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Difícil acreditar que exista outro setor da economia brasileira, ou outro setor da história do Brasil, tão mal estudado e com tantas teorias sem sentido à sua volta, contadas, recontadas e se tornando verdade. Sim, estamos falando do setor ferroviário e toda sua história, e isso é péssimo para o setor. Essas teorias, aceitas inclusive por muitos gestores públicos, impedem o setor de crescer e se desenvolver. Depois, o povo vai para a internet e publica memes falando que nos Estados Unidos existem 10 vezes mais ferrovias do que no Brasil, e ninguém consegue explicar bem os motivos. E quando o faz, normalmente não explica nada, apenas enrola.

Fonte: KeyMap

O desconhecimento de várias informações contidas em nossas postagens, especialmente da Guerra das Bitolas e seus desdobramentos, tem provocado tomadas de posições inadequadas em algumas pessoas, como militantes, “especialistas” ou profissionais da área, que não deveriam ser tomadas. São ideias e teorias sem sentido, formuladas justamente pelo desconhecimento de alguns fatos, e que muitos abarcam. E essas pessoas, muitas vezes, pelos bons contatos que têm, assessoram pessoas com poder de mando e repassam para essas pessoas todas as bobagens em que acreditam, criando mais problemas do que soluções. Por acreditarem nessas teorias sem sentido, fazem com que as propostas não andem.

Artigo nº 1: o que realmente houve com as ferrovias no Brasil? (parte 2)

Já mostramos aqui, em postagens anteriores (como no exemplo acima), a situação criada por essas pessoas para políticos interessados em resolver os problemas do setor, como o ex-deputado por Minas Gerais, João Leite. Talvez essa péssima assessoria tenha custado até a reeleição desse ex-deputado.

Se existe algo que atrapalha enormemente o desenvolvimento do setor são essas Teorias da Conspiração e ideias estapafúrdias. Sendo assim, reunimos as mais exóticas teorias escutadas por nós ao longo dos anos e divulgadas como verdadeiras, e tentaremos hoje, e mais uma vez, mostrar como algumas delas não fazem o menor sentido.

Sejam bem vindos a mais um artigo exclusivo da AF Trilhos do Rio. Esta é a primeira parte de duas em que dividimos o texto.
Agradecemos a visita e desejamos uma excelente leitura!

 

AS TEORIAS DA CONSIPRAÇÃO E AS IDEIAS SEM SENTIDO.
AS COISAS QUE SE FALAM E AS BOBAGENS QUE ESCUTAMOS.
O QUE AFINAL É VERDADE?
AFTR: O ARTIGO NÚMERO 3.

Mesmo que eventualmente todos possamos discordar das opiniões alheias, devemos reconhecer que cada indivíduo tem o direito de expressar suas ideias e ser ouvido, e esperamos que esta seja uma percepção dos nossos leitores. Contudo, abaixo expomos duas frases que resumem de uma forma ou outra o teor do texto deste artigo e que podem ser consideradas de acordo com o contexto.

 

“Respeitar todas as opiniões é desrespeitar a verdade.” – Olavo de Carvalho

 

“Todo boato é uma verdade provisória, que por sua vez produz realidades” – Autor Desconhecido

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No início de nossas postagens falávamos sobre algumas dessas Teorias da Conspiração, vejam o artigo abaixo, caso não o conheçam ainda. 

O motivo do fracasso das ferrovias no Brasil (7) – As teorias da conspiração

Agora resolvemos detalhá-las e explicá-las neste texto. Convidamos qualquer pessoa a refutar nossas explicações, sem problemas, sintam-se à vontade. Mas cabe ressaltar que procuramos fundamentar todas as nossas informações em documentos, testemunhos de quem estava lá no passado ou em fatos, muitas vezes varridos para debaixo do tapete.

Abaixo, listamos as 15 Teorias da Conspiração mais descabidas sobre o setor ferroviário, frequentemente ditas como verdadeiras em rodas de família, programas de TV, teses acadêmicas, enfim, todos falam a mesma coisa, mas ninguém fundamenta o que fala, limitando-se a repetir o que ouviu falar.

