Tempo de leitura: 26 minutos

Por Mozart Rosa
Por Rodrigo Sampaio


INTRODUÇÃO

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Mobilidade é um problema corriqueiro na maioria dos municípios do país, e a coisa adquire proporções ainda maiores em municípios que um dia foram servidos pelos trens. Essa memória afetiva está na maioria de seus habitantes, que corriqueiramente recorrem aos prefeitos pedindo o retorno do trem ou qualquer outra solução.

· • Apesar do ganho político para quem patrocina tais projetos, o que vemos são incontáveis fracassos • ·

Por trás desses fracassos estão os aluados, os sujeitos ao efeito Dunning-Kruger, e os especialistas, que nos bastidores apoiam tais projetos sem ter capacidade para isso.

O que queremos é fornecer informações a políticos e munícipes, ajudando para que os projetos saiam do papel, mostrando o que efetivamente é preciso ser feito.

Informação Importante 1: A AFTR usa a terminologia Trem Leve e não VLT, por entender que VLT é um nome de certa forma vago, sem similar no mundo, que deixa o turista estrangeiro atordoado tentando entender o significado quando vai usá-lo no Brasil. Ao colocar Trem Leve nos tradutores pode aparecer Light Train, ou Light Rail, nomes usados usualmente nos outros países, para veículos que passam a mesma ideia.

Fonte: Intelligent Transport

Se nossa intenção é conquistar turistas, esse é um dos pequenos passos a serem dados.

Esse produto, o VLT, nada mais é que a versão 8.0 do nosso bonde, e o VLT a diesel através de nossas pesquisas é um produto Made in Brasil, portanto com enormes possibilidades de exportação. Muito mais fácil exportar com o nome de Light Train, ou Light Rail, do que VLT que não significa nada fora do Brasil.

VLT da Bom Sinal, do projeto “Metrô de Macaé”
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

Fica mais fácil também para o pessoal do Marketing criar material em outras línguas usando esses nomes do que VLT, que não tem tradução.


CARTILHA AFTR PARA IMPLANTAÇÃO DE PROJETOS METROVIÁRIOS/FERROVIÁRIOS EM MUNICÍPIOS

A AFTR com essa pretensa cartilha pretende ajudar políticos e população a trilharem um caminho de sucesso, evitando fiascos já ocorridos em:

  • Projetos para tranporte de passageiros, onde aconteceu de comprar trens sem ter a linha reformada, sem ter sido realizadas as obras de adequação urbana, nem mesmo sinalização e até mesmo sem as estações. 

Trecho sem sinalização e adequação urbana da Linha do Litoral da EF Leopoldina, às vésperas da inauguração do Metrô de Macaé, que não ocorreu.
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

Homer Simpson já dizia:

· • A culpa é minha e eu coloco ela em quem eu quiser • ·

  • Projetos de Trens Turísticos, onde ocorreram casos em que editais foram publicados e republicados sem atrair interessados, obras desnecessárias foram realizadas, material rodante incompatível com o trecho foi adquirido, etc

Tudo isso gera projetos que acabam não saindo do papel, gerando expectativas junto à população e resultando mais uma vez em promessas não cumpridas.

Automotriz pertencente à ONG Amigos do Trem em Governador Portela, distrito de Miguel Pereira, abandonada e vandalizada (sabotagem?) após a opção de prefeitura pelo trem turístico, dessa vez operado por uma locomotiva a vapor.
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2021

Além do objetivo de contribuir para a implantação de projetos em mobilidade por todo o país, queremos através deste artigo elucidar e explicar diversos termos técnicos aos nosso prezados leitores, como o processo é tomado e feito. Ou pelo menos, como deveria ser.

A todos desejamos uma ótima leitura!


MOBILIDADE: A ESCOLHA DO MEIO DE TRANSPORTE

Temos no Brasil alguns problemas de ordem semântica que precisam ser esclarecidos. Metrô e Trem: quais as diferenças?

Maquete de uma composição utilizada no Metrô do Rio de Janeiro
Foto: Weiller Marques (2015)

Vamos entender que em essência esses modais são idênticos em suas capacidades, em torno de 60.000 passageiros transportados por hora, ambos normalmente sendo movidos a eletricidade. No Brasil passaram a ser diferenciados pela sua alimentação elétrica, sendo Rede Aérea ou por Terceiro Trilho, e por trafegarem ao nível do solo ou de forma subterrânea, mas em essência são a mesma coisa.

