferecendo diversas vantagens ao governo. A tática deu certo pois o governo não se manifestou mais a respeito da ferrovia para Angra dos Reis, e o projeto da linha férrea para transferência dos mortos do cemitério foi aos poucos esquecida e definitivamente abandonada.

Construção do túnel de Copacabana
Fonte: Brasiliana Fotográfica

A intenção dos bondes chegarem a Copacabana persistia e se fazia urgente e necessária. Em 1890 foi assinado um termo obrigando a Cia.Jardim Botânico a construir suas linhas até o bairro, chegando até Copacabana através de um túnel a partir de Botafogo. Contudo não havia operários suficientes para essa empreitada, e pra piorar, houve um surto de febre-amarela e varíola que afetou os poucos trabalhadores já presentes, paralisando as obras completamente várias vezes, obrigando a companhia a pedir a prorrogação do prazo. Em março de 1892, prestes a expirar o prazo pedido, o trabalho parou. A empresa que realizava a construção simulou uma grande obra e pediu um vultuoso pagamento pelo o que não foi feito. O pagamento foi impugnado. Se os trabalhos de acesso ao bairro parassem, o contrato seria reincidido. E assim aconteceu. Todavia José de Cupertino Coelho Cintra, diretor da cia. Jardim Botânico, resolveu assumir todas as despesas e responsabilidades e reiniciou o trabalho com afinco e assumindo o comando de novos operários. Em 7 de abril abundantes chuvas fizeram cair uma barreira na Rua Real Grandeza, facilitando os trabalhos por levar grande quantidade de barro descendo essa rua, e diminuindo a extensão do túnel em aproximadamente 10 metros. Enquanto as obras continuavam, os trilhos chegavam à Rua Real Grandeza, ao lado do cemitério São João Batista. Ostentavam a tabuleta “Copacabana – Real Grandeza” o que provocava seguidas perguntas “O bonde já chega à Copacabana ?” e a seguinte resposta do condutor “Sim, Copacabana do lado de cá”.

Construção do túnel de Copacabana
Fonte: Brasiliana Fotográfica

Enfim em 15 de março de 1892 o primeiro bonde chegou a Copacabana ! Apesar de já haver trilhos assentados “do lado de lá”, o bonde 22 (o mesmo que inaugurou o serviço até a Praia Vermelha) chegou carregado no braço de seus operários ! Os truques e rodas foram levados com antecedência para Copacabana, onde já existia a linha parcialmente pronta, mas dentro do túnel não havia trilhos ! Quando o primeiro bonde, sem rodas, chegou em Copacabana, os funcionários do Cabo Submarino (Western Telegraph Co.) e os poucos moradores locais espoucaram foguetes até não poder mais, tornando o evento uma grande folia. Assim chegou o primeiro bonde a Copacabana, sem burros e sem rodas, literalmente “no braço”.

Os Bondes finalmente chegam a Copacabana
Fonte: Brasiliana Fotográfica

Em 6 de julho de 1892 as obras foram concluídas e às 13h desse dia dez bondes partiram da Rua Gonçalves Dias, no Centro, indo nos mesmos a Banda de música dos marinheiros nacionais, o Vice-presidente da república acompanhado do seu estado-maior, o presidente do senado, da intendência municipal, ministros da marinha, da guerra e do interior e a diretoria da companhia, além de convidados. Atravessaram o túnel de 180 metros iluminado com luz elétrica e enfeitados com arbustos. Às 14h30 chegaram na estação na esquina da Rua Siqueira Campos com a Av. Nossa Senhora de Copacabana, na época ainda caminhos arenosos. Essa estação marcava o ponto inicial para os bondes em direção à “Igrejinha” (atual Forte de Copacabana) e ao Leme. Foi lavrada uma ata de fundação do bairro, tendo o original dessa ata encerrado em uma caixa de ferro e enterrada no local onde existia a estação.

Estação inicial dos bondes, na esquina da Av.Nossa Senhora de Copacabana com a R. Siqueira Campos, ainda caminhos arenosos
Fonte: Brasiliana Fotográfica – Juan Gutierrez (1890)

E assim com a chegada dos bondes, mesmo que sem burros e carregado no braços, o bairro de Copacabana nasceu de fato. O progresso chegando através dos trilhos, como de costume.

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Autor

  • Eduardo ('Dado')

    Formado em Arquivologia, pós-graduando em Engenharia Ferroviária, técnico em TI, produtor e editor multimídia, webmaster e webdesigner, pesquisador e historiador informal. No começo dos anos 2000 se aprofundou na área de mobilidade e transportes (e a preservação histórica inerente ao assunto, sobretudo envolvendo os transportes sobre trilhos), e a partir de contatos pessoais e virtuais participou de, e formou, grupos voltados para a disseminação do assunto, agregando informações através de pesquisas presenciais e em campo. Em 2014 fundou formalmente a AFTR - Associação Ferroviária Trilhos do Rio onde reuniu membros determinados a lutarem pela preservação e reativação de trechos ferroviários, além de todos os aspectos ligados às ações, como o resgate da memória e cultura regional, melhoria na mobilidade e consequentemente na qualidade de vida da população, etc Foi presidente e é o atual coordenador-geral da AFTR Não se considera melhor do que ninguém, procura estar sempre em constante evolução e aprendizado, e acumula experiências sendo sempre grato aos que o acompanha e apoia. "Informação e conhecimento: para se multiplicar, se divide"

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