Tempo de leitura: 12 minutos

Por Eduardo (‘Dado’)
Colaborações de Leandro Castro, Mozart Rosa e Rodrigo Sampaio

Monotrilho, Monocarril ou Monorail é um tipo de transporte ferroviário onde o ponto de apoio é um único trilho, diferentemente das ferrovias tradicionais, que possuem dois trilhos paralelos. Há relatos de que o primeiro sistema desse tipo tenha sido idealizado em 1820 na Rússia e em 1821 o primeiro a transportar passageiros em Londres: o Monotrilho de Palmer.

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Monotrilho de Palmer – Londres 1821

Entretanto o Wuppertaler Schwebebahn, monotrilho Alemão inaugurado em 1900 e ainda em funcionamento, é considerado o primeiro meio de transporte pleno a usar esse sistema. Ele também se diferencia de vários sistemas atuais por ser suspenso, ou seja, o trilho central fica acima da composição, quando o mais comum é a composição ter a tração e se apoiar sobre o trilho central. Na Alemanha existem outros Monotrilhos nesse mesmo estilo, por exemplo o H-bahn da Universidade de Dortmund, e o SkyTrain do Aeroporto de Dusselford.

Monorail de Wuppertal, Alemanha (Fotos: Leandro Castro)

Outros exemplos de Monotrilho, também na Alemanha (Fotos: Leandro Castro)

No Brasil alguns projetos foram elaborados mas poucos saíram das pranchetas, como por exemplo o de Poços de Caldas-MG e o do Barra Shopping no Rio de Janeiro. Atualmente ambos encontram-se desativados, mas na cidade mineira há planos para a sua reativação.

Em São Paulo foi construída a Linha 15-Prata ligando São Mateus a Vila Prudente, pretendendo ser um sistema de alta capacidade de transporte e maior do mundo em quantidade de passageiros. Com uma extensão total de 24 quilômetro e 17 estações, as composições que percorrem o trecho, fabricadas pela empresa canadense Bombardier, podem transportar 1000 passageiros por composição, oferecendo até 48000 passageiros transportados por hora e por sentido, em uma demanda estimada de mais de meio milhão de passageiros diários. Apesar de ser um excelente veículo e opção em mobilidade várias falhas prejudicaram a plenitude do sistema. Em 2016 uma composição partiu de portas abertas, e pouco antes duas passageiras quase ficaram presas quando as portas reabriram. Em 2019 duas composições se chocaram na estação Jardim Planalto devido a uma falha de sinalização, algo infelizmente não tão incomum de ocorrer nessa linha. Mais tarde, no fim de fevereiro de 2020, o estouro de pneus utilizados na tração do veículo causou a paralisação do funcionamento de todo o sistema.

A equipe da AFTR percorreu o trecho da Linha 15-Prata no ano de 2018, entre as estações Oratório e Vila Prudente. As impressões foram as mais diversas: como ponto positivo podemos assinalar a rapidez e a eficácia em vencer obstáculos que seriam intransponíveis percorrendo a região de carro ou ônibus, como os congestionamentos frequentes. Mas podemos apontar também que a região atravessada pelo sistema sofre constantemente com inundações quando chove forte, e o Monotrilho não sofre nenhuma interferência em relação a isso.


Monotrilho atravessando área de alagamento – Fonte: Canal LSMobilidade

Além disso pudemos constatar também que o veículo é rápido, silencioso e Driverless, ou seja, é conduzido remotamente direto do Centro de Controle, dispensando um maquinista ou operador na cabine (o vídeo abaixo demonstra isso, pois foi gravado em uma das suas extremidades).

Viagem no Monotrilho da Linha 15-Prata em julho de 2018
Imagens: Eduardo (‘Dado’)

Entretanto pudemos perceber algumas falhas: o veículo trepida excessivamente o que pode ter provocado, de acordo com análises técnicas posteriormente, desgaste e até ruptura de peças. Em ambos os vídeos acima pode se perceber que, mesmo sob superfície estável, a câmera balança muito dando a impressão de que o veículo poderia quicar e sair do trilho (obviamente um exagero, mas a sensação de fato era essa). Análises técnicas posteriores à paralisação da operação detectaram o que já era percebido anteriormente: quase 200 pontos com falhas na via em que o veículo circula, provocando o desgaste excessivo de peças e dos próprios pneus.