Trem da Supervia próximo a São Cristóvão
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2017

Aplicáveis pelo seu volume a poucos municípios são mais adequados para capitais, regiões metropolitanas e transporte entre municípios.

Chamar um meio de transporte como o Metrô de Macaé, composto de Trens Leves a diesel, de Metrô é errado? Não, desde que os responsáveis pela implantação tenham plena consciência da diferença dos meios de transporte e usem isso como puro marketing.

Publicidade do projeto Metrô de Macaé
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

Hoje o mercado oferece Trens Leves a diesel extremamente adequado à maioria dos projetos. Esses veículos são usados com sucesso em vários estados do nordeste, operados pela CBTU. São fabricados pela Bom Sinal e mais presentemente pela Marcopolo. De modo geral os Trens Leves a diesel, ou como o VLT Rio que é elétrico, são sistemas com média ou baixa capacidade, em torno de 30.000 passageiros por hora. Tem carros menores que os usados em trens e metrô, mas devidamente dimensionados, atendem muito bem a população da maioria das cidades brasileiras e de algumas capitais.

Fonte: Metrô CPTM

Por esse motivo, em pequenos e médios municípios, se recomenda o uso do Trens Leves a diesel. É recomendável mostrar aos ecologistas que, mesmo usando um combustível fóssil, a eficiência e as emissões de carbono são proporcionalmente muito menores que em ônibus ou carros, podendo ser opções tão sustentáveis quanto meios elétricos para sistemas mais modestos.

Claro que eletrificação seria mais “limpo”, porém isso encarece a instalação pela necessidade de subestações e construção de rede aérea, e essa recomendação deve ser feita pelas empresas contratadas para o estudo de demanda, e não por membros da municipalidade, pois pode inviabilizar financeiramente a empreitada.

Informação Importante 2: muito antes de ser ostensivamente publicado, sendo inclusive tema de reportagem em diversos veículos de informação, a Equipe técnica da AFTR já nutria enorme simpatia pelos Trens Leves a Diesel inicialmente fabricados apenas pela Bom Sinal, e hoje também pela Marcopolo. Vários artigos aqui no site da AFTR já abordavam o assunto há tempos. Nossa equipe entende ser esse tipo de veículo uma espécie de divisor de águas no quesito “mobilidade regional”, podendo ser usado em diversas rotas espalhadas pelo Brasil.

VLT da Bom Sinal em Macaé
Foto: Eduardo (‘Dado)

Isso não significa colocar em segundo plano os veículos elétricos com essa característica fabricados pela CAF e pela Alston, como os usados no centro do Rio de Janeiro. Mas a definição de diesel ou elétrico deve ser tomada mediante estudos técnicos, de preferência, produzidos por uma equipe qualificada, o que não foi o caso de alguns projetos cancelados nos últimos anos.

VLT Carioca na Praça Tiradentes, Centro do Rio
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2021

Uma outra solução disponível, mas até o momento não usada no Rio de Janeiro, é o Aeromovel, produzido pela Marcopolo em parceria com a empresa Coester, vejam abaixo a postagem sobre o produto.

>> Aeromóvel, o que é?

É uma proposta a ser pensada e muito interessante quando for preciso superar obstáculos naturais como morros e rios. Sendo um sistema mais leve que Trens Leves, o custo dessa transposição pode ser bem compensador.

Uma outra opção ainda inédita no Brasil é o Translohr, sistema que pode ser fabricado no Brasil pela Alston. Trata-se de um sistema que nada mais é que um Trem Leve com apenas um trilho guia central, mas que se locomove sobre pneus.

Translohr
Fonte: NTL

A AFTR apoia e tem preferência por projetos que façam uso de Trens Leves e do Aeromovel:

  • Trens Leves podem ser fabricados pela Marcopolo em Xerem, e pela Bom Sinal em Três Rios.
  • Aeromovel poderá ser fabricado na fábrica da Marcopolo em Xerem.

Conformações do Translohr
Fonte: NTL

Portanto as opções do Trem Leve e do Aeromóvel representam mais emprego e recursos para nosso estado.


QUEM VAI PAGAR A CONTA?