  • Teoria número 1: “O empresário do ônibus foi o culpado pela extinção dos trens de passageiros, e a bancada do pneu impede sua volta.”
  • Teoria número 2: “A Bitola larga é melhor que a estreita.”
  • Teoria número 3: “Transporte de passageiros por trem só dá prejuízo.”
  • Teoria número 4: “O Estado deve investir em ferrovias.”
  • Teoria número 5: “A RFFSA foi uma excelente operadora.”
  • Teoria número 6: “Na época da RFFSA, o patrimônio ferroviário era mantido decentemente.”
  • Teoria número 7: “Esses balanços foram fraudados. Você está mentindo. A RFFSA não tinha esses prejuízos.”
  • Teoria número 8: “Vamos lutar para reativar o trajeto de X para Y.”
  • Teoria número 9: “A culpa foi do lobby das montadoras.”
  • Teoria número 10: “A culpa da decadência das ferrovias no Brasil foi do JK, que priorizou o modal rodoviário.”
  • Teoria número 11: “A culpa da decadência foi do Washington Luiz, dizendo que governar era abrir estradas.”
  • Teoria número 12: “A culpa foi dos militares, que mandaram acabar com os trens de passageiros, pois queriam construir estradas, apoiar a criação de fábricas de automóveis e apoiar os empresários de ônibus.”
  • Teoria número 13: “A culpa pela derrocada de nossas ferrovias foi de nossos políticos corruptos.”
  • Teoria número 14: “A culpa da derrocada das ferrovias foi da queda da Bolsa em 1929 e da queda do café.”
  • Teoria número 15: “Todo país procurava escolher uma bitola diferente de seus vizinhos, pois em caso de confronto militar dificultaria o uso da rede por parte do inimigo”

Abaixo, mostraremos em detalhes essas teorias. Boa leitura! Escolha a mais esdrúxula e divirta-se. São informações que até hoje muitos levam a sério, mas esperamos conseguir mudar mentalidades com nossos argumentos.

 

TEORIA NÚMERO 1

 

“O empresário do ônibus foi o culpado pela extinção dos trens de passageiros, e a bancada do pneu impede sua volta.”

 

Acreditem: essa é a Teoria da Conspiração, o ponto alto do setor. “9,9999999” entre 10 pessoas que debatem sobre o tema tiram essa teoria da cartola e procuram em algum lugar desconhecido argumentos para referendá-la. As pessoas perdem horas de suas vidas debatendo sobre isso, com argumentos sem fundamento todas as vezes.

De todas os disparates que escutamos, esse é o pior. Normalmente pessoas que defendem isso:

  • Nunca viram os balanços da RFFSA e seus prejuízos monumentais;
  • Desconhecem a questão das cortesias, que fazia com que em determinadas composições os usuários de cortesias superassem os pagantes;
  • Desconhecem o congelamento de tarifas imposto por Getúlio Vargas na década de 30 e cujos efeitos sobraram até para os bondes;
  • Desconhecem que as locomotivas usadas para transporte de passageiros eram as mesmas usadas para o transporte de carga, especialmente minérios, e consumiam muito;
  • Desconhecem a Guerra das Bitolas, onde um dos aspectos dessa guerra foi a extinção das linhas da E.F. Leopoldina, e um exemplo disso foi a extinção da linha para Petrópolis, rentável na época, bastando apenas investimentos de modernização, e que seria extremamente rentável hoje;
Fonte: Mestre Ferroviário
  • Desconhecem que, em algumas cidades, um evento que aconteceu muito no estado do Espírito Santo (descobrimos após pesquisa), funcionários da RFFSA objetivando extinguir linhas de passageiros incentivaram determinada empresa rodoviária de passageiros a criar rotas para suprir essa rota ferroviária a ser extinta. Isso ajudou a criar uma das maiores empresas de transporte rodoviário de passageiros do Brasil;
  • Desconhecem, por exemplo, o que aconteceu em Cruzeiro-SP. As histórias da extinção da bitola métrica naquela cidade, que atualmente está sendo recuperada pela regional da ABPF, dariam um pequeno livro. Pontes condenadas sem qualquer explicação, funcionários ansiosos em condenar trechos em troca de promoções. A situação que aconteceu ali é de conhecimento do sr. Bruno Sanches, presidente da ABPF de Cruzeiro-SP, conhecedor de várias dessas histórias.

