Tempo de leitura: 15 minutos

Artigo publicado originalmente em 26 de março de 2021
Texto republicado em 12 de agosto de 2023

 

Por Mozart Rosa

 

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A AFTR muitas vezes se destaca por pensar fora da caixa. Entende que transporte sobre trilhos é além do que é o transporte de passageiros, também é um poderosíssimo agente de desenvolvimento econômico. Nosso texto sobre a Ferrovia Centro Sul Fluminense mostra isso de forma clara, onde apresentamos 12 formas de a ferrovia ter lucro, sendo que o transporte de passageiros é apenas uma delas, confira nos links abaixo:

Projetos AFTR 2 – Ferrovia Centro-Sul Fluminense (1)

Projetos AFTR 2 – Ferrovia Centro-Sul Fluminense (2)

 

Sendo assim, nesta postagem, mostraremos, dentro de nossas convicções (propostas tecnicamente perfeitas e economicamente viáveis) uma opção para a construção da Linha 3 do Metrô, em novas bases, tendo todo um projeto de desenvolvimento econômico por trás que pode incentivar o empresariado a investir no projeto, sem a necessidade de aportes do Governo Estadual, que tem seu caixa tão combalido.


UM POUCO DE HISTÓRIA RECENTE

A novela envolvendo a construção da linha 3 do Metrô ligando Niterói a São Gonçalo mais parece uma “Soap Ópera”, não tem fim. Como sempre a incompetência e ausência de gestão nos órgãos estaduais faz com que um projeto fundamental para uma região que inclui São Gonçalo, Itaboraí e parte de Niterói, que chega a mais de 1.100.000 habitantes e com demanda diária da ordem de 600.000 passageiros dia, não consiga sair do papel.

Trecho no bairro Laranjal, em São Gonçalo, ocupado por habitações
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2010

E como sempre também a AFTR dará a sua contribuição, apresentando um modelo de negócio inédito que pode viabilizar a concretização do projeto.

Trecho onde corria os trilhos da Linha do Litoral da EF Leopoldina, reservada à construção da Linha 3 do Metrô
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2014

O imbróglio é antigo, e podemos datar como isso começou: com a recusa da RFFSA em ceder à linha existente entre Itaboraí e Niterói, que hoje é a base do projeto da linha 3 do Metrô, para a antiga Cia do Metropolitano do Rio de Janeiro. Essa linha ferroviária já operava, de forma precária, com uma única composição diária entre Visconde de Itaboraí e Santana de Maruí em Niteroi, lembrando que a estação General Dutra, que fazia parte desta linha, já estava desativada desde a década de 1970, com a construção da Ponte Rio-Niterói.

Participando desse imbróglio, temos a nossa já conhecida CENTRAL Logistica, que a partir de 1998 com a criação da Supervia e com o desmonte da RFFSA, deveria operar esse trecho mas acabou o abandonando, chegando ao ponto em que chegou hoje, de depredação e invasões da faixa de domínio.

Estação General Dutra e, ao fundo, o Porto de Niterói
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2014

Mesmo com esse funcionamento precário as áreas ainda não estavam invadidas como hoje. E ao longo do tempo, mais especificamente na gestão de Sergio Cabral, diversas propostas para o trecho surgiram, inclusive existem na internet diversos vídeos produzidos pelo Governo sobre isso: Monotrilho, Metrô … o importante era produzir vídeos bonitos, mas obra que é bom nada.


NOSSA PROPOSTA

Dentro do conceito de usar o transporte sobre trilhos como agente de desenvolvimento econômico, além de transportar pessoas, a proposta que apresentamos é um modelo híbrido de operação e construção. Consiste em uma faixa de domínio construída sobre a maior parte do trecho em viadutos de terra armada, com 3 linhas.

  • 2 linhas de bitola 1,60m para uso da linha 3 do Metrô.
  • 1 linha de bitola 1,00m para trens de carga que descarreguem no Porto de Niterói.