Um produto qualquer entre sua concepção, seu projeto e sua execução envolve muita tentativa e erro. Depois que finalmente chega-se a uma versão definitiva e consolidada, mudanças em seu projeto para ampliação de capacidade devem ser feitas com cuidado pois a quantidade de fatores envolvidos em sua elaboração é muito grande.
O monotrilho se consolidou como um sistema de baixa a média capacidade para trajetos curtos. O Governo do Estado de São Paulo achou que seria simples pegar esse sistema já consagrado para uma situação específica e transporta-lo para um transporte de massa na maior cidade do país. Deve-se atentar ao fato de que o custo de construção em alguns trechos seria e ficou próximo ao do metrô. (…) As etapas que um projeto dessa envergadura deveria ter aparentam ter sido queimadas. O que deu errado no projeto jamais saberemos. Mas é óbvio que deu.
A meu ver a solução passa pelo redesenho de todo o sistema de tração: algo custoso e demorado por implicar testes de campo e construção de modelos, o que na situação emergencial atual não parece viável. Um processo desse pode demorar bastante tempo, algo que não se tem no momento. Portanto aparentemente a solução parece ser limitar a ocupação dos veículos o que poderá ser desastroso. – MR, Engº mecânico.

Hoje se admite que houve falhas em diversos pontos: na estrutura, nos trens, no projeto, na demanda e impacto sobre o funcionamento, que podem ter sido subestimados ou mal dimensionados de acordo com a quantidade de pessoas a serem transportadas diariamente. Ou seja: aparentemente o Monotrilho teria sido planejado com uma projeção de usuários diários mas o projeto não teria sido executado de modo a suportar essa demanda. Mesmo recebendo uma premiação na categoria “Inovação em Intermodalidade” pela União Internacional dos Transportes Público (UITP) levando em consideração alguns fatores como a alta capacidade de transporte em uma infraestrutura relativamente leve, de mais fácil construção que um sistema de metrô, além da redução significativa dos prazos de implantação (a metade de um metrô convencional) e dos custos menores, cálculos de técnicos da AFTR atestam que a diferença não foi tão significativa em termos financeiros. Contudo ainda haveria vantagens na escolha da implantação do sistema no trecho, dentre elas os fatos de que o valor de construção ficou apenas aproximadamente 5% mais barato que um sistema de Metrô leve mas por outro lado ofertaria 10 mil passageiros a mais por hora e por sentido, tendo ainda uma estrutura teoricamente mais enxuta. Como aspecto negativo porém, e que poderia ser diferente se tivesse adotado outras opções, foi o fator chamado de Vendor lock-in: uma espécie de “aprisionamento tecnológico” literalmente falando. Na prática é uma tecnologia proprietária, que apenas uma empresa produz ou fabrica, deixando o “comprador” ou idealizador do projeto dependente exclusivamente desse fornecedor, tanto na aquisição como na manutenção de determinado sistema.

Monotrilho da Linha 15-Prata em São Paulo (Fotos: Leandro Castro)

O problema não foi causado nos pneus? Eles são de fornecimento exclusivo da Camso, algo que sempre me preocupou (e não só no Monotrilho, outros sistema metroferroviários que usam pneus, como em Santiago, México, Montreal, Paris, e tantos outros que utilizam tecnologia exclusiva de único fornecedor). E a crise pode até piorar, porque a Bombardier vendeu pra Goodyear as patentes de fabricação para fornecimento de seus pneus enquanto a divisão de transporte foi para Alstom, que tem fornecimento exclusivo com a Michelin. E poderiam ter construído ferrovia elevada, subterrânea, VLT, (…) o que fosse. Ficar preso a um único fornecedor ou não exigir transferência de tecnologia causa esses problemas (…). Se tratando da capacidade de demanda, pra uma região tão adensada, talvez nem metrô pesado convencional atendesse adequadamente… apesar de preferir sistemas mais flexíveis, ao menos o Monotrilho oferecia uma solução.” – Rodrigo Sampaio, diretor AFTR

Entretanto segundo opiniões variadas é notável que o debate e as soluções precisam ser encaradas mais a fundo, com visão séria e técnica, o que não tem sido feito até o momento. Mais de meio milhão de pessoas atualmente voltaram a depender de ônibus, muitas vezes desconfortáveis, encarando congestionamentos e reduzindo a qualidade de vida de seus usuários, que enfrentam novamente várias e várias horas em seus deslocamentos diários.

E o que tudo isso tem a ver com o Rio de Janeiro ?

Desde o século XIX existem projetos de ferrovias sob a Baía de Guanabara ligando o Rio de Janeiro à cidade de Niterói. E a partir da segunda metade do século XX, com o avanço nos estudos e projetos sobre o sistema metroviário, tenciona-se fazer essa ligação através do Metrô ligando as duas cidades, atualmente dependentes da Ponte Rio – Niterói e das Barcas. A partir de Niterói o projeto teria continuidade através da chamada Linha 3 (que infelizmente já quase se tornou uma lenda, depois de tantas promessas não executadas), ligando essa cidade a São Gonçalo e possivelmente também a Itaboraí. Esse trecho ocuparia a faixa de domínio da antiga Linha ferroviária do Litoral da EF Leopoldina, abandonada e posteriormente erradicada por volta de 2007, hoje já com trilhos arrancados em todo o trecho pelo menos até Visconde de Itaboraí, demandando invasões, obras públicas e adequações urbanísticas, além de diversos outros fatores que atrapalham qualquer iniciativa de implantação de um sistema sobre trilhos na região.

