Autor:

Mozart Rosa

Tempo de leitura: 24 minutos

 

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Olá, amigos e amigas!
Hoje damos continuidade a essa série de três partes falando sobre os Trens Turísticos, mais especificamente dos projetos que estão sendo propostos no Estado do Rio de Janeiro.
Entretanto, neste artigo, falaremos de modo geral e amplo sobre projetos turísticos já existentes no país e as propostas sem noção, que podem por si só futuramente implodir qualquer chance de ser executada e, mais do que isso, prejudicar o setor e as propostas que teriam possibilidade de serem implantadas.
Como sempre e ultimamente, abaixo disponibilizamos um índice para navegação e visualização dos tópicos que abordaremos nesta matéria, caso queira ler aos poucos. Este texto é um pouco longo, leva em média vinte minutos para uma leitura calma e compreensiva, portanto pedimos que relaxem e leiam com atenção.
Desejamos a todos uma excelente leitura!

  1. Não saber o que dizer
  2. Análise de um texto
  3. Frase 1
  4. Frase 2
  5. Frase 2 – Análise complementar
  6. Frase 3
  7. Transcrição das Perguntas
  8. As Peneiras AFTR
  9. As Peneiras de Sócrates

NÃO SABER O QUE DIZER

Iniciamos o texto com uma música do ano de 1935, composta pelo mestre Noel Rosa. Na versão abaixo você poderá ouvi-la na voz de Aracy de Almeida:

“Quem é você que não sabe o que diz? / Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira / Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem / Que a Vila Não quer abafar ninguém
Só quer mostrar que faz samba também
Fazer poema lá na Vila é um brinquedo / Ao som do samba dança até o arvoredo
Eu já chamei você pra ver / Você não viu por que não quis
Quem é você que não sabe o que diz?

“Quem é você que não sabe o que diz? / Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira / Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem / Que a Vila Não quer abafar ninguém
Só quer mostrar que faz samba também
A Vila é uma cidade independente / Que tira samba, mas não quer tirar patente
Pra que ligar a quem não sabe / Onde tem o seu nariz?
Quem é você que não sabe o que diz?

Essa bela música mostra em sua simplicidade uma realidade do setor ferroviário:

 

· • Muita gente que não sabe o que diz • ·

 

Noel Rosa também nos trilhos: o intérprete é um dos homenageados pelo VLT Rio, que tem uma composição com o seu nome.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Agora sobre Trens Turísticos vamos fazer uma pergunta bem simples a alguns de nossos leitores…

 

VOCÊ 👀

 

Sim. Você, ou alguém que você conheça, que vive recomendando o uso de linhas abandonadas para uso turístico…

  • Qual a sua profissão?
  • Quantos negócios na área de turismo você teve em sua vida?
  • Quantos negócios de qualquer tipo você teve em toda sua vida?

Para quem acompanha, ou não, os textos da AFTR vamos transcrever aqui algo que é quase um Credo para os membros de nosso grupo:

“Ferrovia, diferente de rodovia, é um negócio. Só pessoas que sabem das dificuldades do que seja um negócio, essencialmente no Brasil, deveriam tratar do setor.”

Vamos mudar um pouco a estrutura de nosso artigo hoje e fazer como fazíamos no ensino fundamental: uma interpretação de texto! Talvez assim, com esse nível de didatismo, consigamos mostrar de forma diferente e mais direta um pouco da realidade do setor.

Lembrando que o texto abaixo tem informações, e não opiniões. E lembramos ainda que não queremos ofender ninguém nem direcionar fatos a uma ou outra pessoa, são apenas fatos, e cabe a cada um analisar onde se encaixam, pois são verídicos. Portanto o uso do pronome de tratamento você não é necessariamente dirigido a você que está lendo este texto, mas cabe sim em determinadas situações que você poderá ou não identificar.

 


PEQUENO TEXTO A SER ANALISADO:
REALIDADE DOS TRENS TURÍSTICOS NO BRASIL

A única operação ferroviária turística plena existente no Brasil é a da ESFECO – Estrada de Ferro Corcovado. Mas o que significa “Operação ferroviária turística plena”? Significa uma empresa de turismo ferroviário que é responsável tanto pelos veículos quanto pela linha. Significa que funciona durante os 7 dias da semana e no período de janeiro a dezembro, funcionando exclusivamente com função turística.

