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Por Mozart Rosa

A Ferrovia e Suas Histórias desconhecidas III – A influência de Vargas e JK no setor

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Quando começa a ditadura Vargas já se tinha decorrido pelo menos 50 anos do surgimento de várias ferrovias no Brasil. A concorrência com o Ônibus e o Caminhão já começava a evidenciar a ineficiência de algumas ferrovias que começaram a perder clientes e a ter prejuízo (em algumas a velocidade máxima não chegava a 40 Km/h e até hoje no Brasil existem ferrovias que operam com velocidade máxima de 70 Km/h). A Companhia Paulista, a mais eficiente ferrovia da época, percebendo isso iniciou uma operação com caminhão na região de Santos.

Caminhão Ford F-600 1962 destinado à “Companhia Paulista de Estrada de Ferro”
Fonte: Antigos Verde Amarelo

Outro fato pouco citado é que as “vaporosas” (locomotivas a vapor) usavam carvão importado e, durante a guerra, as importações deste tipo de combustível ficaram bem restritas.

Apesar de o período ser o ápice da quantidade de quilômetros implantados o declínio das ferrovias começou mesmo na década de 1930, no governo de Getulio Vargas que, pela sua omissão e imobilismo, nada fez para evitar essa queda tendo inclusive contribuído para ela. Hoje alguns proclamam, como forma de elogio ao presidente, que no período Vargas o Brasil atingiu a maior numero de quilômetros implantados em linhas ferroviárias. Não deixa de ser verdade mas deve se levar em consideração que tratava-se de contratos cumpridos mas assinados com bastante antecedência.

Getúlio Vargas inaugurando o serviço de Trens elétricos na Central do Brasil, em 1937
Fonte: Acervo O Globo

Se aproveitando do forte clima nacionalista e estatizante de Getúlio muitos dos administradores das ferrovias que, como dito anteriormente, viveram o apogeu e ganharam muito dinheiro, agora administravam o declínio e o prejuízo. Vendo que continuariam a perder dinheiro, e também o clima de hostilidade aos empresários que se iniciava, conseguem negociar a devolução ao estado das concessões e das empresas ferroviárias, já quebradas. Claro que à custa de indenizações.

Vargas cria o DNER em 1937 e o DNEF (Departamento Nacional de Estradas de Ferro) em 1941. Com o tempo o DNEF constatou o óbvio: as empresas em poder do governo davam um prejuízo monstruoso e algo precisava ser feito. Entretanto pouco ou nada foi feito, não se tentou restaurar ou modernizar as ferrovias, partiu-se para a erradicação pura e simples. Vargas malandramente se aproveita das ferrovias lucrativas para aumentar seu poder político e popularidade e, na década de 50, amplia a eletrificação dos trens de subúrbio do Rio de Janeiro que, já na época, tinha enorme importância para o trabalhador do subúrbio.

Rara imagem de um trem do DNEF em Maringá-PR, com operários responsáveis pela construção e ampliação do trecho até Cianorte
Fonte: Maringá Histórica

A ferrovia volta a ter lucro com o transporte de minério na década de 40 quando foi criada a CVRD – Companhia Vale do Rio Doce em 1942, pois é inviável o transporte de minério em grandes volumes por caminhões, daí o fortalecimento da Linha de Centro da EF Central do Brasil para o transporte desse tipo de produto em detrimento de outros trechos. Gado, leite, veículos, alimentos, dentre outros produtos que antes eram transportados por ferrovia, foram lentamente descontinuados para concentrar esforços no transporte de minério. Mesmo assim decisões equivocadas continuaram a ser tomadas como, por exemplo, a construção da ferrovia do aço a partir de 1974, em detrimento da reforma da linha tronco da EF Oeste de Minas, proposta por vários técnicos.

Construção de um dentre as dezenas de túneis da Ferrovia do Aço
Fonte: CETENCO

Passado o período Vargas chega-se a Juscelino que cria em 1957 a RFFSA, o ato mais inconsciente e inconsequente que um governante poderia ter tomado. Sim, ele tomou, e porque foi ruim ? Porque a RFFSA deveria ter sido uma gerenciadora do sistema e não uma operadora. Na ocasião existia em torno de 18 empresas ferroviárias falidas ou deficitárias devolvidas ao governo. Juscelino criou a RFFSA para concentrar essas empresas sob uma única administração, mas ao criar a RFFSA ele simplesmente transferiu todo esse déficit para o nosso bolso. Ter relicitado e entregue ao empresariado poderia ter sido a melhor solução. Não apenas estatizou o problema: ao criar um monopólio estatal impediu que o empresariado entrasse no negócio.

Primeiro trem para Brasília, em 1958.
Fonte: Fundo Agência Nacional

Ferrovia passou de um grande negócio a um grande problema pelos prejuízos que passou a dar e, a cada novo governo, se criavam instrumentos para se livrar do problema. Em 1966, no Governo de Castelo Branco, é criado o GESFRA – Grupo Executivo para Substituição de Ferrovias e Ramais Antieconômicos para iniciar os debates e discussões a respeito das ferrovias que seriam erradicadas

Material rodante abandonado na também abandonada estação Visconde de Itaboraí da abandonada Linha do Litoral da EF Leopoldina
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2010

A falta de visão empresarial dos políticos da ocasião, e posteriores a ele, manteve o monopólio e manteve as operações deficitárias da RFFSA que foram lentamente sendo encerradas.

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Agradecemos a leitura. Até a próxima !

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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