Com informações de Mozart Rosa, familiares de Délio Moreira de Araújo, e do site VFCO*
E eis que trazemos novamente informações sobre aquela velha dicotomia que divide o setor ferroviário, aquela velha luta que alguns consideram uma luta entre o bem e o mal, aquela luta entre mocinhos e bandidos, que mais parece coisa de folhetins, novamente aquele tema que provoca debates acalorados entre os aficionados por ferrovia. Bitola larga ou bitola estreita.
Tema que está presente nos corações e mentes daqueles que militam no setor. A maioria, desconhecendo informações básicas que a Trilhos do Rio posta regularmente e que novamente postará mais um conjunto de informações, tentaremos iluminar corações e mentes dessas pessoas. Será que conseguiremos?
Parece mais a antiga briga vivida por nossos pais e nossos avós na década de 60, entre fãs de Emilinha Borba e Marlene, ou mais recentemente entre fãs da DC ou da Marvel, onde tudo se resume a uma disputa baseada apenas na emoção, sem nenhum critério técnico ou de racionalidade.
Briga que jamais deveria existir, mas que infelizmente ainda existe.
Quem acompanha as postagens da Trilhos do Rio sabe de nossa luta em mostrar aspectos da história das ferrovias brasileiras, a maioria simplesmente ignorada por muitos, que se dizem entendidos ou especialistas do setor, aspectos que nunca aparecem até mesmo em teses de mestrado, TCC ou congêneres. E muito dessas nossas informações, algumas exclusivas, versam justamente sobre essa disputa. As pessoas preferem optar em tirar informações sabe-se lá Deus de onde para então publicar. Copiam o que acontece em outros setores hoje do Brasil, onde o que vale é a narrativa, não a informação.
Abaixo publicamos um texto que não é nosso, foi retirado do Site “Via Férrea Centro Oeste, VFCO”, texto escrito pelo Sr. Délio Araujo, sobre as vantagens da bitola métrica comparadas a bitola larga, texto escrito sem emoção que é algo que a maioria que defende a bitola larga usa para defendê-la, aqui temos apenas aspectos técnicos. Nesse texto, não é mencionado o centro de gravidade, mas já apresentamos esse aspecto em outra postagem.
Ao final, publicaremos o link para interessados em conhecer o Site “Viação Férrea Centro Oeste, VFCO”, ou lerem o artigo da forma original como foi publicado.
Em respeito a quem escreveu o texto, não fizemos nenhuma mudança, fizemos apenas essa introdução, e agrupamos os dois textos publicados consecutivamente em um só. Texto esse bem esclarecedor sobre o tema, com diversas informações técnicas, que corroboram o que a Trilhos do Rio tem publicado e defendido ao longo dos anos.
Ao final, publicamos uma pequena biografia do Sr. Délio Araujo, mas pela forma como escreve e pelo conteúdo que apresenta, mostra que além de ser conhecedor do tema, é um excepcional técnico. Acreditamos que esse texto possa tirar muitas dúvidas. Até para nós que, vez por outra, escrevemos sobre o tema, aprendemos com ele.
Boa leitura. Sejamos sinceros, ótima leitura, peguem um café, um pratinho de pães de queijo e se deliciem com esse artigo. Uma joia rara a ser apreciada.
Esta postagem é dedicada a todos, mas com carinho especial àqueles que defendem apaixonadamente a bitola larga, sem terem a menor ideia do que estão defendendo. Que com suas posições mais se parecem com os membros de uma seita.
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A GUERRA DAS BITOLAS: MAIS UM CAPÍTULO
Alteramos apenas o título. O título original do texto é:
BITOLA MÉTRICA OU LARGA? UM ESTUDO DO PONTO DE VISTA ECONÔMICO DAS FERROVIAS
Délio Araújo
Centro-Oeste n.º 15 (abril–maio/1986) e Centro-Oeste n.º 17 (julho–agosto/1986)
Esse texto foi originalmente publicado em duas postagens do Site Viação Férrea Centro Oeste, VFCO.
