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Por Eduardo (‘Dado’)

Algumas vezes pensamos que estamos sendo perseguidos, vigiados, monitorados … quem nunca teve essa impressão ?
Com câmeras espalhadas nas grandes cidades, registros e documentos dos cidadãos sendo controlados, dados pessoais circulando e sendo até negociados entre empresas na internet, não tem como não pensar que a privacidade, a intimidade e a rotina das pessoas está à mostra de todos.
Aliás, com a internet, ferramenta que permite a comunicação e a informação circulando rapidamente através do mundo, a vida privada das pessoas passou a ser algo de difícil reserva. E isso se aplica também a nós, preservacionistas e pesquisadores ferroviários. Parece paranoico, mas explicarei que algo pode estar fazendo todo o sentido. Sim, podemos estar sendo monitorados e tendo nossos interesses sabotados …
1-Trilhos da EF Rio d’Ouro, linha original, que partia da Quinta do Caju, seguia paralela à Av.Suburbana de Bemfica (com “m” mesmo) até Pilares e depois pela Avenida Automóvel Clube em direção à Baixada Fluminense.

Trilhos na Av.Dom Hélder Câmara, próximo à Maria da Graça
Fotos: Julio C.Silva
Após as notícias da aparição destes trilhos na pracinha, como se fossem mortos mal enterrados retornando ao mundo dos vivos, começamos a visitar o local para pesquisa, registros e confirmações, e começamos a bolar algum projeto para o local, um dos últimos trechos da EF Rio d’Ouro ainda com trilhos dentro da cidade do Rio de Janeiro. Mas foi só começarmos a debater e divulgar nossas intenções para … os trilhos serem removidos e o local desfigurado ! Segundo dizem, alguns dos moradores de rua que frequentavam o local, teriam retirado os trilhos (!!!) para vender o metal (!!!) e, para com o dinheiro arrecadado, comprar drogas para consumo próprio (!!!).
Sinceramente, é algo que não dá pra entender e acreditar. Mesmo que tenham sido estas pessoas, alguém com mais influência estaria por trás dessa ação.
2-Estação Henrique Scheid¹ (olha a EF Rio d’Ouro aí de novo !)
Durante pesquisas sobre a linha original da EF Rio d’Ouro, nos deparamos com um mapa misterioso, publicado no Guia Briguiet (em 1910 e 1913) onde estão assinaladas tudo quanto era estação e parada ferroviária. Inclusive poderíamos questionar estes mapas, em relação à sua veracidade, mas isso não vem ao caso agora. Continuando, neste documento estão assinaladas as paradas ferroviárias Henrique Scheid e José dos Reis (veja mais abaixo). Henrique Scheid se localizava aproximadamente na esquina da Avenida Dom Helder Câmara com a Rua Ibiraci, um terreno baldio. Entretanto, pouco tempo após nossas pesquisas indicarem o local como sendo de uma antiga parada ferroviária, o terreno foi ocupado e atualmente funciona uma empresa de venda de piscinas, APÓS DÉCADAS E DÉCADAS o terreno estando sem uso e abandonado ! Coincidência ?
O terreno baldio em imagens do Google Earth (2012), e a última feita pelo nosso pesquisador Melekh
Acima, imagem do Google Maps em Agosto de 2015
¹A Estação Henrique Scheid ainda não teve a sua existência confirmada. Apesar de conhecermos documentos que citam a sua existência e aproximada localização, ela ainda não foi de fato confirmada como tendo existido de fato (poderia ser outro nome de uma outra estação, erro de grafia ou identificação, etc)
3-Estação José dos Reis (EF Rio d’Ouro novamente ?)
Assim como a estação Henrique Scheid, acima, esta parece também ter sido dizimada assim que foi citada por nós na internet. Mas aí há uma dúvida: quando começamos a pesquisar sobre o assunto, a localização indicava uma casinha antiga, em um terreno relativamente amplo, como sendo a antiga estação. Outra coisa que indicava isso era uma plaquinha de patrimônio da RFFSA em uma das paredes do prédio. Nosso pesquisador Melekh conversou com um dos moradores, e este confirmou que o prédio teve uso ferroviário. Entretanto, com as pesquisas evoluindo, imagens antigas indicavam que a estação José dos Reis teria sido outro prédio, demolido provavelmente com a urbanização do entorno da Avenida Suburbana. Vejam abaixo:

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Mapa antigo indicando a posição da estação
Edição: Carlos Alberto Ramos (Melekh)