Pequenos municípios podem perfeitamente ter sistemas eficientes de mobilidade, desde que dentro dos quadros da prefeitura não existam “aluados”, pessoas já descritas em postagens anteriores que acreditam piamente que os empresários de ônibus são vilões responsáveis por todos os males do universo.

Além disso algumas dessas pessoas também sofrem do efeito Dunning-Kruger, fenômeno que leva indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto a acreditarem saber mais que outros mais bem preparados, fazendo com que tomem decisões erradas e cheguem a resultados indevidos.

Empresários de ônibus ganham a vida transportando pessoas, e por acaso é em ônibus, pois tendo a possibilidade (com certas condições) de transportar passageiros em modais diferentes que lhes permitam ter lucro. Acreditem, eles podem topar.

Trem a vapor estacionado em Governador Portela, Miguel Pereira
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2021

Pequenos municípios não têm dinheiro em caixa suficiente para absorver investimentos dessa ordem, portanto a primeira providência é procurar os empresários, principalmente os de ônibus, da cidade. Pode ser gente interessada em operar tais sistemas, e para isso é preciso deixar disponível estudos sérios com todos os dados relativos ao valor do investimento, taxa de retorno, demanda… tudo, absolutamente tudo.

VLT na estação de Macaé
Foto: Eduardo (‘Dado’)

O Metrô de Macaé não deu certo, dentre outros motivos, por na época possuir dentro da prefeitura algumas pessoas que recusaram qualquer contato com empresários do setor rodoviário da região.

O primeiro passo para o fracasso é considerar tais empresários como “inimigos”. Isso não é um videogame, nem briga de crianças, é a vida real, é coisa de adultos.


INSTRUMENTOS JURÍDICOS A SEREM UTILIZADOS

Usar o instrumento da PPP (Parceria Público-Privada) é uma possibilidade, tendo em vista desapropriações necessárias para implantação do sistema. Existem outros instrumentos jurídicos, e a PMI é um deles, a municipalidade deve estudar o instrumento mais conveniente para o caso.

Linha 4 – Amarela do Metrô de São Paulo, exemplo de PPP Parceria Público-Privada
Fonte: Mobilidade Sampa


ESTUDOS NECESSÁRIOS EM UM PROJETO

O primeiro estudo a ser feito é o Estudo de demanda, que deve ser feito e pago pela municipalidade.

Existem diversas empresas no eixo Rio x São Paulo capacitadas a fazer isso, novamente usamos o projeto Metrô de Macaé como exemplo, pois lá esse estudo aparentemente não foi feito.

Mapa do projeto do Metrô de Macaé
Fonte: Metrô do Rio

Esse estudo, a partir do traçado proposto pela prefeitura, determinará a demanda de uso do novo meio de transporte, os horários com maior uso provável, a região com maior demanda, por onde o meio de transporte passará, a quantidade de composições necessárias para atender a demanda e sua capacidade, a definição do número de carros/vagões e consequentemente o tamanho das plataformas das estações.

Indicará também locais para construção de estações e, eventualmente de comum acordo com a prefeitura, poderá propor alterações no traçado original visando aumentar o uso do meio de transporte.

· • Informações importantes como o carregamento, aparecem nesse estudo • ·

Normalmente é um trabalho inconclusivo que apresenta diversas sugestões de soluções, mas fundamental para se saber o que vai se fazer.

Recomenda-se, à prefeitura interessada, a contratação de profissionais qualificados para acompanhar o trabalho dessas empresas, fazendo um intercâmbio entre a empresa e a prefeitura.

A AFTR dispõe de gente assim.

O segundo estudo a ser feito, que pode ser feito concomitantemente com o primeiro, é o EVTE: Estudo de Viabilidade Técnico Econômica.

Também a ser pago pela prefeitura.

Esse estudo determinará, a partir da demanda, se o sistema é viável, o custo de implantação tanto da via permanente como o gasto com a compra de veículos, a construção das estações, construção das oficinas, seu custo de operação, sua lucratividade, seu provável faturamento, quantidade de funcionários a operarem o sistema, quantos veículos a serem comprados e qual conformação, tudo que envolva dinheiro.

Resumindo:

  • Custo da via;
  • Custo e quantidade dos veículos;
  • Custo de construção das estações;
  • Custo de construção de oficinas;
  • Custo de operação.