O Porto de Niterói era, e ainda é, um porto cheio de qualidades. Bem localizado, com enormes barreiras naturais que limitam o vento, podendo transportar graneis com perdas mínimas pela ação do mesmo. Dentro da mentalidade de concentração econômica aplicada pelo regime militar ele foi relegado em benefício do Porto do Rio, na década de 1970. Mas, embora menor que o Porto do Rio de Janeiro, tem o seu valor e pode servir como alternativa à capital, precisando apenas de uma linha ferroviária que o atenda a contento. Pode inclusive servir, e muito bem, ao estado de Minas Gerais usando as linhas férreas previstas pela AFTR.

Leia a matéria completa clicando aqui

Pode ser feita ainda uma linha ligando um eventual porto seco, a ser construído em Itaboraí, ao Porto de Niterói, tendo na outra ponta um acesso ao polo petroquímico que esperemos um dia seja concluído. Teremos então uma linha férrea saindo do polo, passando em um porto seco, e chegando ao Porto de Niterói. Este porto seco pode receber por caminhões cargas destinadas ao Porto de Niterói e cujo transporte por este meio fariam o trânsito de Niterói entrar em colapso. Pode também receber, por trens, cargas de linhas de bitola métrica propostas pela AFTR. A Ferrovia do Sol é uma delas.

Um exemplo de Porto Seco, em Anápolis-GO
Fonte: COMEX do Brasil

Além disso a proposta da Ferrovia da Serra do Mar prevê a reconstrução da antiga Estrada de Ferro Cantagalo chegando ao interior de Minas Gerais. Por que não então não poderiam ser transportados contêineres, cheios de produtos manufaturados, descendo a serra para carregar no Porto de Niterói? Um acesso ferroviário exclusivo ao Porto de Niterói 24 horas por dia, 7 dias por semana. Temos um vizinho do tamanho da França. sem saída para o mar e sem poder exportar seus produtos por ferrovia e porto no Rio de Janeiro: eis aqui uma solução.

E quem sabe ainda ter recuos ou ramais em locais específicos, para recolhimento e transferência do lixo, para uma grande estação de geração de energia elétrica gerada pela queima. Mais de 600.000 habitantes gerando lixo, é um número interessante.

Das Müllheizkraftwerk (MHKW) Bremen, uma usina de queima de lixo e produção de energia em Bremen, Alemanha
Fonte: SBD

Em paralelo a essa linha correria um par de linhas metroviárias, geridas por uma nova concessionaria que pode ser a mesma que vai gerar a linha de carga. Articulações políticas adequadas podem ainda criar uma negociação em que no pacote estejam a operação do porto e a construção dessa ferrovia.

Porto de Niterói
Fonte: Portogente

A linha férrea originalmente ia até o porto. Na construção da ponte ela foi paralisada pela construção de um pilar, bem em cima da linha. Este trecho foi erradicado em seguida, nunca mais voltou a operar.

Aspecto, em Niterói, da construção da Ponte de ligação à cidade do Rio de Janeiro.
Fonte: Portal PUC-Rio Digital

Não se pretende que o Porto de Niteroi seja um mega porto, ele tem limitações, mas ainda pode servir muito bem. Ele já está pronto e sendo subutilizado. Pelo tamanho pode perfeitamente servir para cabotagem.

O Grupo CCR, que comanda dentre outras empresas o VLT Carioca, a Nova Dutra, e a Via 4 (empresa que opera uma das linhas do Metrô paulista) criou a Via Mobilidade, para operar a linha Lilás do Metrô de São Paulo, mas também com o objetivo de investir em outros negócios na área de mobilidade. Existem diversos outros grupos empresariais no Brasil, ligados à operação de rodovias, que podem ver com bons olhos a possibilidade de participar desse novo nicho de negócio, algo bem diferente. O próprio Grupo Eco, atual concessionário da ponte, pode se interessar.

As Estações Santana de Maruí e General Dutra, em uma fase inicial, podem ajudar muito à população de São Gonçalo e Itaboraí a chegar próximo do centro de Niteroi, e em uma fase posterior serão estações da Ferrovia do Sol (veja no link abaixo), mais uma proposta da AFTR.

Projetos AFTR 4: A Ferrovia do Sol

Uma ideia tem 50% de chance de dar certo e 50% de dar errado. Alguém já tinha pensado nisso? 50% de sucesso teoricamente nós já temos. É preciso ir em busca do outros 50% para fazer a ideia sair do papel.

