Tempo de leitura: 7 minutos

Por Eduardo (‘Dado’)

Desde o início das nossas pesquisas, em nome da competente equipe Trilhos do Rio, muitas coisas vieram à tona, muitos segredos foram revelados, muita informação foi divulgada e disseminada, frutos de intensa e determinada pesquisa em campo e em instituições históricas. Somos defensores de um sistema de transporte sobre trilhos como solução para diversos problemas, principalmente de mobilidade mas também de logística, saúde pública, desenvolvimento, equilíbrio ecológico, etc … os benefícios são tantos, que parece até que os trilhos são endeusados ou humanizados, mas na verdade não é isso. São apenas noções lógicas de consciência. Não há exagero nem sentimentos irracionais ou preferenciais.
A população às margens da EF Cantagalo se despede do último trem a circular no trechoArquivo Pessoal Família Ponciano, fonte: Página Pró-memória Sumidouro
Entretanto, há algum tempo, vemos que diversas “forças ocultas” (as aspas são simbólicas, pois não são tão ocultas assim) nos espreitam, tentando acertar, seguir ou atrapalhar os nossos passos. Mas isso não nos fará sair da linha. E isso não é apenas linguagem figurada …
A hora da partida, última viagem. Arquivo Pessoal Família Ponciano, fonte: Página Pró-memória Sumidouro
Este texto e as imagens podem parecer um pouco confusos à primeira vista, mas ao final podem ler o título e verão que foi todo um resumo das sensações que passaram por nossas mentes nas últimas semanas.
Em Sumidouro, a população posa junto à locomotiva. É um último Adeus.
Arquivo Pessoal Família Ponciano, fonte: Página Pró-memória Sumidouro
Arquivo Pessoal Família Ponciano, fonte: Página Pró-memória SumidouroFalar sobre sensações e momentos de objetos inanimados como trilhos e dormentes, máquinas como locomotivas, carros/vagões e trens, e unir a isso tudo momentos marcantes vividos pela população que se utilizou e beneficiou dos mesmos, podem parecer insanidade e fanatismo, mas vejamos de outra maneira, infelizmente de uma forma dramática …
 Arquivo Pessoal Família Ponciano, fonte: Página Pró-memória Sumidouro
Na época de criação das ferrovias pelo estado do Rio de Janeiro, não houve um padrão na construção: diferença de bitolas, traçados não tão eficientes, interesses de fazendeiros e donos de terras por onde os trilhos passariam, relevo acidentado … muito fatores influenciaram as estradas de ferro. Alguns desses fatores foram cruciais para a sua futura extinção: algumas ferrovias tornaram-se ineficientes, acabando por serem erradicadas.
Os trilhos da ferrovia sendo retirados e empilhados: a ferrovia cumpriu o seu papel.
Não pode mais, por motivos escusos.Arquivo Pessoal Família Ponciano, fonte: Página Pró-memória Sumidouro
Muitas outras, como já foi comentado anteriormente em outras postagens, foram criminosamente “sabotadas”: por diversos responsáveis, muitos trechos de trilhos foram “varridos do mapa” com a simples desculpa de que eram deficitários. Para chegar a essa conclusão e medida, simplesmente deixavam de lado a manutenção e investimento, não se modernizava e acabava por tornar-se um sistema sem condições de funcionar. A questão é que os trilhos foram enraizados na cultura Brasileira, há um certo “carinho” pelo “Trem Bão” como dizem os Mineiros, uma gratidão pelas máquinas que trouxeram progresso em praticamente todos os territórios por onde passaram. E isso de certa maneira dói no coração, é como se ao erradicar uma ferrovia que era rotina nas vidas da localidade, que ajudava até a regular os horários pela sua pontualidade, que traziam as boas e más notícias, que traziam informação e alimentos, que levavam e retornavam as pessoas e familiares queridos … era como se estivesse sendo levado um ente querido, um parente próximo, alguém que fazia parte do seu cotidiano diário, todos os dias, e que agora possivelmente nunca mais seria visto.
Enquanto a rodovia, concorrente em vantagem por não haver modernização da ferrovia, é construída, vê-se ainda ao lado os trilhos da desativada ferrovia.Arquivo Pessoal Família Ponciano, fonte: Página Pró-memória Sumidouro
Por isso as fotos retratadas nesta postagem nos emocionaram bastante. Não que não interpretemos os fatos pela razão, o fato é que a razão para o que ocorreu é que não faz sentido. Trens que circulavam cheios, transporte que beneficiava a população e que fazia parte da vivência local … se algo está funcionando, pra que mudar ? Se algo não está dando certo, pode-se aperfeiçoar e torna-la novamente melhor utilizável. Então, qual a explicação para trens que “nos deixaram” como a EF Príncipe do Grão-Pará (Petrópolis), a EF Teresópolis (Teresópolis), EF Rio d’Ouro (trechos densamente povoados da Baixada Fluminense), EF Cantagalo (Nova Friburgo e cidades serranas), Linha do Litoral da EF Leopoldina (Macaé, Campos e Vitória-ES), EF Maricá (Balneários da Região dos Lagos) e tantos outros.
Um trem em Nova Friburgo fazendo uma tarefa ingrata:
enquanto se locomove, remove os próprios trilhos por onde passa.
Acervo Castro
Na época dessas erradicações, os veículos como carros e caminhões estavam sendo adotados em massa, e tornavam-se uma opção particular aparentemente mais vantajosa, havia (e ainda há) uma espécie de status por possuir um carro … mas para ficar preso em congestionamentos, correr risco muito maior de acidentes do que numa ferrovia, não ter conforto como em alguns trens de passageiros e ainda poluir mais o ar que uma locomotiva a vapor ou a diesel ? Não vemos vantagem nisso. Estas e outras são as razões para lutarmos pelo verdadeiro desenvolvimento: transporte sobre trilhos. Pode envolver emoção, mas que nos leva à buscar e fazer predominar a razão.
Em frente a escola Arnor Silvestre Vieira em Parapeúna/RJ, os alunos foram se despedir do último trem que circulou no horário das 12 horas no dia 30/06/1970. Foi o último adeus da Maria fumaça…
Fonte: Facebook
Vejam bem estas marcantes imagens. São emocionantes, mas talvez são emoções que só quem luta pelos trilhos, quem viveu ou trabalhou nos trilhos ou que sabe que muitas soluções estão nos trilhos saberia dizer o que são estas emoções. Cenas que fazem parte de um passado que muitos de nós não vivemos, mas para quem viveu e mesmo quem não viveu essa realidade, continuaremos lutando para que muitos destes trilhos retornem.

