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Por Mozart Rosa
Por Eduardo (‘Dado’)

Nos capítulos anteriores vocês conheceram alguns exemplos de projetos e obras que fracassaram ou foram equivocadas, muitas vezes desde a origem, por falta de planejamento, adequação ou visão de futuro a curto e médio prazo. Hoje veremos mais dois últimos exemplos que nada tem a ver com o setor ferroviário, mas mostram o quanto a passividade de alguns gera problemas para muitos.

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Exemplo 4: Viadutos vegetais

Embora nada tenha a ver com ferrovias, é algo atual e que faz bem parte do contexto tratado aqui: a subserviência absoluta à ideia importada sem questioná-la.

É curioso ver quem nunca plantou uma alface, nunca viu uma galinha e não sabe como a carne chega a sua mesa, defender a natureza e a ecologia. Lembra um caso acontecido no sul do país quando se proibiu matar animais em rituais religiosos e, aprovada a lei, a turma foi para a churrascaria comemorar. Desculpem a ironia.

Esta iniciativa dos viadutos vegetais (Green Bridge, em inglês) surgiu a partir de uma ideia implantada nos Estados Unidos para Bisões (animais enormes com o macho podendo chegar a mais de 900 quilos e com reações muito lentas) que não saem da frente de carros ou caminhões mesmo com o uso incessante da buzina.


ATENÇÃO: IMAGENS FORTES !
Caso o leitor seja sensível a este tipo de imagem, não veja e desça para a continuação do texto.

 

Nessa imagem búfalos próximo à ferrovia são afastados e/ou abatidos com armas de fogo, em 1867. Em uma época onde não havia a menor preocupação com o meio ambiente e a preservação da vida selvagem essa prática era comum, muito infelizmente.
Hoje outras medidas, e benéficas, são tomadas nesse sentido, para evitar interferências tanto das ferrovias no meio ambiente quanto da vida animal no entorno.
Fonte: Catskill Archives

Acontece que alguns especialistas Made in Brazil  trouxeram para o país a ideia dos viadutos vegetais sem adequações e adaptações. Esses viadutos foram criados para serem construídos nas rotas de passagem e migração dos Bisões e outros animais de grande porte em seus habitats atravessados por rodovias, eliminando os riscos de atropelamento das manadas.

Fonte: Blue Ridge Heritage Rail

Aqui no Brasil construíram um viaduto nesse estilo na BR-101 próximo à Silva Jardim, custando milhões, com a justificativa de proteger o mico-leão dourado, espécie em extinção, que não pesa mais de 2 quilos. Uma solução mais simples talvez resolvesse o problema. Mas parece que projetos nacionais não são eficientes, eficazes, ou charmosos.

Fonte: ARC Solutions

Antes de continuarmos devemos deixar bastante claro que a AFTR é totalmente a favor da ecologia, da preservação da natureza, do meio ambiente. Elaboramos projetos nesse sentido, e todos sabemos que os transportes sobre trilhos são muito mais benéficos à natureza do que o transporte rodoviário e aeroviário, por exemplo. Entretanto a área carece de profissionais e ideias bem fundamentadas, adaptadas à realidade nacional, tanto de logística como de preservação ou vários outros fatores.

: : Mas enfim porque dizemos isso ? O que a ferrovia tem a ver ? : :

Trilhos da Linha do Litoral adentrando a Reserva de Poço das Antas, em Silva Jardim
Foto: Google Street View

O trecho da linha do litoral da EF Leopoldina que passa na região de Silva Jardim e Casimiro de Abreu atravessa a reserva Natural de Poço das Antas. Alguns especialistas  conseguiram por meio de ações políticas desativar o trecho da ferrovia ligando Rio a Campos, que passava dentro dessa reserva na qual esse trecho faz parte, para não incomodar o Mico Leão Dourado, como se o Mico não fosse diferente do Bisão, não saindo da frente do trem quando ele se aproximasse. Acreditem: o Mico e os símios em geral são muito espertos. E evidentemente um trem passando dentro da reserva, historicamente falando, não ultrapassaria a velocidade de 60km/h, como nunca ultrapassou. Trens de passageiros e de carga usaram o trecho, movidos inclusive à vapor mas também a diesel, percorrendo o trecho durante muitas décadas, sem registro de maiores acidentes ou incêndios, como ocorrem com frequência, nada tendo a ver com a ferrovia, desativada há muitos anos.

Incêndio ocorrido em 2014: os trilhos foram utilizados para os bombeiros combaterem as chamas acessando a área … a pé !
Fonte: Jornal Extra

Aliás, caso a ferrovia estivesse ainda ativa e operacional, em casos de incêndios e outras ocorrências trágicas poderiam ser usados vagões-tanque como os sugeridos e idealizados pelos técnicos da AFTR, baseados em experiências antigas e atuais bem sucedidas (atualmente apenas em outros países essa técnica é utilizada, já exemplificamos isso em uma postagem anterior do nosso site, confiram):

As Ferrovias e a Natureza

Destruíram um meio de transporte centenário e funcional, inviabilizaram projetos futuros (pensem em um trem turístico levando pessoas a conhecerem o paraíso verde dessa Reserva ambiental, despertando interesse, visão e consciência ambiental nos passageiros) e, além disso, conseguiram explodir o custo de construção da nova EF-118, uma ferrovia ligando o Rio de Janeiro ao Espírito Santo com traçado paralelo e bem próximo ao da antiga linha da Leopoldina, mas a custos absurdos, devido a quantidade de desvios de percurso e outras intervenções. Os empreiteiros devem ter apoiado o trabalho dos especialistas envolvidos que apresentaram o novo traçado e seus custos exorbitantes. Os mesmos agradecem a enorme ajuda.