Citamos aqui apenas duas cidades e duas regiões, mas isso se espalhou por todos os estados do Brasil que tinham ferrovias.

A Marcopolo, tradicional fabricante de carrocerias de ônibus, há algum tempo vem investindo em transportes sobre trilhos. Fonte: Mobilidade Estadão

A propagação dessa teoria é péssima para o setor, pois o empresário de ônibus nunca é procurado para novos projetos ferroviários. Ele é tratado como inimigo pela absoluta maioria das pessoas que lidam com isso, e o que esses empresários sabem e fazem é transportar pessoas. E os trens de passageiros precisariam de quê? Exatamente:  além dos passageiros precisam de alguém que invista em transporta-los! O alijamento dos empresários do setor rodoviário desse debate tem sido extremamente prejudicial ao setor ferroviário. Tais empresários sabem transportar gente, por qualquer meio.

Abaixo, uma de nossas postagens antigas com informações sobre o tema e um furo inédito. Descobrimos que Marty McFly do filme “De Volta Para o Futuro” existiu e era funcionário da 1001. Leiam a postagem e entendam.

Indústria automobilística, do petróleo e Empresas de ônibus

Aos interessados, convidamos a ler também nosso artigo abaixo, que trata do tema “Trem Regional de Passageiros”. Ele detalha toda a argumentação para refutar essa verdadeira “mitologia” criada. Mas o que nos impressionou e nos levou a escrever esse artigo foi não termos visto no site da ANP Trilhos, e convidamos o leitor a fazer o mesmo, nenhuma menção a sindicatos ou instituições ligadas a empresários do setor rodoviário. E a pergunta que sempre fazemos é: “Quem vai pagar a conta?”

O Transporte Regional de Passageiros por Trilhos

Faremos aqui duas perguntas cujas respostas não sabemos se teremos algum dia, mas ficam como reflexão para os leitores:

  • Qual é efetivamente o objetivo da ANP Trilhos?
  • Como uma instituição que pretende, com ações políticas, restaurar o transporte de passageiros regional no Brasil, não chama empresários do setor rodoviário para participar dessas ações?

Nós da AFTR – uma instituição informal mas plenamente ativa e que trabalha em várias áreas, tanto de forma online quanto presencial – estamos aguardando o retorno do contato que fizemos com a ANP Trilhos há mais de um ano atrás para colaborar e/ou participar dessa instituição. Enquanto isso, a AENFER, instituição que é composta por muitos ferroviários aposentados, faz parte do grupo. E cabe dizer pela enésima vez como dito outras vezes aqui: nada contra a AENFER, apenas contextualizamos.

 

TEORIA NÚMERO 2

 

“A Bitola Larga é melhor que a estreita.”

 

Essa faz parte daquelas teorias que, de tanto ser repetida, se torna uma pseudoverdade para muitos.

Vamos fazer um pedido, aliás, não, mais do que isso, IMPLORAMOS, que todos que ainda acreditam nisso leiam o artigo número 1 publicado pela AFTR. Para ajudar, os links estão abaixo:

Artigo nº 1: o que realmente houve com as ferrovias no Brasil?

Artigo nº 1: o que realmente houve com as ferrovias no Brasil? (parte 2)

Complemento do Artigo nº 1

E leiam sobre a questão das bitolas no mundo.

Aos que divulgam essa teoria, fazemos a seguinte pergunta: Os países desenvolvidos, inclusive o Japão e a Espanha, que usam bitola métrica, são o quê? Apresentamos fatos, pesquisem.