Foto: Trem do Corcovado

Agora pinçaremos algumas frases do texto para melhor análise, assim como no ensino fundamental. Ao analisarmos essas frases pinçadas do texto faremos perguntas para fixação da compreensão.


FRASE NÚMERO 1

funciona durante os 7 dias por semana.

Vamos à análise: a única operação ferroviária turística no Brasil, além da ESFECO, e que funciona 7 dias por semana de janeiro a dezembro, é a operação do Trem de Vitoria a BH, que na realidade não é essencialmente turístico, apesar de atrair muitos passageiros com esse estilo. Operado pela Cia. Vale S.A. funciona 7 dias por semana mas em apenas dois horários diários. Além disso é uma operação que divide o uso da linha com o trem de carga e quem custeia a manutenção da linha é a Vale S.A.

Estação Pedro Nolasco, uma das estações do Trem “Vitória x Minas”, com um antigo trem exposto para visitação
Foto: Jaime Figueiredo, a pedido de Eduardo (‘Dado’) em 2016

Essa operação segundo analistas paga as despesas e gera lucro insignificante, é mantida por fazer parte do contrato de concessão e pelo valor sentimental do mineiro com o trem.

A ESFECO, além de operar 7 dias por semana, opera seus trens a cada 20 minutos e em alguns dias de menor movimento a cada 30 minutos. O trem da Vale tem apenas DUAS operações diárias.

 

· • Viram a diferença? • ·

 

Operacionalmente é algo complexo manter carga e passageiros na mesma linha, principalmente quando tratamos de empresas como MRS, Rumo e VLI, com composições extensas de carga ou supergraneleiras, diferente das propostas do Estilo Leopoldina de Ser.

Belo flagrante feito próximo a Antonio Dias-MG mostrando o cruzamento de um trem lococarga com o trem de passageiros P002 entre as locações 71 e 70 da EFVM.
Produção: Leandro Barbosa

Mas no caso do trem Vitoria x Minas essa operação é viável por serem apenas dois horários diários. Bem diferente do Barrinha, um serviço que segundo seus defensores e saudosistas deveria ter periodicidade de 30 em 30 minutos, o que causaria enormes transtornos ao transporte de cargas. Não é impossível, mas infelizmente é muito difícil implementar algo nesse sentido atualmente, não dá pra compará-lo com o Vitória x Minas, por exemplo.

Cessão: Cia.Vale

 

· • Alguém explicou isso antes? • ·

 

Interessante notar que pouquíssimos desses defensores conhecem a fundo uma operação ferroviária, e os que conhecem nunca trabalharam em local com o volume de trens de carga, que sobem e descem diariamente a Serra das Araras, por exemplo. Novamente “não combinaram com os russos” (quem lê nossos textos entende bem o sentido dessa frase).

Trem de carga da concessionária MRS circulando no movimentado trecho da Serra do Mar
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2018

Portanto, caro leitor, ao apoiar algumas ideias apresentadas para o setor e que aparentemente são boas, procure conhecer o currículo, conhecimento ou aptidões de quem as propõe, pois você pode se surpreender.

Continuando a explicação dos 7 dias por semana, 12 meses por ano: a maior parte das operações ferroviárias turísticas do Brasil funciona de quinta a domingo.

  • Trem das Águas;
  • Trem de Tiradentes a São João Del Rei;
  • Trem de Morretes;
  • E diversos outros.

E alguns só funcionam nos meses de férias. Sim, você leu direito. Alguns trens turísticos no Brasil só funcionam nos meses de férias.

Trem do Vinho, serviço turístico que opera no Sul do Brasil
Fonte: Triptri

Portanto fica abaixo a pergunta número 1, que ao final do texto será transcrita com diversas outras para que você, leitor, responda e avalie a viabilidade de algumas ideias propostas pelos “especialistas” (novamente quem lê os artigos aqui sabem do que estamos falando):

Pergunta número 1: “O trecho turístico que você defende tem potencial para se pagar funcionando apenas de quinta a domingo? Ou menos?”