Loading

Continua após a publicidade

Autor

  • Eduardo ('Dado')

    Formado em Arquivologia, pós-graduando em Engenharia Ferroviária, técnico em TI, produtor e editor multimídia, webmaster e webdesigner, pesquisador e historiador informal. No começo dos anos 2000 se aprofundou na área de mobilidade e transportes (e a preservação histórica inerente ao assunto, sobretudo envolvendo os transportes sobre trilhos), e a partir de contatos pessoais e virtuais participou de, e formou, grupos voltados para a disseminação do assunto, agregando informações através de pesquisas presenciais e em campo. Em 2014 fundou formalmente a AFTR - Associação Ferroviária Trilhos do Rio onde reuniu membros determinados a lutarem pela preservação e reativação de trechos ferroviários, além de todos os aspectos ligados às ações, como o resgate da memória e cultura regional, melhoria na mobilidade e consequentemente na qualidade de vida da população, etc Foi presidente e é o atual coordenador-geral da AFTR Não se considera melhor do que ninguém, procura estar sempre em constante evolução e aprendizado, e acumula experiências sendo sempre grato aos que o acompanha e apoia. "Informação e conhecimento: para se multiplicar, se divide"

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

6 + onze =

Previous post Rio de Janeiro: túmulo ou berço das ferrovias ?
Next post A ferrovia dos mortos
error: Este conteúdo não pode ser copiado assim. Caso use o arquivo, por favor cite a fonte.