Trem da empresa EuskoTren Trena na estação Ferroviária Amara, San Sebastian, no País Basco, Espanha. Esta empresa opera linhas ferroviárias de passageiros em bitola métrica, trens de carga, bondes e… ônibus! Fonte da imagem: Wikipedia

Paulo de Frontin, por volta de 1900, já escrevia sobre o assunto, mostrando que a bitola larga tinha sido uma opção ruim para o Brasil. Estamos em 2023, fazem mais de 100 anos. E essa história continua. Os prejuízos que isso causou ao Brasil são monstruosos, e vemos pessoas defendendo isso, inclusive nossa “mestranda preferida” (piada interna, um dia talvez contaremos).

 

O que fazer para mudar essa situação?

 

Para concluir a argumentação dessa teoria, algumas perguntas:

  • Os defensores da bitola larga têm ideia da diferença de preço entre 1 km de trilhos assentados em bitola métrica e 1 km de trilhos assentados em bitola larga?
  • Esses defensores da bitola larga conhecem os raios de curva permitidos na bitola métrica e os raios de curva permitidos na bitola larga? E que o conhecimento disso é fundamental para a construção de estradas de ferro em regiões montanhosas, e Minas Gerais é um exemplo?
  • Esses defensores da bitola larga sabem que a opção da bitola métrica no passado foi por questões técnicas e econômicas?
  • Esses defensores da bitola larga sabem que a EFVM (Vitória-Minas) é a ferrovia mais eficiente do Brasil, segundo o DNIT, e é em bitola métrica?

 

TEORIA NÚMERO 3

 

“Transporte de Passageiros por trem só dá prejuízo.”

 

Quem defende essa ideia normalmente é ou foi ligado ao governo e escutava essa história de antigos homens do governo que viram os fantásticos prejuízos da RFFSA causados pelos motivos acima mostrados na descrição da Teoria 1. Aqui no Brasil, muitos falam da Amtrak, que é uma empresa estatal deficitária, querendo usá-la como modelo. Mas, diferente da RFFSA, ela tem um limite de gastos. Na RFFSA o céu era o limite, por isso produzia prejuízos monumentais.

Fonte: Sunset Magazine

A Amtrak surgiu em 1971 e foi uma forma do governo dos Estados Unidos manter ativas as linhas ferroviárias que não despertavam interesse no empresariado. Nas décadas anteriores, houve um declínio no transporte de passageiros por trem, tendo em vista a rapidez e o custo baixo do transporte aéreo. Hoje isso está lentamente mudando.

Fonte: Divulgação

Essas linhas foram devolvidas ao governo federal, e o governo achou por bem criar a Amtrak como forma de manter essas linhas funcionando.
– Transporte de passageiros por trem pode sim dar lucro, desde que sejam usados os equipamentos adequados. Infelizmente, aqui no Brasil, os que defendem a volta do trem de passageiros têm sempre em mente o retorno das composições com aqueles equipamentos usados no passado e que hoje são completamente obsoletos.
– Na Europa e no Japão, existem diversas rotas ferroviárias de passageiros operadas por diversas empresas, que são lucrativas.

Fonte: HRZone (artigo interessante no link e ao clicar na foto acima)

– Essa ideia de que o transporte de passageiros não é lucrativo surge no Brasil por conta do congelamento de preços imposto por Getúlio Vargas, na década de 30, e pelo conceito de tarifa social levado adiante pelos funcionários da RFFSA.
– A memória afetiva daqueles que se serviam do trem é de que ele era “baratinho”, mais barato que o ônibus. Basta procurar e perguntar.

Agora, alguém consegue perceber a incongruência dessas duas frases?

“O empresário do ônibus foi o culpado pela extinção dos trens de passageiros, e a bancada do pneu impede sua volta.”
“Transporte de Passageiros por trem só dá prejuízo.”

Pois, por incrível que pareça, é comum ouvir da boca de alguns “especialistas” saírem essas mesmas frases.

