Tempo de leitura: 5 minutos

Por Eduardo (‘Dado’)

O título desse artigo pode remeter a de um filme de terror, mas esse fato ocorreria na cidade do Rio de Janeiro e foi um projeto que poderia ter saído do papel.

Continua após a publicidade

Era o ano de 1884, o governo tentava chamar uma nova concorrência para que fossem implantados os serviços de bonde entre o Centro e as Praias da Saudade (extinta, ficaria onde hoje é o Iate Clube do Rio de Janeiro) e o bairro de Copacabana. Entretanto empresas e projetos eram apresentados, e logo em seguida eram indeferidos ou caducavam. Dois anos correram rumores de que havia sido pedida a concessão de uma linha ferroviária que partindo do final das linhas da Cia Jardim Botânico, em Botafogo, seguiria por Copacabana e se dirigiria para Angra dos Reis. Seria o futuro projeto adotado pela EF Sapucahy que posteriormente até deu início às obras mas não teve prosseguimento, deixando alguns vestígios (clique aqui para saber mais).


Local onde ficava a extinta Praia da Saudade

Essa iniciativa desagradou vários interessados na construção da linha de bonde para Copacabana, pois perderiam o privilégio e faixa de domínio. Se o governo negava todo e qualquer pedido e projeto relativo a este serviço, porque autorizaria a construção da ferrovia para Angra dos Reis passando por Copacabana ? Como o governo se mostrava impassível, os interessados decidiram estudar e montar um novo projeto para afrontar a posição governamental: uma ferrovia a vapor, como a Botafogo – Angra dos Reis, que iria “além das montanhas da Gávea, na Freguezia de Jacarepaguá”, onde seria construído um grandioso cemitério para substituir o São João Batista, ficando este apenas como uma espécie de “cemitério-depósito“, proporcionando ao bairro de Botafogo “um importante melhoramento para o saneamento“, e de certo o governo acataria tal projeto.

Vagão funerário (Fonte: Site Estações Ferroviárias do Brasil)

Não demorou dez dias para o projeto ficar pronto, e no dia 22 de fevereiro de 1886 o engenheiro J. B. Uchôa Cavalcânti apresentou o seu estudo:

(…) partiria a via-férrea do cemitério de São João Batista, seguindo até a Praia de Copacabana; daí percorrendo o istmo que separa a lagôa Rodrigo de Freitas e o oceano e, contornando a montanha dos Dois Irmãos, seguiria pela encosta do morro da Bôa-Vista, atravessando, por meio de um túnel, a garganta da Serra da Gávea e, percorrendo os terrenos situados entre os montes Gávea e Quebra-Cangalha e o oceano, atravessaria êsses montes por meio de outro túnel, terminando no lugar denominado Pena, na Freguezia de Jacarepaguá.

De acordo com o engenheiro responsável pelo projeto, a linha teria 26 quilômetros de extensão e custaria 776:000$000. João Ribeiro de Almeida, presidente da companhia Jardim Botânico, a principal interessada no prolongamento de suas linhas de Bonde até Copacabana e apoiadora desse mórbido projeto, estimou que de início a linha não daria lucro, mas seria compensado pelo desenvolvimento “daquelas áridas regiões”, depois de servidas por um transporte rápido e barato. Como fonte de renda imediata, poderia a companhia contar com o transporte de cadáveres entre os dois cemitérios servidos pela estrada de ferro. Além da construção da ferrovia e da nova necrópole a empresa ficaria responsável pela construção de duas escolas públicas e de “uma capela para os ofícios divinos”. Seria assim ainda mais simpática a proposta a ser apresentada ao governo.

Carro fúnebre (Fonte: Blog Viagem nos Trilhos)

Entretanto o dr.Duque Estrada, diretor do companhia que apresentaria o projeto ao governo, analisou e aceitou a proposta e estudos, mas com restrições. A mudança do local do cemitério era bastante importante, pois contribuiria em diversos aspectos para o bairro de Botafogo. Mas não via necessidade da empresa construir uma via-férrea de 26 quilômetros, quando na metade do trajeto (ou seja, em São Conrado) havia terrenos apropriados para o novo cemitério. Assim reduziria muito o custo de construção, não sendo necessário construir o túnel na garganta da Gávea. Em relação a construção das escolas e da capela o diretor também foi contra, pois seria responsabilidade e despesa de caráter permanente, diferente à finalidade da empresa.

Carro fúnebre (Fonte: Blog Minas Trains)

Assim, após reunião com o tesoureiro da companhia, o Comendador Malvino da Silva Reis, não foi adiante o projeto, decisão tomada e concordada também pelo Barão do Flamengo, Comendador João Nepomuceno de Sá e José Mendes de Oliveira Castro, os três membros do conselho-fiscal da companhia.


Percurso aproximado da ferrovia e bairros por onde passaria. Os pontos assinalados são os de interesse, não estações.

O que aconteceria se esse projeto tivesse seguido adiante, aprovado, e executado ? Comentem, deixe sua mensagem !

Fonte/referências: DUNLOP, C.J. Apontamentos para a História dos Bondes no Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, 1953 p.135-138)
COSTA, André. / MALTA, Augusto (foto em destaque) Flickr: disponível em: https://www.flickr.com/photos/8264320@N04/516843475 , visitado em 04 de abril de 2020

Loading

Autor

  • Eduardo ('Dado')

    Formado em Arquivologia, pós-graduando em Engenharia Ferroviária, técnico em TI, produtor e editor multimídia, webmaster e webdesigner, pesquisador e historiador informal. No começo dos anos 2000 se aprofundou na área de mobilidade e transportes (e a preservação histórica inerente ao assunto, sobretudo envolvendo os transportes sobre trilhos), e a partir de contatos pessoais e virtuais participou de, e formou, grupos voltados para a disseminação do assunto, agregando informações através de pesquisas presenciais e em campo. Em 2014 fundou formalmente a AFTR - Associação Ferroviária Trilhos do Rio onde reuniu membros determinados a lutarem pela preservação e reativação de trechos ferroviários, além de todos os aspectos ligados às ações, como o resgate da memória e cultura regional, melhoria na mobilidade e consequentemente na qualidade de vida da população, etc Foi presidente e é o atual coordenador-geral da AFTR Não se considera melhor do que ninguém, procura estar sempre em constante evolução e aprendizado, e acumula experiências sendo sempre grato aos que o acompanha e apoia. "Informação e conhecimento: para se multiplicar, se divide"

2 thoughts on “A ferrovia dos mortos

  1. Teríamos, praticamente, uma Linha IV do Metrô, já no século XIX… e o desenvolvimento da região de Jacarepaguá poderia ter sido alavancado, com esta opção de transporte, o que acabaria beneficiando toda a Zona Oeste do Rio de Janeiro…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

5 × 4 =

Previous post Razão e emoção na mesma linha
Next post Do Rio de Janeiro a Angra dos Reis por trilhos
error: Este conteúdo não pode ser copiado assim. Caso use o arquivo, por favor cite a fonte.