Tempo de leitura: 5 minutos

Por Mozart Rosa

Dando continuidade a uma série de textos de cunho eminentemente técnico, iremos explicar os prováveis motivos da queda do setor como um todo, ao longo de anos. Tentaremos assim esclarecer diversos pontos que até hoje são debatidos mas por vezes equivocadamente divulgados e defendidos, e assim demolir uma série de mitos.
Boa Leitura a todos.

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09 – O Motivo do fracasso das ferrovias no Brasil: quem efetivamente acabou com as ferrovias no Brasil (Parte 1)

Essa historia é longa, por isso antes de finalizarmos dividimos o nono capítulo desta série em três partes.
Vamos à primeira parte: c
omeçaremos com o período pós-1962.
Os que desconhecem a historia real associam a derrocada de alguns trechos aos governos militares. O que embora não fosse de todo mentira, não foi algo institucional. Já mostramos em postagem anterior o podium empresarial nada honroso que a RFFSA ostentava, onde dentre as “conquistas” estavam as de maior prejuízo, maior número de funcionários e maior patrimônio. A partir de 1962 dois fatores em conjunto contribuíram para a derrocada:

  • O primeiro foram os brutais prejuízos anuais da RFFSA. Poucos sabem, mas em 1965 a RFFSA tinha 105.000 funcionários. O Bradesco, então o maior banco privado do Brasil, só alcançou esse número na decada de 80.
  • O segundo fator é mais complexo mas tem a ver com a postura de pessoas ligadas aos orgaos de pagamento da RFFSA.

Em relação a este segundo ítem, vamos explicar: em uma empresa privada alguém específica um produto, manda para o setor de compras que efetua essa compra usando varios parâmetros tais com prazo de entrega, preço e condição de pagamento, e daí a nota fiscal vai para um setor que processa o pagamento e na data devida efetua esse pagamento. Quando o pagamento não é feito na data permite, a quem cobra, receber além de juros por atraso poder também protestar à empresa que não paga. É como colocar uma empresa no Serasa. No caso de uma estatal como a RFFSA a coisa ja começa errado pois caso não pague na data, além de não poder ser protestada, não paga juros por atraso.

Prédio da RFFSA ao lado da estação Dom Pedro II – Central do Brasil, no Rio de Janeiro
Foto: Wikimapia

Além disso sempre tem o interesse escuso de quem compra, quem paga e, muitas vezes, de quem especifica. No caso dos trens de cremalheira de Petrópolis e de Nova Friburgo (ambos trajetos rentáveis com bom volumes de passageiros e cargas) um dos fatores que contribuiu para a extinção foi a empresa fornecedora de peças de cremalheira já não suportar o fato de não receber por encomendas, de receber em atraso ou dar “contribuições” para a turma responsável pela liberação do pagamento. Daí parou de fornecer peças e oferecer reparos.

Cremalheira do tipo “Fell” usada nas linhas da Serra de Nova Friburgo
Foto: História e Memória de Nova Friburgo

A lenda de que, no caso de Nova Friburgo, a estrada teria sido extinta por não transportar mais café não se sustenta, pois o cafe já tinha parado de ser produzido na região de Cantagalo há pelo menos 50 anos.

A Fazenda Santana, em Cantagalo, transportava a sua produção de café através da ferrovia e possuía estação própria (“Chave de Santana”). Esse pontilhão fica próximo ao local onde se localizava a estação, já demolida.
Foto: Acervo A Voz da Serra

Nova Friburgo tinha uma industria pujante: a Ypu, grande fabricante de produtos variados mas principalmente de couro, como cintos e bolsas, tinha uma plataforma de carga nos fundos de sua fábrica, por onde passava a ferrovia para despacho de mercadorias.

A grandiosa Fábrica Ypu, fundada em 1912, chegou a ter 1400 funcionários na década de 1980
Foto: Wikimapia

Outras indústrias da região também usavam a ferrovia para despacho de suas cargas. Portanto a lenda de que o fim do café matou essa ferrovia não se sustenta.

Fonte: Cartão-Postal

Outro fator omitido e desconhecido é o de extinguir linhas não lucrativas. A razão desse prejuízo ja explicamos anteriormente: dava ao responsável prestígio junto a diretoria. Afinal o foco eram graneis. Quem mora na area de atuação da antiga RMV (Rede Mineira de Viação) tem muitas histórias para contar sobre isso: a linha de Cruzeiro a São Lourenço, por exemplo, foi paralisada e posteriormente desativada em definitivo sob a alegação de que uma determinada ponte estaria com problemas. Só que essa ponte nunca havia sido vistoriada. Assim o tráfego foi suspenso e a linha consequentemente desativada. E vários e vários outros exemplos similares podem ser dados.
Portanto as teorias da conspiração não passam disso.

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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