Se o transporte de passageiros por trem só dá prejuízo, qual teria sido o objetivo dos empresários do ônibus em extingui-los? Deviam ter um tremendo amor à pátria, afinal deviam estar preocupados com os déficits da RFFSA (fortes doses de ironia)…

Vamos explicar aqui de forma bem rasa um conceito desconhecido pela maioria: a amortização de investimento.

Muitos que veem nossas postagens (como as da Olga, a Russinha que fala português ou a Valeria Fomina, mostrando o transporte ferroviário na Rússia), ou mesmo que conheçam a Europa e já tenham andado nos trens espanhóis e nos europeus em geral, especificamente também nos franceses, certamente levantarão a bandeira do subsídio, de que o governo precisará subsidiar a passagem do trem aqui no Brasil.

Sapsan, o trem de alta velocidade da Rússia. Fonte: Russian Railways

Vamos entender o seguinte: não só na Rússia como citado em algumas postagens recentes nossas, mas na Europa em geral e no Japão também, essas linhas ferroviárias, em sua maioria, são antigas e foram, com o tempo, reformadas, modernizadas e retificadas. O investimento feito na construção da maioria delas já foi pago, já foi amortizado. Portanto, hoje cobrar uma tarifa relativamente baixa, comparado com o que seria preciso cobrar no Brasil, é possível, mesmo que eventualmente o governo local de lá dê algum subsídio.

 

TEORIA NÚMERO 4

 

“O Estado deve investir em ferrovias.”

 

Quem defende isso tem total desconhecimento da história das ferrovias no mundo e da história das ferrovias no Brasil. As ferrovias, em seu nascimento e até a década de 1930 no Brasil, foram empreendimentos majoritariamente financiados pelo capital privado.

E a função dos governos não é investir em ferrovias, é investir em estradas, rodovias! Parece contraditório dizermos isso, mas não é!

Vamos colocar aqui algumas frases de Fréderic Bastiat que as pessoas deveriam conhecer:

Todos querem viver às custas do Estado e se esquecem que o Estado vive às custas de todos.”

“O Estado é aquela grande ficção onde todos acham que podem viver às custas dos demais.”

O estado deve, por meio de leis claras, permitir que o empresariado invista no setor. Isso foi feito no governo passado, que criou a “autorização”, um instrumento jurídico que permite ao empresário, às suas expensas, investir e lucrar. Algo que funcionou muito bem em todo o período imperial.

 

TEORIA NÚMERO 5

 

“A RFFSA foi uma excelente operadora.”

 

A pessoa que diz uma coisa dessas provavelmente nunca foi cliente da RFFSA.

Para dizer isso, é preciso ter sido cliente e saber o péssimo serviço que a RFFSA prestava. Atrasando entregas, não cumprindo prazos. E certamente quem diz isso apenas ouviu falar e repete. Na prática, quem também diz isso foi funcionário da RFFSA e recebia todas as benesses que a RFFSA dava a seus funcionários. Ou então vive em Nárnia.

  • Também ignora os 40 anos de prejuízo, isso mostrado em balanços auditados pela CVM;
  • Ignora o fato de a RFFSA, durante parte de sua existência, ter o maior prejuízo, o maior número de funcionários e o maior patrimônio das empresas do Brasil;
  • Ignora as constantes multas que eram pagas pela RFFSA por atraso nas entregas de empresas como MBR e CVRD, grandes clientes, e que a RFFSA pagava sem refutar. A situação chegou a um ponto em que a MBR, no governo Figueiredo, propôs pagar a conclusão parcial da Ferrovia do Aço para poder receber suas cargas sem atraso. Posteriormente, ela participou das concessões e do grupo comprador da concessão da malha sudeste, que gerou a MRS, que significa Malha Regional Sudeste. E, por fim, foi comprada pela CVRD;
  • A RFFSA chegou a ter, na década de 60, mais de 130.000 funcionários, dados da revista ferroviária editada pela própria RFFSA. Uma empresa com esses indicadores, e naquela época, não tinha como prestar um bom serviço;
  • O McDonald’s, o maior empregador individual do Brasil, tinha, em dezembro de 2022, 99.000 funcionários;
  • O Bradesco, que já foi o maior banco do Brasil, chegou a ter, antes da informatização plena, no final da década de 80, 100.000 funcionários. Número atingido mais de 20 anos depois da RFFSA.

