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Por Mozart Rosa

Nos capítulos anteriores dessa série você soube como começou a Guerra das Bitolas e como a RFFSA, mais uma vez ela, foi influência nessa saga. Continue conosco, abaixo a continuação dos nossos artigos. Desejamos uma boa leitura!

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Prédio-sede da RFFSA no Centro do Rio de Janeiro, ao lado da estação Dom Pedro II (Central do Brasil)
Foto: Renan F Souza

A megalomania que tomou conta do Brasil na década de 1960 encontrou terreno fértil na RFFSA. Basta ver no prédio sede da antiga RFFSA, hoje usado pela CBTU, o tamanho das salas dos diretores: algumas com mais de 250 m². Nem o Roberto Marinho, ex-presidente da TV Globo, tinha uma sala assim.

O enorme e importante pátio de Visconde de Itaboraí, passagem de trens da Leopoldina.
Pelo local passavam trens com destino ao Rio de Janeiro, região de Nova Friburgo, Norte-Fluminense e Espírito Santo, entre outros

Fonte: IBGE (imagem colorizada digitalmente)

Fora do prédio o descalabro era ainda maior: várias ferrovias foram extintas, linhas estas que reformadas teriam enorme potencial econômico como Rio x Petrópolis, Rio x Friburgo e Rio x Cabo Frio, a antiga Estrada de Ferro Maricá. Trechos que com máquinas mais modernas e mais velozes poderiam gerar receita, que ajudariam a cobrir o monstruoso rombo da RFFSA, foram extintas sem dó nem piedade e em uma velocidade inexplicável. Chegou-se ao cúmulo de se criar um setor para cuidar apenas da extinção de linhas.

Estação Porto das Caixas. à esquerda a linha que seguia para Nova Friburgo e região serrana (antiga EF Cantagalo), à esquerda a linha que seguia para o Norte-Fluiminense. Neste local atualmente não há trilhos nem para um lado nem para o outro.
Fonte: IBGE (imagem colorizada ditigalmente)

As cortesias foram fator não diríamos que decisivo, mas muito importante no desmonte do setor de transporte de passageiros. Isso ajudou bastante a fazer com que as operações em sua maioria fossem deficitárias. E esse foi outro argumento vitorioso usado no desmonte.

Falamos agora sobre uma informação pouco citada em fóruns ferroviários, mas citado com ênfase apenas em textos da AFTR. As locomotivas que puxavam composições de passageiros, tanto nas linhas da EFL como nas linhas da EFCB, eram as mesmas que puxavam cargas, ou seja, locomotivas com motores de mais de 1200 HP ou 1500 HP, fazendo o trabalho que deveria ser feito por locomotivas com motores de 500 HP. Alguém consegue mensurar o desperdício de diesel nessa operação?

Trem “Cacique” da EF Leopoldina
Foto: Leonardo Bloomfield

Um fato também pouco explorado e pouco comentado é que as ferrovias passaram a ser monopólio do estado, e com o tempo diversas empresas procuraram a RFFSA com o intuito de assumir a operação de várias linhas em vias de extinção e a resposta padrão era a mesma: “é um monopólio do estado”. Segundo vários profissionais da área essa foi a resposta dada quando alguns empresários, e posteriormente a CMRJ, quiseram operar a linha Niterói x Itaboraí. O mesmo teria acontecido na década de 1980, quando uma fábrica de cimento localizada em Cantagalo propôs reconstruir a ferrovia que ligava Cantagalo ao Rio de Janeiro passando por Nova Friburgo, ouvindo um sonoro NÃO. Ferrovia Era Monopólio Estatal. Portanto, caro leitor, antes de defender monopólios como os do Correios ou da Petrobrás, lembre-se dessa história.

Estação Visconde de Itaboraí, atualmente em ruínas
Foto: IBGE (colorizada digitalmente)

Sobre a linha de Niterói x Itaboraí, como já citado anteriormente, durante a construção da Ponte Rio Niterói um dos viadutos de acesso à ponte simplesmente bloqueou o acesso dessa linha ao porto de Niterói, acabando assim com as possibilidades de uso para exportação dessa linha. A rentabilidade de uma linha inteira foi destruída por estupidez.