FRASE NÚMERO 2

uma empresa de turismo ferroviário que é responsável tanto pelos veículos, como pela linha

Outra frase pinçada do texto sob análise, vamos aos detalhes: a maioria das operações ferroviárias turísticas do Brasil usam a linha de uma empresa concessionária que é quem efetivamente faz a manutenção dessa linha, e isso não é barato.

 

· • Claro, temos algumas exceções: a ABPF de Cruzeiro é um exemplo • ·

 

A empresa que opera o trem turístico, na maioria das vezes, apenas é responsável pelos trens e funcionários que vão operar os trens e o pessoal de apoio. Isso em alguns casos como até recentemente em Morretes-PR. Naquele caso a Serra Verde Express é a dona da Litorina/Automotriz,
mas não e a dona da locomotiva que traciona os vagões, a locomotiva a diesel pertence a Rumo Logística que é a responsável pela sua manutenção, tirando da Serra Verde Express a necessidade de uma oficina para locomotivas a diesel, o que também não é barato por conta dos equipamentos necessários.
A oficina da Rumo Logistica responsável pela manutenção dessa locomotiva, é responsável por todas as locomotivas da Rumo Logistica na região sul, essa locomotiva quando não traciona as composições de passageiros, traciona cargas. Ela funciona 24 horas por dia.

Locomotiva, na época ainda da América Latina Logística (atual Rumo), tracionando o trem turístico entre Curitiba e Morretes
Foto: Diário de um turista

Esses são apenas alguns exemplos, existem diversos outros. Mas lembramos que todas as operações acima são lucrativas, e tem modelos diferentes de negócio, todos com os “pés no chão”, ou “rodas no chão”, como prefiram. 😁

Sobre o assunto “locomotivas e vagões”, disponibilizamos mais algumas informações: o custo do combustível (diesel) no Brasil, com a escorchante carga tributária embutida no preço final, inviabilizou o transporte de passageiros no país pelo uso de máquinas a diesel de elevada potência, adequadas ao transporte de granel. Agora podemos perguntar aos honoráveis idealistas: que tipo de máquina ele gostaria de usar em projetos, não sendo um devaneio?

Abaixo texto da AFTR mostrando isso:

O motivo do fracasso das ferrovias no Brasil (2) – As locomotivas

Talvez o leitor ache muito interessante a ideia de usar máquinas a vapor. Entretanto a mais “novinha” tem em torno de 120 anos. Leu nosso texto sobre o Gordini? Ou o texto 1 dessa série? Por favor, leia e entenderá que isso infelizmente não é tão simples. É uma ideia bonita mas não funcional e viável, de maneira geral, no Brasil, leia os textos sugeridos para saber mais.

O Gordini e as locomotivas a vapor

A pergunta continua: Quem vai manter e quem vai operar?

Aqui vai um abraço para o Sr. Miguel Pellegrino, morador de Valença, que criou o Museu Ferroviário de Valença e que teve uma sacada genial, colocando em uma praça da cidade vagões ferroviários fabricados no passado nas oficinas que existiam em Valença. Vagões que hoje ficam estacionados, em um tributo ao passado, e sem custos de operação. Não é o ideal, mas como se diz popularmente, “é o que temos para hoje”.

Alguns registros das etapas de transporte, chegada e preparação dos vagões (carros de passageiros) em Valença. Em breve mais detalhes serão publicados no site da AFTR e os registros preservados no Trem de Dados, uma iniciativa AFTR para preservação da memória e dos dados ferroviários do estado do Rio de Janeiro.

 

E agora vamos a Pergunta número 2: “O trecho turístico usará que tipo de máquina para tracionar os vagões, que tipo de vagões vai ser usado, de onde esses vagões virão? E o mais importante: o volume de passageiros transportados vai custear isso?”