Viaduto de Terra Armada, técnica recomendada para a construção na maior parte dos trechos urbanos da Linha 3 do Metrô em Niterói
Fonte: Terra Armada Brasil

UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Opções equivocadas, iniciadas a partir de 1982, colocaram o foco do desenvolvimento do estado do Rio de Janeiro na Indústria do petróleo e gás, em detrimento de outros setores industriais de nosso estado. Houve um processo de desindustrialização sem paralelo em nosso estado, onde setores inteiros da economia desapareceram. Um exemplo disso foi a indústria têxtil.

 

Cia. Nacional de Tecidos Nova América.
Fonte: Acervo da Fundação Biblioteca Nacional -Brasil.

A Codin, uma importantíssima empresa gestora de distritos industriais, foi colocada em segundo plano.

Como forma de compensar a queda na arrecadação, a alíquota de ICMS na conta de energia elétrica atingiu níveis estratosféricos, expulsando do Rio as empresas que sobraram.

· • Temos a energia elétrica mais cara do Brasil • ·

Dentro da proposta de usar a ferrovia como agente de desenvolvimento econômico, devemos inicialmente focar no uso da ferrovia o transporte de lixo para usinas de queima e geração de energia elétrica. Transportar parte do lixo de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí pela linha em bitola métrica, para uma mega-usina de geração de energia em Itaboraí é o primeiro passo.


A CAPROLACTAMA: UM REINÍCIO EM NOSSO DESENVOLVIMENTO

Usar a área do COMPERJ para, com o apoio do Codin, trazer para o Rio de Janeiro uma fábrica de Caprolactama, se baseia em uma proposta da década de 1980 do Sr. Nahum Manela, fundador e dono da empresa de confecção De Millus, que chegou a negociar isso com o então Presidente João Figueiredo, mas foi um projeto que nunca saiu do papel. A Caprolactama é matéria prima para produzir o fio usado na tecelagem da poliamida, usada em roupa íntima feminina, e de todo tecido sintético incluindo o Dry-Fit, o tecido mais produzido hoje no mundo desbancando todos os outros.

Produção de camisetas da AFTR em Dry-Fit
Foto: Eduardo (‘Dado’)

Basta uma ida à loja Decathlon para ver a predominância das roupas de Dry-Fit sobre todas as outras.

· • Este material também é importante na fabricação da calça Legging, sendo produzida a partir de uma mistura de Poliamida + Elastano • ·

Modelos usando calças Legging
Fonte: Divulgação/Internet

Como qualquer petroquímico, a fabricação da Caprolactama exige enorme quantidade de energia elétrica e, com o custo atual da energia elétrica no Rio de Janeiro, isso não gera nenhum interesse para alguma empresa vir para o nosso Estado. Nosso projeto de desenvolvimento usando a ferrovia, especificamente no caso do Comperj x Porto de Niterói usando a linha métrica da linha 3 do Metrô, pode ajudar o Rio a sair do atoleiro em que se meteu. Seria um dos primeiros passos.

Tendo essa matéria-prima disponível a um baixo custo, ela pode ser enviada pelas linhas ferroviárias previstas pela AFTR para o interior de Minas, para as diversas tecelagens ainda existentes, produzir diversos tecidos e enviá-los de volta pelo trem para São Paulo ou para o Rio de Janeiro para as confecções, fomentando todo um setor da economia hoje praticamente morto. Fabricando peças de Dry-Fit voltadas não apenas para o mercado interno, mas também para a exportação e exportando pelo Porto de Niterói.

Fábrica da Yakult, em Lorena-SP
Fonte: O Impacto Cruzeiro

Perdemos no governo Moreira Franco a Fábrica da Yakult, que hoje é uma das maiores do grupo no mundo. A reboque dela surgiu toda uma cadeia produtiva que hoje enriquece o município de Lorena em São Paulo, onde ela foi construída.

O Rio de Janeiro precisa de uma política industrial e a energia elétrica barata faz parte desse contexto. A Fábrica de Caprolactama é apenas um exemplo.