Construção em Niterói das alças de acesso da Ponte Rio – Niterói. À direita, um pouco fora do enquadramento da foto encontra-se a estação General Dutra. A linha ferroviária cruzava toda a imagem à meia-altura, mas na foto tudo já estava destruído.
Arquivo pessoal Bruno Cantarini (via PUC)

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Agradecemos a leitura. Até a próxima !

Imagem destacada: Prédio da RFFSA – Renan F Souza

(A opinião constante deste artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo, necessariamente, a posição e opinião da Associação)

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

2 thoughts on “A Guerra das Bitolas (3): decisões equivocadas

  1. “Portanto, caro leitor, antes de defender monopólios como dos Correios ou da Petrobras, lembre-se dessa história.”
    Não defendo monopólio, mas também NÃO DEFENDO PRIVATIZAÇÃO do que é público.
    O erro da administração da RFFSA não justifica atitudes como, por exemplo, a privatização das telecomunicações, que entregou os satélites brasileiros nas mãos dos Yankees. Ou mesmo a privatização das ferrovias, que MATOU o transporte de passageiros em benefício das cargas.
    Vale lembrar, NENHUM país do mundo abre mão de seu serviço postal estatal, e recursos estratégicos devem ser, SIM, gerenciados pelo Estado.
    O erro estava na Presidência não interferir quando ocorriam as burradas da administração da RFFSA, E a privatização só piorou as coisas.

    1. Prezado, temos profundo respeito por todos aqueles que leem nossas postagens até o final, e por conta desse respeito te daremos uma resposta.
      Pode ser que você não tenha muita ideia de como funciona o estado brasileiro. Ele se notabiliza em diversos órgãos e diversas instância pela incompetência, infelizmente.
      A quantidade de órgãos inúteis é absurda.
      Veja o caso da RFFSA, descendente direta da EFCB, que era usada com fins políticos desde Campos Sales, no início da República.
      Muitos defendem a AMTRAK, por ser uma estatal, mas quase ninguém comenta que ela tem limites de gastos, e se ultrapassar esses limites seus diretores podem ser exonerados ou até presos.
      Ou da RDZ, companhia russa que oferece serviços maravilhosos, mas isso em um país onde existem “janelas abertas” em prédios elevados e de onde ocasionalmente e “acidentalmente” caem dirigentes perdulários ou pegos em corrupção.
      Nada disso existe no Brasil, onde estatais se transformam em feudos.
      Estatais e órgão públicos no Brasil são feudos onde mesmo o presidente da República não tem muitas vezes o poder de intervir, portanto sua opinião de que o presidente deve intervir quando percebe burradas é feita muitas vezes por alguém que não conhece as entranhas da administração pública brasileira.
      Foi preciso privatizar, para melhorar. O serviço de passageiros de longa distância que poderia existir até hoje, foi sucateado antes pela própria RFFSSA mais preocupada em dar benesses aos seus funcionários do que em melhorar os serviços.
      A recomendação que eu, Mozart, te dou, é a mesma que dou a qualquer um com as suas colocações: leia os balanços, ali mostra de forma nítida o que aconteceu.
      E não adianta dizer que o balanço foi fraudado. Balanços só são fraudados em duas situações: para aparentar lucro e distribuir dividendos aos diretores, como foram os da Lojas Americanas; ou para aparentar prejuízo, quando se pretende adquirir por preços baixos a empresa, e isso não aconteceu com a RFFSA, seus balanços já mostravam prejuízo muito antes de se pensar em extingui-la.
      Sobre a questão postal deixe-me explicar a sua origem. Começa no império romano para entrega de mensagens militares, posteriormente passando a entregar mensagens civis, portanto desde seu início era uma atribuição do Estado, os selos começam na Inglaterra, e o Brasil foi um dos primeiros países do mundo junto com a Inglaterra a ter selos.
      Mas em todos os países, existem empresas privadas que cuidam da entrega de encomendas e documentos, realmente nesses países o serviço postal é estatal, mas as empresas como DHL, Kwikasair, TNT, podemos citar diversas, concorrem com os correios locais, e isso em certa época era impossível no Brasil, existia o monopólio postal.
      Outra coisa, por favor defina o que é estratégico? Isso dá margem a muita coisa, portanto se informe e nos informe mais e melhor sobre esses assuntos.
      Forte abraço e obrigado pelo retorno.

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