ANÁLISE COMPLEMENTAR DA FRASE 2

Aproveitando a mesma frase lá sublinhada, partimos para analisar apenas o final dela, como pela linha

Sim, quem vai cuidar da linha? Se no local onde se pretende construir essa linha turística a linha tiver sido removida, vamos a mais uma pergunta. Sendo assim, e considerando a abrangência dessa minúscula mas importantíssima frase, desdobraremos a pergunta número 3:

Pergunta número 3: “Quem vai pagar a reconstrução dessa linha considerando custo de até R$ 500.000,00 por km? Ou quem vai bancar uma eventual reforma da ordem de R$ 250.000,00 o km.” (valores estimados para uma linha de bitola métrica)

O volume de passageiros transportados vai bancar isso?

Trecho reformado e rebitolado (1,00m p/1,60m) em Miguel Pereira, em 2018. Já naquela época a linha ferroviária estava sendo utilizada para tudo, menos para a operação turística.
Foto: Eduardo (‘Dado’)

Pergunta número 3.1: “E quem vai bancar a manutenção dessa linha pós-reforma, ou reconstrução. O trem turístico vai arrecadar o suficiente para pagar isso?”

Pergunta número 3.2: Se no trecho de interesse para implantação de trem turístico existir uma linha operada por uma concessionaria, já foi negociado com a concessionária a possibilidade de se usar esse trecho? A concessionaria concordou?

Ferrovia na Região da Costa Verde, onde chegou a ser combinada e firmada uma parceria com a concessionária que transporta cargas e a cessão do trecho para operação de um Trem Turístico, que infelizmente não foi à frente por outros motivos.
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2018

 

Portanto, nosso nobre leitor, amante das ferrovias (com ou sem referências, como quiser, não foi nossa intenção o trocadilho) que ao ver trechos abandonados ou não acha que com sua bondade (vejam definição de Bonzista na primeira postagem dessa série, não se encaixe nessa definição!), boa vontade e boas ideias, acredita poder conseguir o retorno desse trecho, ou que também com seu enorme altruísmo conseguirá defender as girafas da Amazônia, fica a pergunta básica recorrente: De onde sairá o dinheiro?

Se você é mais um daqueles que acredita que o governo pode participar, mais uma pergunta: você acredita mesmo que sua prefeitura ou o governo do seu Estado poderá ajudar? Já mostramos aqui a inépcia reinante no interior de nossos governos. Se prefeituras como a de Petrópolis ignoraram patrocinar um dos melhores e mais emblemáticos grupos vocais que existiram no Brasil, “as meninas cantoras de Petrópolis”, cujo valor de patrocínio seria ínfimo se comparado com uma operação ferroviária, você sinceramente acredita que vão apoiar projetos ferroviários? Há casos e casos, mas sejamos realistas. E aqui nos referimos genericamente às prefeituras em geral.

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As meninas cantoras de Petrópolis
Grupo vocal formado em 1976 pelo maestro Marco Aurélio Xavier e dissolvido pela ausência de patrocínio em 2016.

O desprezo com a cultura e o patrimônio chegou ao ponto em que uma atração turística de Petrópolis, como o Relógio das Flores, chegou a ser abandonada devido a atos de vandalismo (vigilância não seria suficiente?) e falta de manutenção.

Fonte: Tribuna de Petrópolis

E um suposto leitor que, além de acreditar ser possível reativar linhas para uso turístico, mesmo sem entender nada de turismo, também acredita no Papai Noel e no Coelhinho da Páscoa, acha mesmo que as prefeituras vão investir em projetos assim? Pois é, é muito muito muito difícil isso acontecer…

Encerramos então o nosso retorno, e passeio, ao ensino fundamental interpretando a frase número 3.


FRASE NÚMERO 3

funcionando exclusivamente com função turística.

Não é viável face as características econômicas do Brasil, bem diferente dos Estados Unidos, a implantação desenfreada de trechos ferroviários de uso exclusivamente turístico, pois as possibilidades para isso são bem pontuais e com possibilidade de sucesso em pouquíssimos trechos.

Automotriz estacionada em Governador Portela, Miguel Pereira, após a não concretização de um projeto turístico entre esta estação e Miguel Pereira.
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2020

A iniciativa, de forma mais ampla, só se viabiliza, além do transporte de turistas, com o transporte de cargas e passageiros, ou com projetos globais envolvendo setores diversos, setores da própria cidade. Diferente disso as chances de fracasso são enormes. Querer transpor para o Brasil projetos turísticos ferroviários como existentes nos Estados Unidos, é uma falta de conhecimento do setor turístico. Nossas características de turismo interno são bem diferentes das dos Americanos, nos falta também uma classe média maior e mais capitalizada.