A área dos transportes ferroviários constitui uma das mais fascinantes da economia dos transportes, exatamente porque, na análise de situações concretas, muitas vezes são ignoradas ou são colocadas em segundo plano os aspectos e as implicações econômicas, preferindo-se antepor-lhes os aspectos e as implicações técnicas e políticas.
Um dos pontos básicos, no caso específico da economicidade dos sistemas ferroviários de bitolas desiguais, é a definição de qual bitola deverá ser adotada como padrão dentro dos critérios econômicos.
Este problema interessa não apenas ao Brasil, cuja rede comercial opera duas bitolas, a larga (1,600 m) e a métrica (1.000 m). A EF Amapá, por seu isolamento, pode ser deixada de lado, com sua bitola padrão (1,435 m).
A Argentina (bitola métrica, 1,435 m e 1,670 m), a Austrália (1,067 m, 1,435 m e 1,670 m), a Índia (1.000 m e 1,670 m), a Espanha (1.000 m e 1,670 m), a Suíça (1.000 m e 1,440 m), além de muitos outros países, apresentam sérias dificuldades de intercâmbio devido à quebra de bitolas.
No Brasil, a bitola oficial e legal é de 1,600 m, desde o governo Médici. No entanto, em termos de economicidade real, são bastante discutíveis os motivos que levaram a essa escolha.
Em primeiro lugar, a bitola métrica pode operar trens tão compridos e pesados como qualquer outra bitola mais larga. Exemplo temos em casa, a EF Vitória a Minas (métrica), que nada fica a dever à sua irmã, EF Carajás (1,600 m). Antes, parece que a economia operacional comparada favorece, ligeiramente, a bitola métrica.

Fora do Brasil, temos a linha de Saldanha Bay, na África do Sul, com seus trens de mais de 20.000 toneladas, elevado peso por eixo e notável economia operacional, em pé de igualdade com a formidável Duluth, Missabe and you range, a campeã americana e mundial nessa categoria de transporte. Nessas três linhas, prepondera o escoamento de minério de ferro.

No caso do carvão, os trens mais pesados fora dos EUA (1,435 m), Canadá (1,435 m) e URSS (1,520 m) circulam no Estado de Queensland, Austrália (1,067 m). Em carga geral, os trens da África do Sul (1,067 m), mesmo empregando o freio a vácuo, colocaram-se abaixo dos EUA e Canadá, e à frente de todos os países europeus.
O que mais interessa, em economia dos transportes, é o gabarito útil dos veículos. Por exemplo, o gabarito útil do material rodante de carga da bitola métrica brasileira oferece maior capacidade de oferta de espaço e de peso que a maioria das ferrovias europeias, asiáticas e africanas. O Japão (1,067 m) opera vagões-cegonha de dois andares, destinados ao transporte de automóveis.

Em segundo lugar, o que mais contribui para a economicidade do êxito comercial de um sistema ferroviário é a uniformidade da bitola. Não é a bitola como tal. Mas interessa o escoamento fácil, rápido e confiável do tráfego, do que propriamente a bitola. Por isso, a uniformização da bitola deve dar-se na direção daquela bitola que oferece menores custos de uniformização, manutenção e operação.
Nesses três aspectos, a bitola métrica concorre favoravelmente com qualquer outra uniformização.
- É mais barato simplesmente colocar um trilho interno para estreitar a bitola do que alargar cortes, aterros, pontes, etc., para alargar a bitola mediante um trilho externo.
- Na manutenção, é mais barato trabalhar com menor volume de lastro, menor desgaste de trilhos (especialmente nas curvas), menores dimensões e peso dos dormentes, etc.
- Na operação, é mais interessante economizar em termos de resistências (e, consequentemente, em termos de energia) …
- No investimento, tanto inicial como de reposição, pode-se economizar tanto mais quanto mais estreita é a bitola.