São informações importantíssimas para quem for investir, e informações que a prefeitura deve ter disponível para o provável investidor.

O terceiro estudo a ser feito é o Estudo de operação e forma de bilhetagem.

Esse estudo é também de extrema importância e deve ser encomendado preferencialmente à entidade de classe das empresas de ônibus. Afinal, pelo menos em tese, poderá ser algum dos associados dessa instituição que vai operar o sistema.

VLT na estação de Macaé
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

O BRT do Rio está mal operado, e até o momento não se sabe bem o que será feito dele, entre outros motivos pela ausência de entidades do setor opinando na forma de tarifação e de operação das estações, quando o sistema foi projetado. O sistema BRT hoje tem uma taxa de evasão altíssima e equivalente vandalismo de estações, justamente pelo alijamento dos empresários do setor na idealização do sistema.

Grandes chances, de por interesse próprio, essas entidades arcarem com o custo desse e de outros estudos.

O quarto estudo a ser feito, é um estudo preliminar de engenharia onde as estações são idealizadas, e seu custo estimado.

Obras do BRT Transcarioca, por onde passava um ramal ferroviário no início do século XX
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2013

Ainda não é um projeto executivo, que seria o quinto estudo a ser feito, que só deve-se iniciar mediante o bater de martelo do Prefeito após a conclusão de todos os estudos anteriores.

Projeto executivo, o que é? Junto com a confecção das plantas que darão a volumetria do local a ser construído, será feito o projeto executivo com a quantidade de material a ser usado e o seu custo. É baseado no projeto executivo que se faz o orçamento da obra.

O sexto estudo é o de Interações de Tráfego, ou um Plano Viário, instrumento extremamente importante e o mais simples e de menor custo de todos, pois deve ser feito pelos responsáveis pelo trânsito do município.

Complexo cruzamento na localidade de Cancela Preta, em Macaé, um dos pontos que precisam de readequação urbana e viária
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2012

Desenvolvimento de placas especificas, divulgação junto à população dos cruzamentos, educação para o uso dos cruzamentos com o novo meio de transporte, tudo feito pelo pessoal da própria prefeitura. Onde existirão cruzamentos, do novo meio de transporte com ruas da cidade, deve-se estudar a possibilidade de diminuir essas interações ao máximo, para possibilitar uma velocidade média maior do meio de transporte, isso considerando Trens Leves. Com o Aeromovel isso não será necessário.

· • Apesar de ainda ser importante o estudo de impacto viário para o melhor aproveitamento das estações • ·

Como mostrado neste artigo, é enorme a responsabilidade da municipalidade no processo. Implantar um sistema desses não é como ir em uma loja e comprar um Ferrorama, entenderam os motivos do fracasso de alguns projetos pelo Brasil?

Mais uma vez a AFTR põe à disposição dos municípios sua equipe técnica para ajudar em eventuais projetos apresentando soluções e assessorando prefeitos.

Foto:

Trem operado pela CENTRAL Logística no ramal Guapimirim em 2009
Foto: Eduardo (‘Dado’)

Esperar que empresas públicas, como a Central Logistica, se responsabilizem por esses estudos é como o adulto que escreve cartinhas para o Papai Noel e fica aguardando ele chegar olhando pela janela na noite de Natal. Empresas assim tem pouca ou nenhuma capacidade de ajudar, normalmente e é bem comum não tem gente capacitada a fazer tais estudos.

Se a municipalidade tem uma proposta séria, deve inicialmente arcar com o custo dos estudos necessários, e liderar a gestão desses estudos, para que as coisas possam sair do papel.

Também é importante que os estudos não ignorem a infraestrutura e os sistemas já existentes na cidade e na região. Se há uma ferrovia cruzando a cidade, é possível levantar a possibilidade de utilizá-la mesmo se estiver concedida à operação de cargas (negociando com o operador). Não se pode ignorar os ônibus que já circulam no local, eles são fundamentais para levar os passageiros até as estações do meio de maior capacidade, aumentando a capilaridade e a viabilidade do sistema a ser proposto. Quanto mais demanda, melhor.


EXISTEM OUTROS DOCUMENTOS?

Sim, complementando esses estudos é preciso possuir licenças ambientais e de obras.