Um dos diversos exemplos onde isso é possível é o trecho para Petrópolis, que atenderia a todos os segmentos: carga, passageiros, e turismo, além de despertar interesse no empresário de ônibus que é alguém que sempre deve ser convidado a participar de tais projetos.

Abaixo, texto sobre o trem para Petrópolis, vale a pena ler.

O trem pra Petrópolis e tudo que vem junto com ele

Para complementar lembramos de um Projeto de Lei, elaborado no ano de 2012 por um grupo de políticos, que visava a implantação de trechos ferroviários para fins turísticos no Estado do Rio de Janeiro. Entretanto, apesar da aparente boa ideia, os trechos sugeridos demonstravam a total falta de conhecimento nas áreas de história, transporte ferroviário e mobilidade em geral, além de desconhecimento em vários aspectos do próprio estado do Rio de Janeiro. Alguns absurdos propostos foram:

  • reativar uma ferrovia que era utilizada para transporte urbano;
  • que foi desativada e teve o trecho inundado para a construção de uma represa;
  • trechos que não tem cenários ou atrativos turísticos;
  • até mesmo linhas em áreas particulares!
Fonte: http://www.alerj.rj.gov.br/Visualizar/Noticia/42581

Estes foram alguns dos trajetos sugeridos, o que, de qualquer forma e com os fatores apresentados, não cabe a nós acrescentar, observar ou comentar mais nada. Apenas destacamos que o subtítulo deste artigo se encaixa perfeitamente no exemplo acima.


TRANSCRIÇÃO DAS PERGUNTAS

Não confundam as frases pinçadas com as perguntas feitas, por isso abaixo transcreveremos apenas as perguntas. Reflitam sobre elas separadamente aqui e sobre as possíveis respostas, e após isso vejam se suas ideias são exequíveis ou não.

Aproveitamos também para pedirmos que abram a mente para opiniões e pensamentos previamente criados ou enraizados anteriormente, tentem analisar a situação de uma forma diferente do que você possivelmente já pensa, saiba ou talvez imagine que saiba. Não somos os donos da verdade, mas apenas pedimos que abram a mente e pensem de forma diferente para possibilitar que a informação, ideias e opiniões, tenham ao menos uma chance de ser analisada ou considerada. Individualmente, após ler, dê sua opinião, não comente ou opine sem antes ler e visualizar as informações sob outro ângulo ou aspecto.

Pergunta número 1: O trecho turístico que você defende tem potencial para se pagar funcionando apenas de quinta a domingo? Ou menos? E em quantos meses no ano?

Pergunta número 2: “O trecho turístico que você defende usará que tipo de máquina para tracionar os vagões/carros, que tipo de vagões/carros vai ser usado, de onde eles virão? E o mais importante: o volume de passageiros transportados vai custear isso?”

Pergunta número 3: “Quem vai pagar a reconstrução dessa linha considerando custo de até R$500.000,00 por km? Ou quem vai bancar uma eventual reforma da ordem de R250.000,00 o km.” (Preços estimados para bitola métrica)

O volume de passageiros transportados vai bancar isso?

Pergunta número 3.1: “E quem vai bancar a manutenção dessa linha pós-reforma, ou reconstrução? O trem turístico vai arrecadar o suficiente para pagar isso?”

Pergunta número 3.2: Se no trecho de interesse para implantação de trem turístico existir uma linha operada por uma concessionária, já foi negociada com a mesma a possibilidade de usar esse trecho? A concessionária concordou?

Resumindo: Sem a participação do empresariado, e sem um projeto viável, nada acontecerá.

Só para lembrar, se essas propostas de trens turísticos que aparecem por aí corriqueiramente fossem realmente boas, algum empresário já as teria abraçado.

Portanto, amigos leitores, quando ouvirem pessoas cheias de boas intenções propondo Trens Turísticos, pensem em tudo o que está descrito aqui. Além disso, importante, se informem se quem faz tais propostas já geriu algum negócio na vida, há chances tanto que sim tanto que não, mas confirmem.


