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Por Mozart Rosa e Eduardo (‘Dado’) 

Dando continuidade a uma série de textos de cunho eminentemente técnico, iremos explicar os prováveis motivos da queda do setor como um todo, ao longo de anos. Tentaremos assim esclarecer diversos pontos que até hoje são debatidos mas por vezes equivocadamente divulgados e defendidos, e assim demolir uma série de mitos.
Boa Leitura a todos.

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03- A RFFSA, as Cortesias e os transportes deficitários.
Seria bem produtivo para qualquer cidadão saber ler balanços. São exigências para qualquer empresa S.A. ou não a publicação de seu balanço anualmente. No caso de Ltda sendo pequeno o balanço até pode ser maquiado, o que obviamente não é o correto. Sendo grande ou no caso de uma S.A. o balanço tem auditoria externa. O que está ali é a expressão da verdade. A RFFSA nunca deu lucro, isso está nos balanços. Portanto não se compreende a defesa apaixonada que se faz da empresa, quase sempre por quem lá nunca trabalhou. Sem o monopólio da mesma provavelmente a realidade do setor seria outra.

Locomotiva GE 2033 da RFFSA em Três Rios, ano de 1992
(Foto: Benício Guimarães via AENFER/AFTR)

Um aspecto normalmente não comentado eram os prejuízos milionários que a RFFSA tinha no transporte de passageiros, fruto de fatores e erros logísticos e administrativos, dentre outros. Circulam pela Internet cópias de carteiras de gratuidade que muitos postam com orgulho, mas acontece que isso não gerava receita e consequentemente gerava prejuízo, e quem pagava esse prejuízo éramos nós, os cidadãos. Fatores sociais são importantes, mas “não existe almoço grátis” como se diz: alguém paga a conta. Quantos hospitais e escolas talvez possam ter deixados de ser construídos para custear a RFFSA?

Bilhete de passagem de um trem da RFFSA – Fonte: Internet

Existiam casos onde mais de 60% – repetindo – mais de 60% dos passageiros de um trem regional eram cortesia. Além disso o transporte de alguns produtos eram subsidiados atendendo interesses escusos. Não foram os empresários do ônibus nem a máfia dos pneus que acabaram com o trem, mas foram em boa parte as novas diretorias da RFFSA tentando acabar com a sangria que representavam esses prejuízos. Até pouco tempos atrás, a empresa ainda existia juridicamente, mesmo tendo sido oficialmente extinta em 2007, e os números do seu inventário à época eram classificados como “monumentais”:

  • 105,8 mil imóveis;
  • 37 mil itens em estoque (almoxarifados);
  • 393 locomotivas;
  • 4.353 vagões;
  • 38.300 equipamentos
  • R$ 21.000.000.000,00 em ativos espalhados pelo país
  • prejuízo acumulado de R$ 17.600.000.000,00;
  • dívidas totais de R$ 14.980.000.000,00.
  • 38 mil ações judiciais sendo 21.260 trabalhistas, calculadas em R$ 2.300.000.000,00;
  • mais de 7000 de ações previdenciárias, somando cerca de R$ 444.000.000.000,00.

Além de todos esses dados são impressionantes os números de processos judiciais envolvendo a RFFSA e que podem causar até hoje perdas financeiras para a União: “de acordo com a Advocacia Geral da União (AGU), há atualmente 47.093 processos envolvendo a RFFSA. Dentro desse universo, existem, por exemplo, 9.285 ações de desapropriação de imóveis“. O total de valores envolvidos é incalculável, mas, só para se ter uma ideia, apenas um processo aberto por uma empresa relativo à cobrança de uma dívida na construção da Ferrovia do Aço pode resultar num prejuízo de cerca de R$ 300 milhões para a União.

Relação de bens imóveis não operacionais da RFFSA transferidos para a SPU

Além disso dívidas trabalhistas, perda de mobiliário como o citado acima no documento, indenizações, e até pagamento de salários (para os que ainda fazem parte do quadro funcional da empresa) definem um pouco, e atualmente, o que gerava em despesa o funcionamento da RFFSA enquanto existia plenamente.

A Rede, quando entrou em liquidação, era o maior patrimônio do Brasil.
(Luiz Euler Carvalho de Mello, presidente da AENFER)

Já um economista especialista em infraestrutura diz que o modelo da privatização das ferrovias foi bem realizado. E que as pendências atuais de uma estatal que já acabou há tanto tempo como a RFFSA servem de lição:

É muito fácil criar uma nova estatal, mas é muito difícil se livrar de todos os passivos ligados a ela depois. São zumbis que não sabemos quando terminam, sequer se terminam.
(Claudio Frischtak, economista)

A Rede Ferroviária Federal poderia ser definida mais ou menos assim: uma ideia boa mas mal executada. Como diversos outros exemplos que podemos citar no país.

Locomotiva 2807 em 21 de abril de 1960. Consta que foi o primeiro trem da RFFSA a circular nas linhas da RMV – Rede Mineira de Viação
(Foto: Benício Guimarães via AENFER/AFTR)

 

Com trechos de matéria do Jornal O Globo de 15 de janeiro de 2016, e do Portal “O Tempo” de 24 de janeiro de 2007

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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