Tempo de leitura: 5 minutos

Por Mozart Rosa

Dando continuidade a uma série de textos de cunho eminentemente técnico, iremos explicar os prováveis motivos da queda do setor como um todo, ao longo de anos. Tentaremos assim esclarecer diversos pontos que até hoje são debatidos mas por vezes equivocadamente divulgados e defendidos, e assim demolir uma série de mitos.
Boa Leitura a todos.

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O5-As Bitolas

Bitola é um termo mais comumente usado no meio ferroviário para designar a distância entre os trilhos de uma ferrovia. Inicialmente a pioneira Estrada de Ferro construida por Mauá usava bitola Ibérica, posteriormente Indiana (1,676 m), mas hoje é uma bitola praticamente extinta, caiu em desuso.

Locomotiva Nº1 – Baroneza, a primeira a circular na Estrada de Ferro Mauá em bitola 1676mm (na foto já convertida para 1,000mm)

Posteriormente Cristiano Otoni, ao construir a Estrada de Ferro Dom Pedro II até Barra do Piraí, optou pela Bitola Irlandesa (1,60 m), e com o passar dos anos, após varias idas e vindas e adoção de várias bitolas (0,76 m / 0,60 m / 1,10 m dentre outras), se convencionou para o restante do Brasil a bitola métrica (1,00 m). Inicialmente isso teve como motivo a oferta de locomotivas novas e usadas disponíveis no mercado.


A diferença entre as bitolas
Fonte: Canal Decapod

Além disso nossas ferrovias começaram a ser construidas pouco tempo depois de iniciadas as ferrovias em si, mas era tudo ainda embrionário, tudo feito na base da tentativa e erro e muitos erros foram cometidos. Alguns desses erros foram consertados e outros não.

Antigo vagão de carga original da Estrada de Ferro Dom Pedro II (anterior a EF Central do Brasil)
Fonte: “Ateliers de la Dyle et Bacalan”

Um desses erros perpetuados que gerou uma lenda foi o de que a bitola de 1,60 m era “melhor” que a de 1,00 m, o que é uma das maiores bobagens técnicas ja faladas, onde ninguém define com exatidão o que se entende ou se explica como “melhor”. A bitola de 1,00 m é extremamente adequada quando se pensa em qualquer projeto para Minas Gerais, por exemplo, pois é um dos estados mais montanhosos do Brasil e a bitola de 1,00 m, com curtos raios de curvatura, permite contornar facilmente morros que com a bitola de 1,60 m não seriam possíveis ou seriam mais difíceis de serem transpostos. E de fora do Brasil podemos citar um bom exemplo dessa versatilidade: na África do Sul e em países limítrofes funciona uma das maiores ferrovias de minério do mundo, em bitola métrica (na verdade 1,067 m, similar a nossa de 1,00 m)

Duas fotos da circulação de trens em bitola métrica na África do Sul. A segunda foto ilustra um teste bem sucedido com um trem transportando manganês em 375 vagões e com 4 quilômetros de extensão.

Em um decreto de 1965 foi estipulado que todas as ferrovias abaixo de Brasília fossem construídas a partir de então em bitola 1,600m, o que atrapalhou e condenou as ferrovias em bitola métrica do país.  Se a RFFSA, como já mostrado, foi um desastre empresarial, vendo mais perto a coisa só piora: ela patrocinou um projeto que foi um dos piores e mais caros projetos de engenharia da história do Brasil: a Ferrovia do Aço, que até hoje não está pronta como previsto. Como vêem tudo na RFFSA era superlativo, pois com o dinheiro gasto ali seria possível reformar a antiga EFOM – Estrada de Ferro Oeste de Minas pelo menos 4 vezes para carregar o mesmo que a MRS carrega pela ferrovia do aço.

Uma das muitas obras de arte da Ferrovia do Aço
Fonte: Planeta Ferrovia

A enorme quantidade de túneis perfurados, para atravessar os morros de Minas Gerais (mais de 100 túneis, incluindo o maior túnel do Brasil com mais de 8 kms de extensão), e as demais obras de arte só quem entende realmente de engenharia pode compreender o que aconteceu ali e o quanto custou. Um absurdo total.


Vídeo de um trem passando pelo “Tunelão” com mais de 8 quilômetros de extensão (não recomendável para pessoas com claustrofobia)
Fonte: Canal Memória Ferroviária

A reforma da EFOM, proposta defendida por alguns na epoca, foi atropelada. Se feita não teria ajudado a quebrar o Brasil no Governo Figueiredo.
Portanto quando ouvir alguém defendendo bitolas de 1,60 m pense em todo o exposto acima. Esse alguém possivelmente pouco ou nada sabe sobre ferrovias e todas as nuances envolvidas.

 

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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