TRAZENDO SÓCRATES PARA O SETOR FERROVIÁRIO

Quando ouvir alguém fazendo, ou estiver pensando em fazer, esse tipo de proposta, lembre-se de Sócrates, e das três peneiras da sabedoria.

Temos a impressão de que o responsável pelas ilustrações e imagens deste artigo se empolgou com essa história de “Trazendo Sócrates para o setor ferroviário”. Parece, não?

Para o setor ferroviário, fazer essas perguntas funcionam como as três peneiras da sabedoria de Sócrates, que veremos mais abaixo. Evitam muitos problemas, e feitas no momento certo teriam evitado muitos equívocos ocorridos no passado e, inclusive e por exemplo, atualmente o que está acontecendo em Miguel Pereira.

Até a publicação desse texto, duas semanas depois do primeiro artigo e vários meses depois de primeiras opiniões dadas a respeito do edital originalmente lançado, a Prefeitura de Miguel Pereira, em sua terceira tentativa, não conseguiu ainda interessado(s) em operar o trem com a Locomotiva a vapor.

Para não cometermos injustiças aguardamos a publicação de um novo edital do projeto, mas infelizmente algo parece ocorrer, e do jeito que nós e vários grupos já tinham previsto desde antes até de 2020, com o projeto anterior: “algo de errado não está certo” diriam os bem-humorados, mas neste caso não devemos fazer piada, o assunto é sério.

Estação ferroviária Professor Miguel Pereira, em 2018
Foto: Eduardo (‘Dado’)

Fomos informados que recentemente aconteceu uma reunião para implantação de um circuito ferroviário em Vassouras, entre a nova diretoria do IPHAN e o prefeito da cidade, que possui uma belíssima estação ferroviária hoje ocupada e mantida por uma Universidade e para outros usos culturais. Trata-se de projeto antigo, apoiado por empresários da região, para fomento do turismo local que inclui inclusive restaurar a ferrovia até Conservatória, na cidade vizinha de Valença, já citada aqui neste artigo.

No encontro, o prefeito Severino Dias apresentou a intenção de realizar um projeto para viabilizar um circuito de passeio ferroviário na região do Vale do Café. A ideia é mobilizar na ação outras prefeituras da região, além do IPHAN, Secretaria Estadual de Turismo e a Agência Nacional de Transportes Terrestres. Foto de 10 de junho de 2021, divulgada via Facebook.

Contudo nos causa apreensão que dentre os presentes à reunião estivessem autoridades sem nenhum conhecimento pleno da área ferroviária, mas, sim e apenas, de patrimônio e conservação. Esperemos que as pessoas consultadas posteriormente sejam efetivos conhecedores do setor, que vejam a ferrovia como negócio e que os empresários locais participem do projeto evitando frustrações como ocorridas anteriormente em outros lugares no Rio de Janeiro.

Antiga estação ferroviária de Vassouras
Foto: Eduardo (‘Dado’) em 2018

Que fique bem claro novamente: a AFTR apoia e espera ver diversos trechos operando com trens turísticos. Mas empreendimentos tem que ser viáveis, e não certas utopias que alguns defendem, e que com seu fracasso comprometem todo o setor, desmoralizando-o. Estamos fartos de ver isso acontecer, e apesar de podermos ser considerados “formadores de opinião” não é neste caso uma opinião da AFTR, mas um senso comum: podem perguntar para pessoas mais esclarecidas ou fora de determinados círculos as suas respectivas opiniões. Sério!

A AFTR aproveita para informar que tem um projeto chamado de Ferrovia Centro-Sul Fluminense, e que engloba essa proposta da prefeitura, estando à disposição dos interessados.

Projetos AFTR 2 – Ferrovia Centro-Sul Fluminense (1)

Projetos AFTR 2 – Ferrovia Centro-Sul Fluminense (2)


AS TRÊS PENEIRAS DA AFTR

Um rapaz procurou os técnicos da AFTR e disse que tinha uma ideia fantástica e maravilhosa para um serviço de trem turístico. Mediante isso, disseram os técnicos da AFTR

– O que você vai me propor já passou pelas três peneiras?

