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Por Mozart Rosa

Dando continuidade a uma série de textos de cunho eminentemente técnico, iremos explicar os prováveis motivos da queda do setor como um todo, ao longo de anos. Tentaremos assim esclarecer diversos pontos que até hoje são debatidos mas por vezes equivocadamente divulgados e defendidos, e assim demolir uma série de mitos.
Boa Leitura a todos.

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04-Os Traçados Muito Ruins e a Velocidade Baixa.

Quando as ferrovias começaram a ser construídas o Brasil era desconhecido até pelos Brasileiros. Nem sempre os traçados eram os melhores. Além disso um fator pouco comentado, que hoje é extremamente importante, na época era negligenciado: VELOCIDADE. Sim ! Velocidade. Atualmente é um fator preponderante, na época não. Se fala muito atualmente do trem bala com velocidade acima de 300km/h mas nossas locomotivas a Vapor na época com seus 40km/h eram os veículos mais rápidos existentes. Segundo os jornais da época era “uma velocidade absurda que fazia as pessoas se sentirem tontas”.

Inauguração da EF Mauá, quando alcançou a “assombrosa” velocidade de 36 km/h
Trecho do livro “
A formação das estradas de ferro no Rio de Janeiro: o resgate da sua memória”, de Helio Suêvo Rodriguez

O surgimento das estradas de rodagem e dos caminhões, inicialmente a gasolina e posteriormente a diesel, também foi um fator que prejudicou muito as ferrovias: em comparação com as estradas de ferro as encomendas chegavam mais rápido de caminhão e na porta de residências ou empresas. Mesmo que os trilhos fossem utilizados para o transporte de grande quantidade de cargas e de passageiros em relação ao transporte rodoviário, a ineficiência do traçado causava muitos transtornos e atrasos, tornando o transporte por via rodoviária o meio preferencial, mesmo sendo logísticamente não compensador.

Caminhão de leite na década de 1930. Os trens eram utilizados para esse tipo de transporte em várias regiões, mas com o passar dos anos e a não modernização do sistema, as ferrovias passaram a ser substituídas pelos caminhões neste tipo de transporte, mesmo em grandes distâncias e em menor quantidade e capacidade que os trens.
(Foto: Pinterest Old São Paulo)

Um exemplo pode ser dado a partir de uma matéria de jornal: com o asfaltamento da estrada ligando Angra dos Reis a Barra Mansa o transporte de chapas para o estaleiro Verolme, então existente, passou de 6 horas de viagem de trem para 3 horas de viagem de caminhão.

Washington Luis (26/10/1869 ~ 04/08/1957), presidente do Brasil e 1926 a 1930

Aos que acreditam em teoria da conspiração: o presidente Washington Luiz, apelidado de “Paulista de Macaé” por ter nascido no município fluminense mas ter cumprido a maior parte de sua carreira política em São Paulo, ao priorizar estradas de rodagem, em paralelo a isso, não desestimulou as ferrovias. Elas perderam competitividade pela sua lentidão. Embora as locomotivas a Diesel fossem mais velozes que as locomotivas a vapor os traçados das ferrovias em muitos casos eram péssimos, muito sinuosos e com muitos aclives elevados. Com isso as locomotivas não conseguiam atingir as velocidades pretendidas.

Trecho entre Conselheiro Paulino e Além Paraíba, da extinta Estrada de Ferro Cantagalo, extremamente sinuosa.

Linha da Barra da Rede Mineira de Viação, entre Conservatória e a divisa com o estado de Minas Gerais

Durante a construção das ferrovias vários obstáculos, mas também interesses, eram levados em consideração. O relevo a ser vencido obrigava os trilhos a darem muitas voltas em torno das serras ou influenciavam a construção de túneis para vencer tais barreiras, o que também encareciam os projetos e a construção Apesar de encarecer poderia ser uma opção tornando-as mais modernas e competitivas, além de retificações possíveis em muitos trechos. E como o transporte de carga nos primórdios, e até hoje, eram o fator predominante a ser considerado para a construção de uma ferrovia, alguns fazendeiros ou proprietários de grandes áreas exigiam que as estradas de ferro passassem por dentro de seus territórios para serem atendidos pelas mesmas, o que acarretava desvios e traçados onerosos, prejudicando a eficiência do meio de transporte.

Transbordo de cargas de café no Porto de Santos, da Estrada de Ferro Santos – Jundiaí
(Fonte: Site “A Ferrovia Paulista”)

Com a falta de modernização e adequação as ferrovias literalmente “perderam o trem” do progresso, ficando para trás, em relação ao transporte automotivo, tanto no transporte de cargas quanto no de passageiros. Um problema que até hoje não foi revertido.

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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