O apogeu da industrialização do Brasil passa por nomes como Fagan, Cometa, Santa Isabel, fábricas de tecidos localizadas em Petrópolis; Nova América, Linifício Leslie, Ferreira Guimarães, Schueke, Sudantex, Fluminense de Tecidos, só para citar algumas, sendo que nenhuma delas existe mais, e o custo de energia elétrica ajudou nessa tragédia.

Antiga fábrica de tecidos Cometa, na Rua Teresa em Petrópolis, no ano de 1934
Fonte: Sou Petrópolis

Seria proveitoso se algum governante consciente do problema convidasse para um debate funcionários antigos e novos do SENAI/CETIQT, o maior centro de estudos na área de tecelagem e confecção da América Latina, tendo uma das únicas graduações de Engenharia têxtil do Brasil. Esse polo de conhecimento da indústria têxtil fica aqui no Rio de Janeiro, no bairro do Riachuelo. Ali existem pessoas muito mais qualificadas que nós da AFTR para falar sobre formas de fomento da indústria têxtil e quais produtos seriam interessantes de serem fabricados. Nossas propostas visam um transporte melhor para esses produtos e produção a baixo custo de energia elétrica para fabricação. Não somos especialistas em produção têxtil.


E O TRECHO DA LINHA 3 DO METRÔ PARA PASSAGEIROS?

Não nos esquecemos não, tudo culmina na construção das linhas da Linha 3 do Metrô, melhorando enormemente a vida da população de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, mas é preciso dinheiro que o governo do estado não tem, e com todos esses arranjos comerciais envolvidos e apresentados por nós, acreditamos que essas possibilidades de negócios agregadas possam interessar a muitos grupos empresariais investirem nesse projeto.

Projeto do Tubular ligando Rio de Janeiro a Niterói (1877)
Fonte: Biblioteca Nacional

É parte de um processo que pode culminar em alguns anos, e nós aqui preferimos não fazer previsões, como o famoso túnel pensado desde o Império, ligando o Rio de Janeiro a Niterói. Atualmente a ideia é de não ser um túnel escavado, mas um túnel construído por módulos. Uma técnica dominada principalmente por holandeses.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma coisa importante a ser conhecida por todos, e é que um dos motivos de projetos como esse da Linha 3 do Metrô, no modelo da AFTR, ou qualquer outro não tenham saído do papel, até hoje não foi apenas pela questão financeira. Devemos levar em consideração também a falta de iniciativa e uma certa incompetência dos profissionais de nível subalterno designados a implantá-los. O fato de existirem imóveis invadidos no trecho do projeto a ser implantado, faz com que essas pessoas se acovardem e procurem todos os meios para não “se arriscarem” a perder votos de poucos quando poderia beneficiar milhares ou milhões.

Trecho (hoje já inexistente) da Linha do Litoral no Jardim Catarina, em São Gonçalo, com construções ocupando as margens da ferrovia
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2010

São pessoas que tem um verdadeiro pavor de aparecer, de se expor, se indispor com qualquer pessoa. Querem manter seu status quo e sua “boquinha”. Sendo assim projetos como o do Metrô de Niterói, que envolvem desapropriações e que esse pessoal precisaria acompanhar oficiais de justiça, comparecer em juízo, e coisas desse tipo, é totalmente incompatível com o que eles têm como objetivo de vida. Preferem a acomodação a implantarem projetos que de alguma forma fará melhorias na vida da população.

Ponte Estaiada da Linha do Metrô, na Barra da Tijuca
Fonte: BandNews FM

Obras como a Linha 4 do Metrô, criticada até hoje e construída ao invés da Linha 3 que teria um benefício e um alcance social muito maior, saíram do papel não apenas pela questão da corrupção, motivo até hoje de ações judiciais, mas também por esse motivo. Observem a quantidade de desapropriações no traçado da linha 4 e as desapropriações no traçado da linha 3.

Para quem não quer sair da comodidade de sua cadeira, isso explica muita coisa.

 

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A opinião constante deste artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo, necessariamente ou totalmente, a posição e opinião da Associação

Imagem em destaque: Mobilize.org

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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