Tempo de leitura: 6 minutos

Por Mozart Rosa

A Ferrovia e suas histórias desconhecidas V – Previdência social

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O que exatamente é a previdência social?

Previdência social é uma forma de capitalização do dinheiro aplicado em um fundo para posterior pagamento de pensões e aposentadorias para quem contribuiu para esse fundo. A lógica da previdência é composta de três pilares, o primeiro pilar é o seguinte: ao se aposentar o cidadão deveria ter direito de receber em torno de 70% do seu salário da ativa. E qual a razão disso? Ao se aposentar em idade elevada, já com filhos adultos e teoricamente ter adquirido ao longo da vida todos os bens pessoais a que teria por objetivo em sua vida na juventude e ao constituir família, já não necessitaria portanto, na aposentadoria, de seus proventos em sua totalidade para sobreviver.

Maquinista da EF Therezópolis

Outro pilar da lógica da previdência social é que, em tese, a pessoa que contribui para a previdência social deveria se aposentar com idade avançada e trabalhar ao máximo de sua vida produtiva. Obviamente cada época e cada país vai ter um conceito de idade avançada bem diferente, mas no Brasil até recentemente alguns funcionários públicos conseguiam se aposentar com menos de 50 anos.

Maquinistas da EF Príncipe do Grão-Pará (Petrópolis)

O último pilar a sustentar a lógica do sistema de previdência social é a constante entrada de uma quantidade de pessoas pagantes, no caso jovens, que novamente em tese deveriam pagar a aposentadoria daqueles mais velhos que estão se aposentando. O que em uma sociedade em que ninguém talvez queira ter filhos piora bastante a situação futura do caixa da previdência.

Operários durante a construção da EF Paulo Afonso (AL) em 1880
Fonte: Brasiliana Fotográfica

Aqui no Brasil como sempre a coisa se desorganizou: novamente transformaram uma questão técnica em uma questão política: misturaram previdência social com assistência médica; funcionários públicos passaram a poder se aposentar com os valores integrais de salário, diferentemente dos funcionários da iniciativa privada; várias categorias tinham direito a aposentadoria especial podendo se aposentar com idade menor que outras categorias, inclusive jornalistas. Esta situação, que acabou apenas no regime militar, explica o ódio de muitos deles ao regime. Muitas categorias, especificamente juízes, recebiam e recebem uma série de vantagens na aposentadoria sendo que alguns chegavam a transferir suas aposentadorias em caso de morte para parentes, até para netos ainda em tenra idade, além das pensões de filhas solteiras que nunca casavam, mas que constituíam família regulamente. Ou seja, a coisa, como praticamente tudo no Brasil, era e ainda é uma bagunça com o perdão da palavra, inviabilizando para a classe média e pobre alguma condição de se aposentar decentemente. Afinal o dinheiro é finito e está sendo usado em benefício de uma minoria.

Esse é um texto raso que não pretende se aprofundar no assunto, quem estiver interessado em conhecer melhor leia textos de Stephen Kanitz, que aprofunda a explicação apenas em seus aspectos técnicos, mostrando o atoleiro em que se encontra o Brasil nesse aspecto, e mostrando o porquê de a cada governo esse assunto vir à baila.

E O QUE AS FERROVIAS TEM A VER COM TUDO ISSO?

Uma das primeiras instituições de previdência social do Brasil, que existe até hoje, que paga regularmente aposentadorias e pensões a seus associados (na realidade faz o que sempre se propôs: pagar uma complementação salarial) sem envolvimento em escândalos, e que lamentavelmente está fadada a desaparecer pela ausência de gente nova entrando é a Associação Mútua dos Empregados da E.F. Leopoldina fundada em 27 de julho de 1917. Tendo agora em 2020 feito 103 anos de funcionamento ininterrupto, sem trapalhadas, falcatruas e nem pensões milionárias.

Nossos parabéns a Mútua e a sua diretoria.

Prédio da Associação Mútua Auxiliadora dos Empregados da Estrada de Ferro Leopoldina, em São Cristóvão
Foto: Ferrovia Vez e Voz

A Mútua é mais antiga que a previdência social Brasileira, que foi criada pelo político paulista Eloy Chaves de Piracicaba-SP, e um dos grandes empresários do interior paulista tendo sido fundador do COMIND, um dos maiores Bancos Brasileiros e que funcionou até 1998. Em 24 de janeiro de 1923 é aprovado o Decreto Legislativo 4.682/1923, também conhecido como Lei Eloy Chaves, esse decreto cria as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP), inicialmente voltadas apenas às empresas de estradas de ferro, em um formato bastante semelhante ao atual modelo nacional de previdência.

Eloy Chaves (1875-1964)

O que poucos sabem é que essa proposta de Eloy Chaves não surgiu do nada, ele teve a ideia de desenvolver seu projeto a partir de conversas com ferroviários, em suas constantes viagens de trem de Piracicaba para São Paulo capital, e de Piracicaba para o Rio de Janeiro, e teve como inspiração a Mútua. A nossa Mútua. Seu objetivo era estender os benefícios previdenciários prestados pela Mútua, mas restritos aos funcionários da Leopoldina, para os funcionários das outras empresas ferroviárias.

E como sempre surge das trevas nosso “Malvado Favorito” pronto a estragar o que funcionava a contento.

Em 1930 Getúlio Vargas modificou esse modelo estabelecendo os Institutos de Aposentadorias e Pensões e vinculando a previdência ao governo federal. Em 1966 a fusão desses institutos resultou na criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Com a Constituição de 1988, a Previdência Social foi incluída entre os direitos e garantias fundamentais, alinhada à saúde e à assistência entre os elementos da seguridade social.

E aí tudo degringolou, e como sempre fazemos questão de lembrar: mais estado, mais desastre, mais fracasso.

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Agradecemos a leitura. Até a próxima !

Foto destacada: Placa comemorativa referente ao selo lançado em 2017 durante as festividades pelos 100 anos de criação da Mútua

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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