Revista de Engenharia (1886)Foto: Melekh
As setas indicam a possível casa onde funcionava a estação José dos Reis
Fonte: AGCRJ via Adenilson M.de Souza
O fato é que a casinha identificada como patrimônio da RFFSA, sendo ou não a estação de José dos Reis, no mínimo pertenceu ou fez parte de alguma estrutura ou instituição ferroviária no local. Pouco tempo depois que iniciamos as nossas pesquisas, o imóvel foi vendido (?) e funciona atualmente uma instituição de ensino de línguas.
4-Estação de (Vila de) Cava (Ah, já sei ! Também da EF Rio d’Ouro, adivinhei ?)
A estação de Cava era um importante entroncamento, onde iniciava o ramal de Tinguá, da EF Rio d’Ouro. Na verdade, os trens que se dirigiam a este ramal partiam de Belford Roxo e seguiam pela mesma linha dos trens do ramal de São Pedro (Jaceruba) até este ponto, onde entravam na linha à direita. Durante uma expedição de reconhecimento e pesquisa do ramal de Tinguá (desativado desde o fim da década de 1960), conhecemos a estação, em raro estilo Missionês simplificado ou Californiano, de acordo com o INEPAC, que tombou o prédio e outras construções adjacentes da estação. O problema é que a estação estava e ainda está em estado deplorável. Descendentes dos ferroviários que trabalhavam na estação moram em perigo constante, com o risco da estação desabar a qualquer momento. Aliás, algumas paredes já estavam ruindo na ocasião.
Imagens feitas durante a nossa primeira visita, em 2013.
Fotos: Eduardo (‘Dado’)
Após a nossa caminhada, onde vimos até despojos da ferrovia como dormentes e antigos pinos de fixação, comunicamos a diversos órgãos de preservação histórica o estado calamitoso em que encontrava-se a estação. Muito barulho foi feito, processos foram iniciados, matérias de jornal foram publicadas e … nada aconteceu. Opa, eu disse “nada” ?
Janeiro de 2014, exatamente na ocasião do incidente. Imagem do Google Maps.
Fui alertado por internautas através de mensagens que … uma árvore havia caído sobre a estação ! Ficamos apreensivos, por diversos motivos ! A estação ainda estaria de pé ? Haveria feridos ? Quais as consequências ? Além disso, outra coisa, que direi ao final do parágrafo, nos intrigava. Mas nos apressamos em visitar o local, onde constatamos que não houve perdas pessoais, apenas materiais e de tempo, pois a estação encontrava-se pior que nunca, e nada havia sido feito para evitar. Agora o que nos intrigou mesmo foi … tanto lugar e direção pra árvore cair e ela cai exatamente sobre a estação ??? E justamente quando não havia ninguém “em casa”, certinho, na hora que não havia testemunhas ? Hum …
5-EF Melhoramentos/Linha Auxiliar em Miguel Pereira
Em 2013 fizemos uma das caminhadas mais marcantes da história da AFTR: o trecho de serra da ferrovia entre Miguel Pereira e Arcádia. Belíssimas paisagens, ar puríssimo, clima agradável, trilhos … enfim, um cenário perfeito para uma ferrovia ser reativada, com fins turísticos no mínimo. Seria um sucesso perfeito. Divulgamos os dados coletados durante a expedição, apresentamos propostas e projetos e, como não havíamos concluído o trecho (devido ao horário avançado saímos do leito ferroviário, no meio da mata fechada, e concluímos o trecho por uma estrada de terra) decidimos voltar para concluir.
Uma das expedições mais marcantes e inesquecíveis já feitas pela AFTR. Na última foto, a plataforma da estação Engenheiro Adel, com o leito ferroviário tomado de mato
Em outubro de 2015 retornamos e … constatamos uma série de atrocidades, como dano ao patrimônio ferroviário, histórico, e ecológico, dentre outros crimes. Poucos dias antes recebi mensagens vindas de funcionários da prefeitura de Miguel Pereira, interessados na atividade. Passei as informações e marquei local e horário para nos encontrarmos. Das pessoas que entraram em contato ninguém apareceu. Durante a expedição, pudemos avistar o maquinário responsável pela destruição do leito ferroviário. Entramos com processos e ações na justiça, mas nada foi adiante.
Nos trecho onde havia mata fechada em 2013, a destruição recente se mostrava em 2015. Na última imagem, a plataforma de Engenheiro Adel, e o leito ferroviário depredado e limpo.
Felizmente hoje a prefeitura está à frente de um significativo projeto de reativação do trem na cidade, com a implantação de um trem turístico e com a criação de memoriais ferroviários, inclusive com contribuição da AFTR.
6-Vila Inhomirim
Em janeiro de 2016 um caminhão supostamente danificou o pontilhão ferroviário sobre a via de acesso rodoviário a Vila Inhomirim. Em fevereiro a mídia noticiava o abandono e a falta de iniciativa da concessionária em consertar o problema e reativar o trecho, que ficou sem tráfego entre Piabetá e Vila Inhomirim, inclusive uma composição ficou presa nesta última estação, sem poder alcançar o restante do ramal. Várias pessoas entraram em contato conosco, descrevendo o problema e ressaltando o valor absurdo que estavam tendo que pagar ao optar pelo ônibus para chegar aos seus destinos. Agendamos uma data para irmos ao local para fazer uma vistoria, registrar e gravar imagens sobre o problema. Divulgamos nas redes da AFTR aos interessados que quisessem participar da atividade, e surpreendentemente dois dias antes da data agendada por nós, a concessionária reativou o trecho, sem aparentemente ter feito nenhuma obra significativa.
Concidência ? Paranóia ? Complô ?

Vamos ficar atentos, mais do que sempre. Forças “ocultas” podem estar nos monitorando, vigiando nossos passos. Tirem suas conclusões …

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Autor

  • Eduardo ('Dado')

    Formado em Arquivologia, pós-graduando em Engenharia Ferroviária, técnico em TI, produtor e editor multimídia, webmaster e webdesigner, pesquisador e historiador informal. No começo dos anos 2000 se aprofundou na área de mobilidade e transportes (e a preservação histórica inerente ao assunto, sobretudo envolvendo os transportes sobre trilhos), e a partir de contatos pessoais e virtuais participou de, e formou, grupos voltados para a disseminação do assunto, agregando informações através de pesquisas presenciais e em campo. Em 2014 fundou formalmente a AFTR - Associação Ferroviária Trilhos do Rio onde reuniu membros determinados a lutarem pela preservação e reativação de trechos ferroviários, além de todos os aspectos ligados às ações, como o resgate da memória e cultura regional, melhoria na mobilidade e consequentemente na qualidade de vida da população, etc Foi presidente e é o atual coordenador-geral da AFTR Não se considera melhor do que ninguém, procura estar sempre em constante evolução e aprendizado, e acumula experiências sendo sempre grato aos que o acompanha e apoia. "Informação e conhecimento: para se multiplicar, se divide"

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