O que, em sentido mercadológico, torna eficientes os sistemas ferroviários americano-canadense, inglês, europeu ocidental, sul-africano, japonês (excluindo-se o Trem Bala, é claro), é:
- A cobertura espacial dos mercados nacionais e internacionais a que servem; é a uniformidade da bitola, e não a sua largura
- Uma das mais sérias restrições que se fazem à bitola métrica refere-se à velocidade máxima que o afastamento de 1 m admite. Nesse aspecto, devemos distinguir entre o passado e o presente.
As linhas de bitola métrica sempre foram abertas tendo em vista velocidades baixas, reduzido custo de
implantação, trilhos leves e outros fatores técnicos e econômicos restritivos.

Não podia ser de outra maneira. Eram construídas em áreas pobres, de reduzido tráfego, ou de perspectivas futuras incertas. Nunca devemos nos esquecer que as bitolas estreitas sempre foram construídas em países ou áreas que, na época, apresentavam baixos recursos e capital ou baixa expectativa de expansão de tráfego futuro. O Brasil foi um desses países. A África do Sul, a Austrália e o Japão, também.
Não é de admirar, pois, que essas linhas fossem construídas em padrões técnicos acanhados, que inibiam velocidades elevadas. O próprio Japão não se distinguia em velocidade, a não ser após a destruição decorrente da II Guerra Mundial. Com a recuperação do sistema ferroviário japonês, as velocidades foram sendo elevadas. De 10 horas entre Tóquio e Osaka, os expressos diretos passaram, nos anos 50, a cobrir 556 km em 6h30min. As velocidades elevadas se devem antes ao traçado e não tanto à bitola.
Segundo uma das grandes autoridades brasileiras em Engenharia Ferroviária, o eng° Helvécio Lapertosa Brina, que tive a satisfação de conhecer, a bitola métrica admite, conforme o critério de segurança, V = 4,3 x Raiz(R); e para o critério de conforto, V = 4,1 x Raiz(R).
A bitola larga, 1,600 m, admite respectivamente V = 4,8 x Raiz(R) e V = 4,5 x Raiz(R).
Em ambos os casos, V é a velocidade máxima e R o raio da curva em metros. Ora, uma simples regra de três bastará para indicar que a bitola métrica admite praticamente 90% da velocidade da bitola larga, nas mesmas condições de curva.
Por exemplo, onde a bitola larga admite 144 km/h, a bitola métrica admitirá 129 km/h, segundo o critério de segurança. Essa diferença, em economia dos transportes, pode-se provar que é marginal, não podendo, portanto, ser tomada como definitiva para se determinar a economicidade de implantação e operação de um trecho ferroviário.
Antes, na maior parte dos casos, a economicidade ficará pendendo para a bitola métrica. A economicidade baseada na análise marginal não é o mesmo que vantagem física ou matemática teórica. Trata-se de coisa completamente diversa, à qual não se pode chegar usando processos e avaliações baseadas em princípios isolados de mecânica, de matemática ou mesmo de economia.
Por outro lado, o Japão operará, sem modificar raios de curva nem investir pesadamente em linhas novas, a 160 km/h a sua bitola métrica, em 1987. No Brasil, o recorde ficou com a ex-Mogiana, que fez trafegar uma automotriz Budd a 110 km/h, e não superou essa marca porque o veículo não tinha potência para mais.
Os trens japoneses foram testados a 179 km/h, sendo construídos para 200 km/h. Com tais velocidades, espera-se que não se tornará tão premente a expansão da rede de trens-bala nem o custo operacional e de manutenção da mesma. O critério econômico em contraposição ao critério técnico puro!
Agora, uma curiosidade um tanto afim ao enfoque das velocidades. Não é só no serviço de passageiros que a bitola métrica admite boas velocidades de cruzeiro. No serviço de cargas, as velocidades de cruzeiro vão até 100 km/h (Japão), com velocidade média, incluindo paradas, de quase 70 km/h. A África do Sul e alguns dos sistemas australianos têm conseguido índices altamente positivos com trens de carga, superiores aos europeus e inferiores somente aos dos EUA e Canadá.
Não é necessário referir aqui o desempenho da EF Vitória a Minas. Seria até mesmo uma redundância.