Fonte: Rapid City SD

O estudo de impacto ambiental, EIA / RIMA é obrigatório por lei, é o último estudo e necessário para o licenciamento. Ele tanto pode ser bancado pelo ente público quanto por quem irá executar ou operar o meio de transporte proposto

· • Esses documentos são emitidos por órgãos da prefeitura • ·

É estranho como alguns prefeitos, que conduziram projetos que fracassaram, querem explicar o inexplicável, mas não explicam como a prefeitura, sob sua gestão, em nenhum momento iniciou estudos para emissão de licenças ambientais ou licença de obras relativas ao projeto de mobilidade em questão.

Recapitulando:

1º Estudo Estudo de Demanda
2º Estudo ETVE
3º Estudo Operação e Forma de Bilhetagem
4º Estudo Preliminar de Engenharia
5º Estudo Projeto executivo das estações
6º Estudo Plano Viário
7º Estudo EIA/RIMA

E QUANDO O TRAÇADO ABRANGE MAIS DE UM MUNICÍPIO?

Em via de regra os municípios brasileiros são enormes, mas eventualmente podem existir casos em que seja interessante que o traçado de um projeto de mobilidade alcance mais de um município.

Nós da AFTR defendemos, por exemplo, que o traçado do Metrô de Macaé, seja estendido até a cidade de Rio das Ostras, uma linha praticamente reta de 25 km, paralela à Av. Amaral Peixoto.

Testes do Metrô de Macaé no ano de 2012, próximo à Fazenda Mutum
Fonte: Facebook Volta do Trem de Passageiros Magé – Visconde de Itaboraí – Rio Bonito

Na eventualidade de existirem casos como esses é preciso que as câmaras de vereadores dos respectivos municípios aprovem leis autorizando os municípios, que representam, a criarem consórcios e estabelecer todas as regras para o funcionamento desses consórcios.

Isso pode ser novidade para projetos de mobilidade, mas não é para as áreas de saúde e saneamento.

Aqui no Estado do Rio de Janeiro, na região do Vale do Paraíba, existe um consórcio como esse na área de saúde, do qual fazem parte alguns municípios da região.

E se não houver viabilidade para implementar um sistema no município, mas houver deslocamento entre os municípios vizinhos? A Política Nacional de Mobilidade Urbana recomenda que os municípios negociem com seus vizinhos a composição de consórcios intermunicipais. Muitas vezes um município sozinho pode não ter capacidade para executar ou viabilizar um projeto, mas em conjunto com outras cidades, pode ser possível a implantação de novos sistemas.

Além disso a reunião em consórcios intermunicipais tem a vantagem de apenas um plano de mobilidade ser elaborado para todos os participantes, em vez de cada um investir no próprio. Esse é mais um fator que contribuiu para fracasso do Metrô de Macaé, a demanda entre os bairros da cidade não viabilizaria tanto a operação como se atendesse a vizinha Rio das Ostras. Neste caso as chances de sucesso (e de interessados em investir) poderia ser maior.


RECURSOS FEDERAIS

O MRD – Ministério do Desenvolvimento Regional tem linhas de crédito para projetos de mobilidade, dinheiro barato e disponível, não usado pela ausência de projetos consistentes.

O que apresentamos aqui é o caminho das pedras para que esses projetos saiam do papel.


TRENS TURÍSTICOS

O fato de um município ter linhas ferroviárias abandonadas não significa que essas linhas possam ser usadas para turismo. Não é porque alguém “quer” que funcione assim, que pode funcionar.

É preciso primeiro avaliar se o local tem potencial turístico. Um exemplo que pode ser dado é a cidade de Miguel Pereira, pois o fato de ter diversas pousadas e colônias de férias não faz de Miguel Pereira um município turístico. As pessoas não se deslocam regularmente do Rio de Janeiro para Miguel Pereira em busca de atrativos turísticos, naturais ou não. Bem diferente de Petrópolis, por exemplo, que possui diversos atrativos naturais, históricos e contemporâneos.

· • Pessoas ligadas ao setor de turismo devem opinar sobre a viabilidade de tais projetos • ·

A AFTR tem uma extensa postagem sobre turismo escrita com a participação de pessoas ligadas ao setor mostrando a realidade do turismo nacional.