Imagens feitas durante expedição AFTR no trecho erradicado da Linha do Litoral da EF Leopoldina em 2014 (Fotos: ‘Dado’)

A região é bastante carente de um sistema de transportes de alta capacidade, já que Niterói possui aproximadamente 500 mil habitantes e São Gonçalo mais de 1 milhão, sendo uma das cidades mais populosas do estado do Rio de Janeiro. Os moradores de ambas as cidades são dependentes exclusivamente dos ônibus e do trânsito pesado para se locomoverem entre elas, o que resulta em menor produtividade, inconsistência logística e pior qualidade de vida, dentre outros fatores prejudiciais.

Dados estatísticos sobre Niterói e São Gonçalo (Fonte: IBGE)

Várias alternativas foram estudadas e propostas para substituir a ferrovia erradicada e solucionar esses problemas:

  • BRT: devido a diversos fatores como a quantidade de interferências e cruzamentos com a via, as desapropriações necessárias no trecho, a própria ineficácia do sistema em absorver grande quantidade de passageiros já que não é um sistema de alta capacidade, e o histórico desastroso com experiências anteriores na cidade do Rio de Janeiro torna-se assim praticamente inviável e não recomendável a adoção de corredores expressos de ônibus;
  • Metrô: como pontos positivos podemos citar a capacidade em absorver e transportar grande quantidade de passageiros, a rapidez e a pouca influência com o entorno (no caso de ser subterrâneo) ou menor impacto caso seja em via elevada. Em superfície seria um impacto urbanístico muito grande, tornando-se impeditivo.

Entretanto mais uma alternativa foi sugerida, em estudos do Governo do Estado: a construção de um Monotrilho ligando Niterói a Guaxindiba, em Itaboraí, passando por São Gonçalo.

O projeto do Monotrilho para ser implantado na Linha 3 do Metrô, ligando principalmente Niterói a São Gonçalo, uma das cidades mais populosas do estado e que até hoje não possui um sistema de transporte de massa

Essa opção é de certa forma viável, mas é interessante analisar a proposta sob várias nuances:

  • A implantação pode ser facilitada e com menor custo que uma linha de metrô subterrânea;
  • Provoca menor impacto paisagístico e urbanístico pois haveria menos desapropriações e obras de infraestrutura ao nível do solo (podendo haver readequações no entorno dos pilares de sustentação da via);
  •  A obra seria feita em menos tempo que uma linha de metrô (teoricamente, pois sabemos que na prática isso dificilmente ocorre);
  • Transportaria mais passageiros que um sistema de corredores expressos para ônibus ou um BRT.

Contudo há muitos pontos negativos que devemos levar em consideração. Na teoria, no projeto e no vídeo acima tudo funciona de forma bela e satisfatória. Mas precisamos visualizar os dois lados da moeda:

  • Um Monotrilho provavelmente seria construído a partir de experiências de fora do país ou mesmo baseado na obra da Linha 15-Prata de São Paulo. O material rodante provavelmente importado e dependente de patentes e do próprio fabricante, atando-se ao mesmo para que a manutenção, fabricação e substituição de peças sejam realizadas sob medida;
  • A demanda seria muito grande pois o fluxo de passageiros diários entre São Gonçalo, Niterói e o Rio de Janeiro é bastante intenso. Algo inédito, ou próximo do caso de São Paulo mas com aperfeiçoamentos e adequações, precisaria ser feito elevando o sistema de Monotrilho a um patamar superior à maioria dos sistemas do mundo;
  • O material rodante (trens) não teria interoperabilidade com nenhum outro sistema implantado antes na região e nem mesmo em outras cidades, tornando-o exclusivo, contudo, isolado;
  • Impossibilitaria a comunicação direta com uma futura expansão do Metrô entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói (podendo realizar integração, entretanto);
  • Assim como também impossibilitaria a comunicação direta com outros sistemas ferroviários, como a própria Linha do Litoral, onde ainda há trilhos, que podem ser reativados e religados à Magé, às outras cidades da Baixada Fluminense e também à região Norte-Fluminense;
  • Em projetos da AFTR que estão em desenvolvimento visualizamos o uso de determinados trechos de forma mista, podendo transportar passageiros e cargas. Isso torna-se inviável com a adoção do Monotrilho na região.

Todos esses fatores devem ser levados em consideração ao se definir que tipo de veículo será implantado para transportar centenas de milhares de pessoas diariamente. Por esse viés o Monotrilho não parece ser uma opção para o trecho. Ele pode ser bem eficiente e uma solução interessante para outros trechos, mas investir nesse modal na Linha 3 parece ser bem arriscado e audacioso. Nesse caso vários aspectos e estudos nos levam a crer que a melhor opção seria a opção de uma linha de Metrô, seja elevada ou subterrânea, ou um misto dos dois tipos, dependendo da região atravessada.

E vocês, o que acham ? Comentem, curtam, compartilhem !

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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