O trem de passageiros de maior luxo circula na bitola métrica sul-africana: o Blue Train, O Trem Azul, Cobre os quase 1.500 km entre a cidade do Cabo, Pretória e Johannesburgo em cerca de 20 horas. A linha vence diferenças de até 1.500 metros e mais, em um dos mais pesados trechos do mundo. É percorrido por cargueiros de até 4.000 toneladas. Trata-se de um teste magnífico de adaptabilidade, da potencialidade e do desempenho da bitola métrica, 1,067 m, no caso.


Abaixo os links originais das postagens para os interessados.
http://vfco.brazilia.jor.br/ferrovias/bitolas/CO-15-bitola-Metrica-Larga-estudo-economia-1.shtml
http://vfco.brazilia.jor.br/ferrovias/bitolas/CO-17-bitola-Metrica-Larga-estudo-economia-2.shtml
Conclusão, escrita por Trilhos do Rio
Baseado nas informações acima e obviamente em tudo o que já postamos sobre o tema, consegue-se mensurar o quanto de dinheiro foi gasto de forma desnecessária no Brasil, pelos adoradores da bitola larga e o quanto é importante para o Brasil, para a economia brasileira e para o desenvolvimento do Brasil, estudar a Guerra das Bitolas e suas consequências funestas para o Brasil?
A Ferrovia do Aço foi o exemplo maior.
Obrigado aos que chegaram aqui.
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Quem foi o Sr. Délio Araujo? Homenagem Póstuma.
Délio Moreira de Araujo nasceu em 14 de setembro de 1931 em Ouro Fino, Minas Gerais. Passou sua infância em Belo Horizonte, onde teve seus primeiros contatos com a ferrovia, paixão que fomentou durante toda a sua vida. Aos dezessete anos, ingressou no seminário, tornando-se mais tarde jesuíta. Na Companhia de Jesus, acrescentou Ciências Sociais à formação religiosa, atuando em vários estabelecimentos de ensino da Ordem espalhados pelo Brasil. Em suas viagens pelo país, nunca perdeu a oportunidade de conhecer e pesquisar sobre as ferrovias locais.

Foi aos Estados Unidos da América (EUA) para o curso de mestre em Ciências Econômicas na Universidade Loyola de Nova Orleans, curso realizado na área de concentração de economia dos transportes. Na ocasião, defendeu uma tese sobre o uso da bitola métrica nas ferrovias. Viajou boa parte da América do Norte de trem durante suas pesquisas para a pós-graduação, coletando informações sobre as ferrovias americanas. Depois fez doutorado na mesma área, na Boston College e defesa sendo apresentada na Universidade Católica de Goiás (UCG). Durante sua estadia nos EUA apresentou uma pesquisa ferroviária que chamou a atenção do Governador do Texas, sendo agraciado então com o título de cidadão honorário do respectivo estado americano.
Voltando ao Brasil dedicou o resto de sua vida ao ensino e pesquisa de economia na UCG, cargo de professor que exerceu até sua aposentadoria, totalizando mais de 40 anos de magistério na instituição. Em 1976 deixou o sacerdócio Católico para se casar com Célia Gonçalves Galvão, com quem teve três filhos. Foi superintendente do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais do Estado de Goiás (IPES). Participou das pesquisas iniciais sobre a implantação do metrô de Goiânia e do Veículo Leve sobre Trilhos ligando Goiânia e Brasília, ambos projetos que infelizmente nunca deixaram o papel.
Foi defensor ferrenho do modal ferroviário em todas suas vertentes escrevendo incontáveis artigos científicos, materiais e artigos de jornais, orientando monografias sobre o tema. Escreveu livros sobre ferrovias e métodos estatísticos para economistas.
Sua maior paixão foram as ferrovias com um lugar especial guardado para as Maria-fumaça e, assim, durante anos foi um ferromodelista de mãos-cheias.
Faleceu em 26 de junho de 2021 após uma longa luta contra o Alzheimer.
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Texto escrito/recebido em 27 de junho de 2024 às 16h03
Última atualização em 27 de junho de 2024 às 19h40
Imagem de capa: gerada por IA (Bing)