A equipe da AFTR não tem a presunção de ter todas as respostas. Quando soube da movimentação em torno da proposta do Trem turístico de Miguel Pereira e teve acesso aos documentos que embasaram tal proposta, repassou esses documentos para pessoas ligadas à área de turismo, e todos foram unânimes em afirmar que as conclusões obtidas, e que embasaram o projeto, estavam de certa forma equivocadas.

A Rua Coberta, junto á estação ferroviária de Miguel Pereira. É um empreendimento da prefeitura de Miguel Pereira que reúne vários restaurantes, cinemas e um centro comercial visando atrair turistas e visitantes para a cidade.
Fonte: Find Local Business

A região de Miguel Pereira é considerada e conhecida por possuir o terceiro melhor clima do mundo, informação que, no caso de não ser totalmente verdadeira, foi fruto de um bem sucedido plano de marketing. Atualmente está recebendo vários investimentos em infra-estrutura (incluindo a construção de um hospital e de uma faculdade), além da elaboração de diversos projetos com o objetivo de transformar Miguel Pereira em um local com mais atrativos turísticos, como o “Mundo dos Dinossauros“, uma piscina com ondas artificiais, um Teleférico, além do Trem puxado por uma locomotiva a vapor, que infelizmente está aguardando, exposto ao tempo, o início das obras. Entretanto será que essa iniciativa terá fôlego suficiente para ser concluído? O estado do Rio de Janeiro não tem muito dinheiro em caixa para apoiar financeiramente todas as intervenções feitas até o momento, e a prefeitura de uma cidade pequena como Miguel Pereira também pode não ter verba para concluir. Entretanto, estamos na torcida para que tudo dê certo.

Antiga construção, abandonada, no Parque Rocha Negra em Miguel Pereira, planejada para ser a sede do Mundo dos Dinossauros
Foto: O Globo (2019)

Querer também operar tais trens turísticos com máquinas a vapor originais é algo que beira a falta de lógica, essas máquinas não têm peças disponíveis, pouquíssimas instituições no Brasil são capazes de fabricar tais peças, e essas instituições já têm suas próprias demandas. Aqueles que propõe o uso dessas máquinas, junto com essa proposta, devem apresentar nome, endereço, CNPJ, da ou das empresas dispostas a fazer manutenção dessas máquinas e a documentação dessas empresas confirmando a capacidade técnica e disponibilidade para isso.

Obs.: há um movimento recente que pretende reunir antigos profissionais da área, com a intenção e dispostos a montar uma empresa, tendo como foco a produção de peças e manutenção destes antigos veículos, além da adaptação de outras formas e tecnologias, revigorando os equipamentos e tornando-os modernos, mas mantendo a estrutura e aparência original. No entanto esta iniciativa encontra-se embrionária, dependendo de outros fatores, e não se tem ainda demanda suficiente para este tipo de trabalho.

Locomotiva nº 51 da EF Leopoldina em reparo nas Oficinas da ABPF em Além Paraíba-MG
Fonte: Blog Trem da Serra do Rio de Janeiro

Outra situação também fadada ao fracasso é o uso de locomotivas G-12 para tracionar trens turísticos. As locomotivas existem, mas os vagões não, tais vagões não estão à disposição para uso como carros à venda em concessionarias. Quando disponíveis precisam de vultosas reformas. Além disso, muito se fala em transporte de passageiros por trem usando as mesmas G-12. São locomotivas excepcionais, mas fabricadas para tracionar composições de graneis e não de passageiros, locomotivas com capacidades acima de 1200 HP, com consumo condizente com sua potência, bem diferente dos motores utilizados nos trens leves que não ultrapassam 440 HP. É como colocar um Camaro para prestar serviço de taxi com seus 461 HP de potência, bem diferente de um Ford Fiesta com seus 130 HP de potência.

Maquete do VLT, ops 😁, Trem Leve da Marcopolo
Fonte: Universo Motor

Muito mais eficiente e coerente, é usar os Trens Leves fabricados pela Marcopolo e pela Bom Sinal. São veículos bem mais econômicos que as locomotivas G-12. Considerando que o custo de combustível pesa, e bastante, na planilha de despesas de tais empreendimentos, a coerência manda usar composições econômicas, e isso os Trens Leves são.

O uso de locomotivas como as G-12 em projetos turísticos, por conta do consumo de combustível, colocará a passagem em um valor proibitivo para tornarem-se viáveis.