 

TEORIA NÚMERO 6

 

“Na época da RFFSA, o patrimônio ferroviário era mantido decentemente.”

 

No período de existência da RFFSA, que foi de 1957 até 1998, não existiam telefones celulares com câmeras e nem fotografia digital. Esses equipamentos, além de existirem hoje, são acessíveis à maior parte da população, e na época não existiam nem redes sociais.

Hoje, eventos ocorridos em cidades pequenas sem a presença de grandes veículos de comunicação conseguem chegar à maior parte da população, graças às redes sociais e a esses novos aparatos tecnológicos.

Locomotiva GE 2033 em Três Rios, ano de 1992. Fonte: Acervo Benício Guimarães

As deficiências da RFFSA foram escamoteadas pela ausência de tudo isso. Portanto, passou-se para a população a imagem de boa empresa e boa gestora do patrimônio, o que não era verdade.

Basta ver espalhado pelo Brasil e aqui no estado do Rio de Janeiro um enorme patrimônio ferroviário abandonado que já estava abandonado ou em péssimas condições de manutenção, especialmente os pertencentes à E.F. Leopoldina, bem antes do desmonte da RFFSA.

 

TEORIA NÚMERO 7

 

“Esses balanços foram fraudados, você está mentindo a RFFSA não tinha esses prejuízos.”

 

Sabe aquela frase: “é preferível ser surdo a escutar isso?”

Pois é, a RFFSA era uma S.A. (Sociedade Anônima, a própria sigla já mostra), portanto, pelas leis brasileiras, uma S.A. precisa publicar seu balanço anualmente. Antigamente isso era feito em jornais de grande circulação, mas atualmente basta publicar na Internet.

E com a publicação desses balanços disponíveis para todos, via-se que a RFFSA só apresentava prejuízo.

Existem fraudes em balanços? Sim, existem, mas sempre escondendo o prejuízo e mostrando lucros fictícios, para que diretores ganhem bônus por conta de um lucro fictício. O que aconteceu com as Lojas Americanas é um exemplo. Qual seria o objetivo dos diretores da RFFSA em falsificar os balanços mostrando prejuízo?

Aguardando o autor da frase grifada mais acima explicar isso.

Sobre esses déficits, não conhecemos nenhum defensor da RFFSA que tenha se dado ao trabalho de ler os balanços dela.

Fonte: Divulgação

Acima uma propaganda da própria RFFSA, provavelmente da década de 1970, falando sobre isso. Já existiam pessoas na empresa preocupadas com isso. Infelizmente, o tempo mostrou que a turma defensora da “tarifa social” foi a vitoriosa.

Quem defende essa teoria nunca na vida leu um balanço, não sabe como as empresas desse porte funcionam e dizem isso para impressionar ou pela total falta de fluência no assunto.

 

TEORIA NÚMERO 8

 

“Vamos lutar para reativar o trajeto de ‘X’ para ‘Y'”

 

Usamos aqui ‘X’ e ‘Y’ apenas como figuras de linguagem; podem ser quaisquer trajetos. O “Barrinha” e diversos outros projetos são alguns exemplos, e pessoas com essas ideias estão espalhadas pelo Brasil: defendem suas propostas a partir de sonhos, principalmente.