Bombeiros combatendo um incêndio em Poço das Antas no ano de 2014.
Um vagão tanque com água pressurizada reduziria em muito o trabalho e o tempo gasto no combate ao incêndio.
Fonte: O Eco
(ATENÇÃO: imagens tristes e fortes no link acima, com fauna e flora vitimados pelas chamas.
Na dúvida não clique)

Lembrando que o estado do Rio de Janeiro possui muitas áreas verdes preservadas e que atualmente possuem, ou tinham no passado, ferrovias. Quantos projetos assim com trens percorrendo trechos de fauna e flora preservadas poderiam ser implementados, buscando uma consciência ecológica e ambiental na população ?

Em recente conversa com especialistas na área de ecologia , mesmo mostrando ferrovias existentes na Europa com traçado dentro de reservas ecológicas, eles preferem ser mais realistas do que o Rei mantendo uma posição irredutível. Isso nos lembra um quadro do saudoso programa Casseta e Planeta, onde Bussunda representando um ecologista membro do fictício grupo ecológico dos alfacinhas verdes que jogava bolinhos de Bacalhau ao mar devolvendo-os ao seu habitat para se reproduzirem, que é evidentemente uma paródia. Mas a coisa é quase assim, precisamos ser mais racionais !

Não pensem que estamos exagerando, tem muita coisa insensata e fora da normalidade. Abaixo segue um link de um grupo de extremistas ecologistas. Leiam e tirem suas conclusões.

The Voluntary Human Extinction Movement

Sem comentários …


Exemplo 5: Usiminas

Aqui um dos autores deste artigo presta uma homenagem a um antigo professor:

“Quando a COBRAPI – Companhia Brasileira de Projetos Industriais, empresa já extinta, recebeu a incumbência de revisar e nacionalizar os projetos da Usiminas oriundos do Japão, para implantação dela no Brasil, entregaram ao Arquiteto José Roberto, chefe do setor de projetos, o detalhamento. O Zé, nosso querido Zé, Arquiteto e não um “especialista”, bateu o pé e disse que não, que daquele jeito a Usiminas não seria construída no Brasil, e reduziu o custo do projeto em 50% diminuindo as fundações e confrontando os japoneses. Confusão formada, ele de forma firme defendeu seu posicionamento dizendo “Isso aqui é Brasil, não tem terremoto dessa magnitude”, não precisamos dessas fundações! E a Usiminas foi construída e está funcionando até hoje. Nos faz falta gente firme como o saudoso zé, gente que faz, gente com personalidade.”

Inauguração do primeiro alto forno da Usiminas, em Ipatinga-MG, em 1962
Foto: Arquivo Aceciva

“Para que o mal triunfe basta que os bons fiquem de braços cruzados”. Essa frase dita por Edmund Burke, e não por Martin Luther King como muitos acreditam, resume bem como se comportam muitos dirigentes governamentais. Aqui fica uma homenagem àqueles que não se calam.

O setor ferroviário como um todo, e o Brasil em Geral, só vai para frente se as pessoas e os dirigentes se conscientizarem da necessidade de termos a frente dos governos e das empresas Homens e Mulheres racionais de garra e fibra, e não Homens e Mulheres “especialistas”.

Como a AFTR também é cultura, pra finalizar leiam abaixo um trecho do texto de Machado de Assis, (Teoria do Medalhão, 1881) onde mudam-se os nomes, mas…

“Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente; coisa que entenderás bem”
“Proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade, etc., etc”

Chega de especialistas comandando as áreas mais importantes do país ! Três mestrados, cinco doutorados, conhecem Nova York, mas alguns moram com os pais e não sabem lidar com o operário. Essa declinação ostensiva de títulos é extremamente desagradável e denota insegurança. É comum em algumas empresas as pessoas em cargos gerenciais ao início ou ao final de reuniões declinarem os títulos de seus subordinados, não se sabe bem para que, pessoas cheias de mestrado e doutorado mas que não arrumam a própria cama e que tem menos de 35 anos. A indicação política existe desde que o mundo é mundo. Falar em só gente competente no setor público é utopia, entendemos isso, mas aqui no Rio de Janeiro a turma perdeu a mão. Setores inteiros da administração pública cuidando dos interesses do político A ou B, cargos técnicos de enorme importância entregues a pessoas completamente desqualificadas, lambança generalizada, os resultados apresentados geralmente são desastrosos. Apresentamos aqui casos reais, e apenas alguns.

Um filosofo Grego disse há mais de 2000 atrás:

Conhecimento sem sabedoria é como uma flor sem cheiro.

e 2000 anos depois parece que muita gente ainda não aprendeu!

Mas não vamos nos apavorar: o setor de mobilidade da equipe AFTR, que não possui especialistas, está disposta e engajada para tentar virar esse jogo.

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Agradecemos a leitura. Até a próxima !

(A opinião constante deste artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo, necessariamente ou totalmente, a posição e opinião da Associação)

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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