A ABPF e a Serra Verde Express conseguem ganhar dinheiro operando composições com essa locomotiva obedecendo aos seguintes parâmetros:

  • Operam trechos curtos;
  • Operam a baixa velocidade;
  • Cobram tarifas de no mínimo R$ 70,00

Trem da ABPF Regional Santa Catarina, com tração auxiliada por uma locomotiva G12
Fonte: Youtube

Apresentamos uma sequência de seis estudos a serem feitos para a implantação de Trens Leves, ou outro meio de transporte. Esses mesmos estudos também são necessários para implantação de Trens Turísticos. Ultimamente, em todos os projetos apresentados no estado do Rio de Janeiro, algo faltou, incluindo aí os estudos apresentados neste artigo.

Informação Importante 3:

Esses estudos são sempre fundamentais?
Projetos turísticos só devem ser efetivados mediante tais estudos?

· • NÃO • ·

Bruno Sanches, Presidente da ABPF Sul de Minas, desde sempre morou em Cruzeiro e conhecia profundamente o movimento ferroviário da região.

Com a derrocada da RFFSA, com recursos próprios e de amigos, resolveu fazer algo e daí surgiram o Trem das águas de São Lourenço e outros serviços. Provavelmente pelo sucesso dos empreendimentos, ele hoje tenha apoio das municipalidades e outros tipos de patrocínios, mas no início o risco foi próprio.

Bem diferente de projetos como os de Macaé e de Miguel Pereira onde a iniciativa partiu da municipalidade, portanto com o uso de dinheiro público. Se a intenção é conseguir parcerias do empresariado, este deve ter todas as informações necessárias.

Se a intenção for que o município opere, estando dinheiro público envolvido, a população deve ter todas as informações necessárias. É a lei.


CONCLUINDO

A AFTR espera com essa postagem mostrar que implantar um sistema de trens turísticos, ou um sistema de Trens Leves ou de Aeromóvel, não é algo feito a partir de informações obtidas em uma mesa de bar, é trabalho complexo que envolve diversas empresas e diversas pessoas, algo a ser feito com responsabilidade.

Esses estudos preliminares podem demorar para ficarem prontos, mas precisam ser feitos. E quando isso não é feito, os fracassos e os prejuízos são imensos, e estão acontecendo constantemente.

· • A AFTR está à disposição para colaborar, mas sempre com os pés no chão • ·

Informação Importante 4: esses estudos em sua maioria são públicos. Defender, como em alguns casos, de forma passional um ex-prefeito responsável pela compra dos Trens Leves, isentando-o de culpa pelo fracasso, onde ele não mandou fazer nenhum desses estudos, alguns totalmente de competência da prefeitura, é um pouco estranho. Outro fato que aconteceu, no mesmo local, foi a afirmação aos quatro ventos de correligionários do ex-prefeito de que os “estudos desapareceram”. Não se pode desaparecer com algo que nunca existiu.

Testes do VLT Carioca na Praça Mauá
Fonte: Certifier

Que nossos leitores entendam o seguinte: o Estado, em suas diversas instâncias, deve cuidar daquilo que é função dele. Saúde, segurança, educação, e delegar por meio de leis aquilo que nada tem a ver com funções do estado, como projetos de mobilidade. Apesar do transporte ser responsabilidade da prefeituras, isso é feito normalmente através de concessões, então o processo correto é delegar aos responsáveis adequados esta função. A municipalidade pode incentivar por meio de leis a implantação de tais serviços, sempre existem empresários dispostos a investir e operar tais projetos, desde que sejam viáveis e apresentados os estudos relacionados acima pela AFTR.


E SOBRE O METRÔ DE MACAÉ?

Apesar de algumas críticas, a equipe da AFTR reconhece a Importância desse projeto, e deseja que em algum momento pessoas ligadas a prefeitura de Macaé, dessa ou de futuras administrações, percebam os benefícios que a retomada e a conclusão do projeto do Metrô de Macaé representará para a cidade, e o concluam.

Mas com a participação de pessoas certas que possam alavancar e contribuir com o projeto, de preferência seguindo essa cartilha apresentada hoje e fazendo todos os estudos necessários, extremamente importantes para dar embasamento ao projeto.

 

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Agradecemos a leitura. Até a próxima !

(A opinião constante deste artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo, necessariamente ou totalmente, a posição e opinião da Associação)

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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