Testes de retorno do Barrinha, puxado por uma locomotiva da MRS. Foto: Edson Vander Teixeira

Muitas das pessoas que defendem isso são ex-maquinistas e ex-funcionários da RFFSA, que, por terem trabalhado naquela empresa, avocam para si um conhecimento que não detêm. Afinal, sendo a ferrovia um negócio que deve apresentar lucro, o que essas pessoas podem conhecer, sendo a RFFSA uma empresa que nunca deu lucro?
Na maioria das vezes, essas pessoas:

  • Não têm experiência empresarial;
  • São entusiastas do setor;
  • Em sua maioria, além de ex-funcionários da RFFSA, são funcionários públicos, muitos aposentados, mas com a certeza de que o salário será pago no final do mês pelo governo.
  • Quando ativos, tinham a certeza de que nunca seriam demitidos.
  • Como atualmente costumam ter algum tempo ocioso, têm muitas ideias, mas muitas vezes mirabolantes ou inconsistentes;
  • Não têm nenhum conhecimento da demanda das estações do trajeto que propõem reativar, nem sabem fazer esse cálculo;
  • Não têm nenhum conhecimento dos custos do que estão propondo;
  • Não apresentam estudos sobre os equipamentos a serem usados e o custo disso;
  • Baseiam-se nos equipamentos usados no passado, parte da causa dos prejuízos da RFFSA;
  • Ignoram a existência dos veículos produzidos pela Marcopolo e (a falida) Bom Sinal, mais adequados aos dias atuais.

Querem reativar trechos visando turismo, mas nunca na vida operaram um hotel ou qualquer atrativo turístico, e normalmente não têm nenhuma experiência no setor. Portanto, como podem propor algo que desconhecem?
Nunca dizem quem vai pagar a conta ou quem vai operar o trajeto que propõem, mas geralmente querem que o governo pague essa conta, ou seja, nós pagaremos para que eles realizem seus sonhos. É justo?

Claro que estes sonhos não deixam de ser também nossos sonhos. Mas não se deve criar um pesadelo, pensando ser um sonho, a partir de devaneios, e provavelmente é isso que vai acontecer.

Aqui encerramos a primeira parte deste artigo. Agradecemos a todos que chegaram até aqui, e aguardem a segunda parte desta série, muita informação ainda vem por aí!

 

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Até a próxima!

 

O teor deste artigo pode expressar ou não, total ou parcialmente, a opinião da instituição, sendo de inteira responsabilidade do autor.

 

Foto de capa: Tha Atlantic

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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4 thoughts on “Artigo 3: as Teorias da Conspiração e ideias sem sentido (parte 1)

    1. O primeiro metrô do mundo foi o de Londres, e foi feito com financiamento privado.
      O primeiro metrô dos Estados Unidos foi o de Boston e foi construído pela iniciativa privada.
      No período pós-segunda guerra mundial, questões políticas fizeram o estado ter um aumento absurdo de sua presença na economia, isso fez com que o estado assumisse diversas atribuições que eram da iniciativa privada.
      Infelizmente a questão da propina aumentou absurdamente a presença do estado nessas obras.
      Talvez se a legislação fosse outra, tivéssemos uma maior participação do empresariado.
      Veja a quantidade de autorizações concedidas ao empresariado durante o governo passado para a construção de ferrovias com a mudança da legislação.

    1. A respeito de seu comentário, algumas considerações: é preciso saber o que é, e ler um balanço.
      A Supervia atual é uma empresa pertencente ao Grupo GUMI, um grupo empresarial japonês que comprou a participação da Odebrecht, e assumiu a empresa.
      A Supervia tinha enormes empréstimos feitos na gestão da Odebrecht, e que o grupo GUMI, estava e está pagando, por isso o caixa da empresa está baixo.
      Isso aparece nos balanços.
      Alem disso a Supervia tem tido enormes prejuízos com roubo de cabos que está afetando suas operações.
      Voce deve acompanhar pelos jornais episódios onde os serviços param por conta disso, a responsabilidade pela segurança deveria ser do Estado, que o faz de forma precária, quando o faz.
      Existe sim o fator de gestão, que não está adequada, mas esse tópico preferimos não comentar aqui.
      Portanto esse é um retrato da situação atual da Supervia, e a diminuição de passageiros durante a Covid fez o problema aumentar.

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