Tempo de leitura: 7 minutos

Por Mozart Rosa, Engenheiro
Carlos Eduardo Almeida Branco, Professor

Antes de iniciarmos são importantes algumas considerações iniciais:

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Ferrovia é um negócio e deve ser tratado como tal, quantas vezes publicamos isso aqui na AFTR? As atuais concessionarias surgiram a partir da compra de fatias da RFFSA que, por sua vez, surgiu da união ou encampação de outras empresas menores em um processo que vem acontecendo ao longo de mais de 100 anos, um processo  natural no mundo corporativo e que está voltando a acontecer: basta ver a Rumo que é o somatório de outras empresas além do espolio da RFFSA. E nunca esqueçamos que uma criança leva 9 meses para nascer.

Todas essas observações vêm de encontro a uma coisa óbvia e simples: uma ferrovia, como qualquer outro negócio, pode nascer bem pequena. Como o armazém que com o tempo vira uma rede de supermercados. A tão conhecida HAVAN, rede que hoje tem 130 lojas em 17 estados do Brasil, nasceu na cidade de Brusque em Santa Catarina. Em seu início era uma pequena loja de 45m².

Como então fomentar no Brasil um setor de enorme importância para nossa economia, e com baixíssimos investimentos?

Antes de detalharmos isso vamos relembrar as aulas de português de nosso ensino básico e interpretarmos palavras e frases:

  • Construir é uma coisa
  • Reconstruir é outra.
  • Reformar é outra.
  • Reaproveitar é outra bem diferente.

Reaproveitar uma ferrovia é algo dentro do nosso conceito, usar algo inoperante e abandonado sem investimentos expressivos.

Qual o nome que daremos a esse novo negócio? Não sabemos. O que sabemos é que algo que hoje está abandonado pode passar a ter uma utilidade econômica.

Como quase todas as ideias da AFTR essa é mais uma delas: ideias inéditas, revolucionárias e fora da casinha. Essa só será viável, entretanto, a partir de uma legislação específica. Uma legislação específica que foque a concessão de trechos abandonados, transferindo-os para empresas preferencialmente do setor rodoviário, para o uso nessas linhas abandonadas de “Ônibus de Linha” e de “Caminhões de Linha”, transportando cargas, passageiros ou turistas. Onde conste como parte integrante do contrato que essas empresas ficam autorizadas a operar com tais veículos, se comprometam a manter limpas as faixas de domínio e manter as condições de uso da linha, podendo operar veículos convencionais adaptados ao uso ferroviário,

Fonte: Aries Rail

A partir daí, sendo o negócio bem sucedido, essas empresas por interesse no aumento da sua capacidade de transporte podem investir em equipamentos ferroviários convencionais.

Entendam o seguinte:

  • Um ônibus usado, ou mesmo um BRT usado e adaptado para esse serviço, não custa mais de R$ 200.000,00;
  • Um VLT a diesel custa R$ 10.000.000,00;
  • Uma locomotiva usada custa pelo menos R$ 500.000,00, mais os vagões de carga, gerando um investimento inicial de pelo menos R$ 2.000.000,00.
  • Um caminhão convencional adaptado para esse serviço pode também custar no máximo R$ 200.000,00.

O custo de construção de oficinas e a compra dos equipamentos específicos para a manutenção de equipamentos ferroviários e o custo de construção de galpões onde caibam locomotivas e vagões também é bem expressivo.

Esses veículos citados na nossa ideia vão usar as garagens e as oficinas já existentes.

Abaixo planilhas comparativas:

VLT a Diesel R$ 10.000.000,00
Locomotiva e vagões (usados) R$ 2.000.000,00
Galpões e oficinas R$ 5.000.000,00

Total

R$ 17.000.000,00

 

Ônibus e oficinas R$ 200.000,00
Caminhão adaptado R$ 200.000,00
Galpões e oficinas R$ 0,00

Total

R$ 400.000,00

Essas são planilhas simplórias e não muito fidedignas, não podem ser consideradas para um efetivo plano de negócios mas mostram as diferenças absurdas nos investimentos para implantação da nossa proposta. Um trecho abandonado, e sem uso, que passa a ter uso e lucro. Além disso seria fiscalizado pelo poder concedente atendendo a todas as medidas necessárias de segurança.

“Ônibus de linha” na estação Punani railway station, no Sri Lanka
Fonte: Wikipedia

Um exemplo de trecho onde isso poderia ser viável seria o trecho Campos x Santo Antonio de Pádua, funcionando como rotas para transporte de Cargas e de Passageiros.

Exemplos pelo Brasil é que não faltam: grupos empresariais poderosos como o Grupo JCA (dono da 1001) podem se interessar pelo baixíssimo investimento inicial, vislumbrando o crescimento futuro, ou grupos empresariais bem menores dispostos a investir em um novo negócio. Um negócio regional.

Ônibus ferroviários modernos, originalmente construído pela Ferrostaal, totalmente reconstruído e redesenhado
para o tráfego em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia
Fonte: Wikipedia

A Viação Redentor, tradicional empresa de transporte rodoviário da cidade do Rio de Janeiro, opera diversas linhas na região de Jacarepaguá, além de fazer parte do consorcio BRT. Tem em uma de suas garagens uma quantidade substancial de veículos articulados fora de uso. Veículos com problemas mecânicos diversos, que inviabilizam seu uso no sistema BRT. A maioria com problemas de suspensão, pois nesses veículos é muito caro o conserto. Além disso a empresa não tem para quem revender, as plataformas e o sistema de operação do BRT são praticamente exclusivos do Rio de Janeiro e inviabilizam a revenda de tais veículos.

Fonte: Procon

Acreditamos que a ideia do Ônibus de Linha, se colocada em prática, possa criar um mercado para tais ônibus que não dependem de suspensão plena pois não vão funcionar em estradas esburacadas, bem como diversos outros itens necessários à circulação em rodovias, itens desnecessários para operação em ferrovias.

Ao iniciar a operação, e começar o natural processo de prospecção de negócios à procura de novos clientes, essas empresas podem crescer, evoluir, fomentar negócios, incentivar a construção de novas empresas às margens dos trilhos, fazer parcerias e paulatinamente com o tempo trocar esses equipamentos adaptados por equipamentos ferroviários convencionais, com maior capacidade de carga, e em um futuro se tornarem short-lines.

O futuro disso é amplo, e atende a muitas necessidades.

E o mais importante:

  • O governo não investe nada, mantém sua capacidade de investimento em outras áreas importantes como na saúde, segurança e educação;
  • Se livra de um problema que é o de administrar um patrimônio abandonado;
  • Ajuda a fomentar um novo negócio e cria um segmento totalmente novo;
  • Dá um uso a um patrimônio abandonado, que da forma como está hoje vai sendo destruído com o tempo. E o esforço de nossos antepassados em construí-lo indo para o ralo.

Um caminhão para combate a incêndios é um modo útil e criativo para acessar regiões isoladas e sem acesso por rodovias.
Já publicamos um artigo sobre o assunto, clique aqui !
Fonte: Wikipedia

Qual o futuro disso? Espalhar pelo Brasil novos negócios dando utilidade a algo hoje abandonado. Gerando emprego e renda, que é o que realmente interessa.

Se lá atrás tivéssemos burocratas que tivessem pensado nisso não teríamos tido o massacre inútil de nossas ferrovias, que hoje nos fazem muita falta.

Nossa história teria sido bem diferente.

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Agradecemos a leitura. Até a próxima !

Imagem em destaque: Oddviser

(A opinião constante deste artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo, necessariamente ou totalmente, a posição e opinião da Associação)

 

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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