– Três peneiras? Indagou o rapaz.

– Sim! A primeira peneira é a VIABILIDADE. O que você quer me propor é viável, você fez as contas e essa sua proposta se paga? Caso não tenha feito isso, e não tem certeza da sua viabilidade, a coisa deve morrer aqui mesmo. Mas suponhamos que seja viável. Deve, então, passar pela segunda peneira: a INVESTIBILIDADE. O que você propõe é algo que interessa a investidores? É uma coisa boa? Ajuda a construir ou destruir o caminho e a fama do próximo? Vai dar lucro a quem investir? Ou, como muitas pessoas pensam, você está pretendendo que o governo pague a conta? Para ser colocada em prática poderá interferir em outras pessoas? Como a locomotiva retirada de Grussaí que servia aos comerciários e que agora esta parada em Miguel Pereira não servindo a ninguém? Se o que você quer propor é coisa realmente muito boa, deverá passar ainda pela terceira peneira: a NECESSIDADE. Resolve alguma coisa? Ajuda a comunidade? Ou vai atender apenas a sua vaidade e de seu grupo de amigos?

– (…) 🤐

– Se passou pelas três peneiras, proponha! Tanto nós como você iremos nos beneficiar. Caso contrário, esqueça e enterre tudo!


ABAIXO AS TRÊS PENEIRAS DE SÓCRATES

Um rapaz procurou Sócrates e disse-lhe que precisava contar algo sobre alguém. Sócrates ergueu os olhos do livro que estava lendo e perguntou:

– O que você vai me contar já passou pelas três peneiras?

– Três peneiras? Indagou o rapaz.

– Sim! A primeira peneira é a VERDADE. O que você quer me contar dos outros é um fato? Caso tenha ouvido falar, mas não tem certeza da sua veracidade, a coisa deve morrer aqui mesmo. Suponhamos que seja verdade. Deve, então, passar pela segunda peneira: a BONDADE. O que você vai contar é uma coisa boa? Ajuda a construir ou destruir o caminho, a fama do próximo? Se o que você quer contar é verdade e é coisa boa, deverá passar ainda pela terceira peneira: a NECESSIDADE. Convém contar? Resolve alguma coisa? Ajuda a comunidade? Pode melhorar o planeta?

Arremata Sócrates:

– Se passou pelas três peneiras, conte! Tanto eu como você iremos nos beneficiar. Caso contrário, esqueça e enterre tudo!

 

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Agradecemos a leitura, até a próxima!

A opinião constante neste artigo é de inteira responsabilidade do autor, não sendo, necessariamente ou totalmente, a posição e opinião da instituição.

Imagem em destaque: represa em São José do Vale do Rio Preto (Fonte: Acervo Amigos para Sempre, via Amarildo Mayrink)

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Autor

  • Mozart Fernando

    Engenheiro Mecânico formado pela Faculdade Souza Marques em 1992, foi secretário-geral da AFTR no mandato 2017-2020 e atualmente ocupa o cargo de diretor-técnico da instituição. Iniciou sua carreira profissional em 1978 trabalhando com um engenheiro que foi estagiário da RFFSA entre 1965 e 1966. Esse Engenheiro durante esse período trabalhando no setor de cremalheiras acompanhou o desmonte da E.F. Cantagalo e conhecia diversas histórias envolvendo o desmonte da Ferrovia de Petrópolis realizado pela mesma equipe. Histórias que muitos preferem esquecer. Parte dessa convivência extremamente valiosa está transcrita nos textos publicados pela AFTR. Não se considera um “especialista” em ferrovias, outra palavra que hoje no Brasil mais desmerece do que acrescenta. Se considera um “Homem de Negócios” e entende que o setor ferroviário só terá chance de se alavancar quando os responsáveis por ele também forem homens de negócios. Diferente de rodovias, as ferrovias são negócios. E usar para ferrovias os mesmos parâmetros balizares de construção e projeto usados em rodovias redundará em fracasso. Mozart Rosa é alguém que mais que projetos, quer apresentar Planos de Negócios para o setor.

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